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Ferramentas de contact tracing e o Direito na pandemia

Através do contact tracing é feito o monitoramento do infectado, identificando sua localização, com quem esteve, por quanto tempo, etc., para, com isto, se evitar contaminações secundárias.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Atualizado às 14:23

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Não é novidade que vivemos uma vida ultra-conectada, os telefones celulares, que antes serviam apenas para fazer e receber ligações, hoje estão em constante contato com o mundo, através deles estamos em diversos lugares ao mesmo tempo. Enquanto esperamos uma consulta, sentados na sala de espera de um consultório, conversamos com amigos em outras cidades, nos atualizamos sobre as últimas notícias do mundo, a vida do vizinho, pesquisamos um novo destino para as próximas férias e até compramos as passagens aéreas, tudo isto com poucos cliques, e ainda podemos fazer e receber ligações a qualquer momento.

Neste contexto, os celulares acabam se tornando parte de nosso corpo, o levamos conosco para onde vamos, e acaba se tornando um problema, uma grande dificuldade nos locomovermos sem ele, afinal, ele também nos mostra os melhores caminhos até o destino escolhido.

Assim, nada mais fácil do que utilizarmos este acessório para monitorar a movimentação de seu usuário em meio à pandemia, e para quem ainda não ouviu falar, é isto que os aplicativos de contact tracing fazem.

Através do contact tracing é feito o monitoramento do infectado, identificando sua localização, com quem esteve, por quanto tempo, etc., para, com isto, se evitar contaminações secundárias.

O uso deste tipo de ferramenta está sendo essencial para conter a disseminação do coronavírus em países da Ásia, enquanto isto, Brasil e Europa discutem a constitucionalidade de seu uso que esbarra na intimidade, na captação excessiva de dados de particulares, sem que se saiba, exatamente, para quais finalidades serão utilizadas e por quanto tempo, bem como na problemática que envolve a potencial discriminação de indivíduos contaminados. Em artigo recente, o jornal The Economist, por exemplo, alertou para os problemas quanto à efetividade destas aplicações em comparação com o risco às liberdades individuais (Clique aqui).

No Brasil foi editada a MP 954/20, que determinava o compartilhamento de dados pelas operadoras de telefonia móvel com o IBGE, determinando que fosse fornecida a relação completa dos nomes, números de telefone e endereço de seus consumidores. Embora a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ainda não esteja em vigor, esta MP foi suspensa pelo STF, por falta de informações suficientes sobre a destinação destes dados, sua guarda e proteção, cuidados que devem ser adotados em respeito ao direito fundamental à intimidade do cidadão.

Na União Européia, após extensos debates, chegou-se à conclusão de que estes aplicativos poderiam ser liberados desde que a gravação de informação seja realizada de forma anonimizada, evitando a identificação do seu portador e registrando apenas as aproximações ditas epidemiologicamente relevantes, ou seja, que impliquem risco de transmissão, para que, caso um indivíduo seja contaminado, se torne possível o alerta aos contatos destas aproximações relevantes registradas para adoção dos cuidados e investigações. Ainda, o uso destes aplicativos deve sempre ser voluntário, e, vencida a pandemia, os dados colhidos deverão ser descartados.

No Brasil, embora não exista regulamentação específica, podemos verificar que existem alguns sites e aplicativos no ar que realizam este monitoramento de contaminados, ou monitoram as movimentações de seus usuários, todos, utilizados de forma voluntária por cidadãos.

Em poucos meses entrará em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, e, mesmo sem a sua plena vigência, o que se verifica em muitos destes sites e aplicativos é um maior respeito, ao menos formal, quanto aos cuidados com as informações dos usuários, com suas políticas de uso e privacidade já adaptadas às diretrizes da nova legislação.

A nova lei, mesmo sem plena vigência, já produz efeitos, tanto no comportamento de empresas e pessoas, quanto norteando decisões judiciais, o que deve se intensificar com o seu breve advento.

Destas experiências, o que se pode concluir é que independente da excepcionalidade do momento que vivemos não se pode permitir a mitigação de direitos e garantias fundamentais. As permissões eventualmente dadas neste momento refletirão em momentos posteriores.

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*Camila Zambroni Creado é advogada sócia do escritório Zambroni Araujo Araújo Advogados, especialista em Direito Médico e Direito Empresarial

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