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Os impactos da greve dos entregadores de delivery na geração de renda

Jaime Pereira de Souza

Plataformas de delivery surgiram em meados da última década e trouxeram propostas fáceis para lidar com problemas de logísticas, superfaturamento em transportes particulares, redução dos danos sofridos pela população com a precária prestação de serviços prestados pelo transporte público.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Atualizado às 08:49

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Os profissionais que servem aos aplicativos e plataformas de delivery realizaram uma greve no início do mês de julho reivindicando condições de trabalho e trazendo a pauta demandas, tais como remuneração mais justa; como o estabelecimento dê uma taxa mínima por corrida superior ao valor pago atualmente, bem como cobram por um pagamento padronizado entre as plataformas de acordo com a quilometragem percorrida.

Estas plataformas de delivery surgiram em meados da última década e trouxeram propostas fáceis para lidar com problemas de logísticas, superfaturamento em transportes particulares, redução dos danos sofridos pela população com a precária prestação de serviços prestados pelo transporte público. Ainda gerou trabalho e renda para mais de um milhão de profissionais liberais em todo o Brasil.

Ocorre que estas plataformas e transportes são novidade para o Estado, e estas se amparam na legislação que as protegem como sendo meras intermediadoras entre um suposto empreendedor individual e o cliente. Nesta relação, o trabalhador informal é tratado como empreendedor individual dirigido por uma plataforma que determina as regras de funcionamento. Desse modo o aplicativo trás um complexo de regras de funcionamento determinando os poderes diretivos do responsável pela plataforma. Neste estão definidas quem pode ser contratado, os requisitos, o funcionamento e as regras de remuneração. Permitindo o controle mais preciso acerca da relação entre o trabalho e a remuneração.

Contudo, a reivindicação dos motoristas de aplicativos requer maior cautela na avaliação das perdas e ganhos que os levaram a protestar reivindicando direitos. Os apps revolucionaram a forma no ganho de renda no Brasil surgindo exatamente em um período delicado em que o país enfrentava uma crise financeira com cerca de dezesseis milhões de desempregados.

Nesse contexto, é possível que os entregadores possam "estar cavando a própria cova", com esse movimento reivindicatório. Explico: em virtude dos subsídios de taxas de entregas e vouchers para estimular demanda, absolutamente nenhum app de delivery conseguiu gerar lucro.

A Uber Eats, no ano de 2019, teve um gasto em torno de +USD 1 Bilhão; já a Rappi gastou USD 1Bi só com a LATAM; o iFood despendeu algumas centenas de milhões de dólares. Até então, esse não era o problema para as empresas, uma vez que esse é o jogo de quem quer ganhar marketshare de maneira desenfreada e é o princípio de uma startup em busca de um modelo de negócio sustentável.

Nesse contexto, deve ser considerando, junto aos fatores aqui mencionados, a questão social, que revela que atualmente os aplicativos empregam dezenas de milhões ao redor do mundo gerando uma renda significativa. O Instituto Locomotiva aponta em seus dados que no mês de maio de 2020 um entregador do iFood ganhou cerda R$21,80 por hora trabalhada.  Dessa margem não incidiu impostos da CLT pelo fato de ser autônomo.

A mesma pesquisa aponta, ainda, que 9 em cada 10 entregadores valorizam ter flexibilidade de horário e liberdade para compor sua renda. Com base nos dados mencionados é indiscutível dizer que o entregador foi substancialmente beneficiado após o surgimento dos apps.

Então, o que motivou esses profissionais a promoverem a greve?

A resposta é que eles estão em busca de maior remuneração requerendo que as taxas de entrega aumentem. Também reclamam pelo fim do bloqueio dos entregadores por má conduta. E aqui está o cerne da questão: o que essas reivindicações poderão ocasionar caso sejam acatadas?

Conforme os próprios aplicativos explicam, o aumento em 15% sobre o valor da taxa de entrega provocará uma queda de 20% na demanda. Esta estimativa se dá com base em estudos de elasticidade que comprovam a correlação e a causalidade. E uma queda abrupta na demanda de pedidos causaria um corte de aproximadamente 100.000 empregos gerados diretamente por meio dos aplicativos.

Se os entregadores que foram penalizados por má conduta não permanecerem bloqueados, isso impactará significativamente na qualidade do serviço do aplicativo provocando a falência do negócio por não apresentar segurança ao consumidor.

No Estado de São Paulo, um entregador de aplicativo de delivery ingressou no judiciário requerendo o reconhecimento de vínculo empregatício com a plataforma para a qual prestava serviço. Nesta demanda, o TRT de São Paulo reconhece vínculo de emprego entre o entregador e aplicativo. Essa questão é controversa, mas já abriu um precedente para futuras possíveis demandas de semelhantes requerimentos.

Assim, a 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), reconheceu o vínculo de emprego entre aplicativo e entregador, apontando que preenche todos os requisitos para a configuração da relação de emprego tais como pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação. O caso ainda está passível de recurso e rende bastante discussão até que se chegue a uma solução justa.

O que vemos é que a legislação precisa se adequar e se atualizar a realidade dos dias de hoje, visto que o Direito segue os fatos sociais e, atualmente, em virtude da pandemia alterou a realidade de modo que se vive novos tempos: pessoas mais dependentes dos serviços online, computadorizados e digitais. As formas de trabalho também são impactadas por esta nova realidade, requerendo do Direito a adequação da legislação ao tempo atual em que a sociedade enfrenta.

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t*Jaime Pereira de Souza é parceiro do escritório DASA Advogados.

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