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As medidas trabalhistas adotadas no Brasil e na França durante a pandemia de covid-19

Empresas que operam em ambos os países encontram diferenças importantes nas mudanças da legislação trabalhista durante o isolamento. Saiba quais são as principais.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Atualizado às 09:17

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Para tentar minimizar os efeitos negativos e proteger empresas e trabalhadores, governos de vários países vêm anunciando medidas que visam facilitar trâmites legais e fiscais para a tomada de decisão das empresas. Para as multinacionais, há o desafio de compreender tantas mudanças ocorrendo ao mesmo tempo pelo globo nas leis trabalhistas locais.

No Brasil, grandes grupos internacionais assumem esse desafio de se adaptar às transformações importantes que a legislação nacional vêm passando desde antes da pandemia e agora, com as mudanças emergenciais. Destaque para as empresas do varejo brasileiro, onde operam com grande participação empresas francesas, principalmente nos segmentos de superrmercados e alimentos.

Em 2018, o saldo da balança comercial foi de 1,5 bilhões de euros a favor da França, um crescimento de 24 %, configurando o 11º maior excedente comercial da França no mundo, segundo a Embaixada da França no Brasil. Um levantamento do dia 2 de setembro do ano passado, da Agência Globo, aponta que 800 empresas empregam cerca de 500 mil pessoas no Brasil.

Mudanças trabalhistas no Brasil

As mudanças na legislação trabalhista criadas durante a pandemia estão relacionadas principalmente à Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, publicada pelo Governo Federal e que possibilitou aos empregadores adotar algumas medidas para diminuir o impacto econômico e preservar o emprego e a renda. É fundamental que empresas estrangeiras estejam atentas às particularidades das mudanças nas leis trabalhistas brasileiras neste período excepcional.

A Medida Provisória estabelece, primeiramente, que para fins trabalhistas, o estado de calamidade pública reconhecido pelas Autoridades constitui hipótese de força maior, nos termos termos do art. 501 da CLT. Durante o estado de calamidade pública, empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a manutenção do emprego, cujo acordo terá prevalência sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal.

Poderão ainda ser adotadas pelos empregadores, de forma muito resumida, as medidas relacionadas aos seguintes assuntos:

Teletrabalho

A empresa pode, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. 

Antecipação de Férias Individuais

Foi autorizada a antecipação dasrias dos empregados, inclusive para aqueles com menos de 1 ano de contrato de trabalho. A empresa poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de um terço de férias após sua concessão, até a data em que é devido o chamado 13º salário.

o pagamento da remuneração das férias concedidas poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao ini'cio do gozo das férias. Ou seja, a remuneração das férias não precisará ser antecipada.

Concessão de Férias Coletivas

O empregador pode, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de 48 horas.

Aproveitamento e Antecipação de Feriados

As empresas podem antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais.

Banco de Horas

Foi autorizada a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas.

Suspensão de Exigências Administrativas em Segurança e Saúde no Trabalho

Ficou suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.

Diferimento do Recolhimento do FGTS

Ficou suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Programa Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda

Em acréscimo, e seguindo a linha diretriz da Medida Provisória anterior (927/20), o governo brasileiro também publicou a Medida Provisória 936/20, a qual objetivou, conforme dispõe o art. 2º, a preservação do emprego e renda, garantindo a continuidade das atividades laborais e empresariais, reduzindo o impacto do estado de calamidade pública, tudo através da instituição do "Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda".

O programa foi composto, em suma, por 3 medidas:

a) redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e; 

b) suspensão temporária do contrato de trabalho;

c) pagamento do "Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda";

Redução Proporcional de Jornada de Trabalho e de Salários

A Medida Provisória 936/20 permitiu reduzir a jornada de trabalho do empregado, com a consequente redução salarial proporcional em 25%, 50% ou 70%, mantido o valor do salário-hora. A redução pode ser feita pelo prazo máximo de 90 dias, sendo certo que o valor faltante será complementado pelo Governo Federal até determinado percentual.

Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho

A Medida Provisória também permitiu suspender o contrato de trabalho (sem o pagamento de salário e sem prestação dos serviços), de maneira que o empregado receberá um benefício do Governo Federal no valor do Seguro-Desemprego que faria jus no caso de desligamento, pelo prazo máximo de 60 dias.

As empresas que tiverem auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4,8 milhões deverão pagar uma ajuda compensatória no valor de 30% do salário do empregado e o Governo arcará com 70% do benefício. Empresas com faturamento inferior também poderão pagar a ajuda compensatória, porém é facultativo e esse valor não intefrará a base de cálculo de tributos.

No caso de redução ou suspensão do contrato de trabalho, o empregado faz jus ao chamado "Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda". A base de cálculo do benefício não é o salário do empregado mas, sim, aquela do seguro-desemprego, que seria devida ao empregado, conforme os percentuais de cada uma das duas medidas já expostas, independentemente do cumprimento de qualquer período aquisitivo, período de vínculo de emprego e número de salários recebidos.

Importante acrescentar que, enquanto perdurar uma das duas medidas presentes na MP e após o restabelecimento da jornada ou do encerramento da suspensão temporária do contrato de trabalho, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão, o empregado gozará de garantia no emprego, não podendo ser dispensado sem justa causa.

Outras duas Medidas Provisórias foram editadas, como a de número 944/20 e a 946/20, com vistas a mitigar os impactos da pandemia. A MP 944/20 foi criada visando abrir linhas de crédito custeadas com 85% de recursos da União, com taxa de juros de 3,75% ao ano e prazo de 36 meses para pagamento. A empresa que aderir à linha de crédito não poderá dispensar empregados sem justa causa pelo prazo de até 60 dias após o recebimento da última parcela da linha de crédito, sob pena de vencimento antecipado da dívida.

A Medida Provisória 946/20, por sua vez, extinguiu o Fundo PIS-Pasep, além de permitir ao trabalhador o saque temporário do FGTS, a partir de 15 de junho de 2020, do valor limite de R$ 1.045,00.

Medidas trabalhistas adotadas na França

Na França, um dos berços das relações trabalhistas (Revolução Francesa -  Lei de Chapelier, 1791), várias também foram as medidas emergenciais tomadas pelo Governo. A primeira preocupação que veio à tona na França foi o chamado "direito de retirada" (Droit de Retraite), já adotado por alguns trabalhadores, como os do Museu do Louvre e motoristas de ônibus.

O "direito de retirada" é um artigo do Código do Trabalho francês, que garante este direito de se ausentar do trabalho quando houver "uma razão razoável para acreditar que isso representa um perigo sério e iminente para sua vida ou sua saúde".

O direito de retirada, diferentemente da greve, não exige prévio aviso, bastando que o trabalhador aponte o risco que corre por permanecer no local de trabalho. A partir daí, o empregado pode se ausentar do emprego sem sofrer qualquer perda do salário, não podendo ser obrigado a retomar a atividade enquanto considerar que o perigo persiste.

A saída das empresas, neste caso, é recorrer ao Judiciário e tentar demonstrar que houve uso abusivo deste direito. Caso constatado o abuso por parte do trabalhador, este terá o salário descontado, podendo ser até mesmo desligado.

A saída do governo francês para conter o avanço do número de absenteísmo laboral por conta deste direito de retirada foi emitir recomendações nacionais aos empregadores para proteger a saúde dos trabalhadores contra o vírus.

Portanto, se o empregador implementou as disposições do Código do Trabalho e as recomendações nacionais, o direito de retirada será dificilmente invocado pelo empregado.

No Brasil, o que se tem de mais semelhante a este direito de retirada é a previsão contida no artigo 483, alínea "c" da CLT, que possibilita ao trabalhador impor ao empregador uma rescisão forçada do contrato de trabalho, quando aquele correr perigo manifesto de mal considerável no ambiente laboral.

A diferença, entretanto, é que o direito de retirada previsto na França seria uma medida paliativa, temporária, enquanto a prevista no Brasil (art. 483, "d", CLT) daria uma solução definitiva ao contrato de trabalho, extinguindo-o por completo.

Lei de Emergência Sanitária

Também foi adotado pelo governo francês uma lei de emergência sanitária, para lidar com a epidemia de Covid-19 que se propagou pelo país. A ideia foi adaptar temporariamente as normas legais atualmente em vigor para limitar a propagação do vírus e apoiar a economia francesa durante a crise.

Os direitos e deveres dos empregados foram, portanto, modificados em diversos aspectos. Neste cenário, o teletrabalho (ou home office) se tornou a regra para todos os empregos que o permitem. O empregador, portanto, foi obrigado a colocar todos seus funcionários em teletrabalho quando compatível com as atividades da empresa.

Quando o teletrabalho não é possível, o empregador tem que adaptar as condições de trabalho de seus empregados para assim garantir sua segurança, muito embora o Código do Trabalho francês já obrigue o empregador a garantir a segurança e proteger a saúde física e moral dos trabalhadores (artigo L.4121-1).

O Ministério do Trabalho francês emitiu um documento de recomendações nacionais, que detalha as medidas necessárias para evitar ou limitar o risco de contaminação pelos vírus ao nível mais baixo possível. O empregador tem, por exemplo, a obrigação de assegurar o cumprimento das regras de distanciamento entre os funcionários; disponibilizar sabonetes, géis e lenços de papel; reduzir o agrupamento de empregados em pequenos espaços; desinfectar as instalações etc.

O empregado, por sua vez, deve cumprir as instruções dadas por seu empregador e cuidar, de acordo com sua formação e suas possibilidades, de sua saúde e segurança, assim como as de outras pessoas ao seu redor (artigo L.4122-1 do Código do Trabalho).

Jornada de trabalho

Sobre a jornada de trabalho na França, o tempo de trabalho legal para funcionários em tempo integral é de 35 horas por semana, exceção feita aos acordos coletivos de trabalho que preveem jornada diferente. As horas trabalhadas acima desse tempo são consideradas horas extras.

O Código do Trabalho francês, entretanto, estabelece um tempo máximo de trabalho efetivo de 10 horas por dia, e 44 horas por semana durante um período de 12 semanas consecutivas (com um máximo de 48 horas para uma semana).

O que o governo francês fez foi adaptar referida legislação para permitir à algumas atividades essenciais a prorrogação do horário máximo de trabalho previsto no Código do Trabalho, aumentando a jornada de trabalho para 12 horas diárias e 60 horas semanais, desde que o horário semanal de trabalho calculado durante um período de 12 semanas consecutivas não exceda 48 horas (44 horas para os trabalhadores noturnos).

Esses setores também podem modificar as regras relativas ao descanso compensatório ("repos compensateur"), fazendo os funcionários trabalharem os domingos e reduzindo os períodos mínimos de descanso entre dois dias úteis.

Sobre as férias, o governo francês autorizou o empregador a impor aos seus funcionários a retirada de 6 dias de férias remuneradas - contínuas ou fracionadas - ou a modificar unilateralmente as datas das férias sem ser obrigado a respeitar o pré-aviso de um mês. Além disso, o empregador francês pode impor livremente aos seus empregados a retirada de dias de descanso que eles acumularam, no limite de dez dias.

Suspensão do contrato de trabalho

Durante o período da crise gerada pela pandemia de coronavírus, algumas situações também possibilitaram ao empregado francês suspender a execução do contrato de trabalho. Quando o empregado, por exemplo, não tem com quem deixar seu filho menor de 16 anos (cuja escola foi fechada durante esse período de confinamento), ele deve informar seu empregador, a fim de considerar a prestação dos serviços em teletrabalho.

Se o teletrabalho não for compatível com as atividades da empresa, ou se o empregador se recusa a implementá-lo por justo motivo, o empregado poderá ser obrigado a tirar férias pagas nas condições já descritas.

Se nenhuma dessas soluções for possível ou suficiente, o empregado poderá ser colocado em interrupção de trabalho ("arrêt de travail") indenizado pelo seguro saúde. No entanto, apenas um dos pais pode receber uma interrupção de trabalho para cuidar dos filhos.

O empregador deve declarar a interrupção do trabalho ao seguro saúde ("Sécurité Sociale"). Essa interrupção, que pode durar inicialmente até 21 dias, é renovável quantas vezes for necessário, dependendo da duração do confinamento.

Salários

Na França, assim como no Brasil, algumas empresas também foram forçadas a fechar durante esse período de crise, principalmente aquelas cujas atividades não são compatíveis com o teletrabalho. Nesse período, a empresa na França deve garantir o salário integral do empregado, mas também tem a possibilidade de recorrer à atividade parcial, para obter a assunção de parte dos salários pelo Estado.

Assim, nesses períodos chamados de desemprego parcial ("chômage partiel"), o empregado recebe uma indenização paga pelo empregador, na data habitual de pagamento do salário, correspondente a 70% do salário bruto por hora de desemprego, ou seja, aproximadamente 84% do salário horário líquido. Essa remuneração não pode ser inferior ao salário mínimo ("SMIC").

O governo francês simplificou o procedimento de solicitação do benefício de atividade parcial sem, no entanto, generalizar o sistema, que é avaliado caso a caso. Caso seja negado, o empregador será obrigado a pagar 100% da sua remuneração ao empregado.

Ainda na França, com vistas a não penalizar os candidatos a emprego que terão dificuldade em encontrar um trabalho neste período de crise humanitária, o governo decidiu estender seus direitos ao subsídio de desemprego durante todo o período do confinamento (algo como o seguro desemprego no Brasil).

Por fim, em caso de conflito entre empregado e empregador e, considerando que o sistema judiciário francês foi fechado, os trabalhadores podem, em particular, recorrer ao procedimento de mediação, cujo papel é restabelecer o diálogo entre as partes e facilitar o surgimento de um acordo entre elas para pôr fim à sua disputa. Pode, ainda, tentar negociar diretamente com seu empregador, com a assistência de um advogado que assegurará a preservação dos interesses de seu cliente na busca de uma solução negociada com a outra parte.

As medidas adotadas podem ser melhor visualizadas no quadro abaixo:

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Como se vê, a crise trazida pelo covid-19 é um desafio para governos, empresas e trabalhadores, mas não podemos negar o legado que esta pandemia trará para as relações de trabalho, como o aumento do trabalho remoto, por exemplo.

As empresas precisarão desenvolver novas tecnologias, e este será um caminho sem volta. Aquelas que sobreviverem ao cenário atual não irão querer correr o mesmo risco novamente, e certamente investirão em produtos, serviços e experiências digitais.

De outro lado, profissionais híbridos, que combinam experiência em negócios e habilidades em tecnologia, com certeza serão muito mais valorizados no mercado de trabalho. 

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t*Sérgio Ricardo do Nascimento Cardim é advogado do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados, expert em relações sindicais. Atende grandes empresas dos setores petrolífero, midiático, têxtil, logístico e de construção civil.




t*Simone Varanelli Lopes Marino é pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e expert em Direito do Trabalho. Advogada do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados.

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