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Eleições municipais em época de pandemia - Conjuntura política constitucional

Os números e projeções apontam que esta não será apenas uma recessão, mas a maior que o país já viveu... que o tombo econômico brasileiro retornará ao patamar recorde observado durante a crise econômica de 2016.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Atualizado às 08:35

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A prefeitura de São Paulo afirmou no início deste mês de julho que os casos de mortes decorrentes do coronavírus aumentou em 432% apenas neste último mês de junho, só na Capital paulista tivemos mais de 135 mil casos suspeitos da doença sendo que o número de notificações de casos chega a mais de 3 mil por dia, podendo levar sistema público de saúde a colapsar em 15 dias.

Por outro lado, também neste último mês foi registrado um aumento de 60% nos pedidos de falência em comparação com o mês de maio de 2019. Os especialistas dizem que esta cifra é otimista, pois em razão da pandemia deve ter havido um represamento no número de solicitações em decorrência do fechamento dos cartórios e varas judiciais.

Os números e projeções apontam que esta não será apenas uma recessão, mas a maior que o país já viveu... que o tombo econômico brasileiro retornará ao patamar recorde observado durante a crise econômica de 2016.

Enfim, o momento que se avizinha é de tensão e expectativas...por isso, como já falamos por aqui, precisamos pensar em nossa cidade, no município de São Paulo, em políticas públicas integradas e firmes para que sua população possa sobreviver de maneira digna e ultrapassar a crise sanitária e econômica. Esta é uma árdua tarefa para os homens públicos desta cidade, especialmente para os que virão em decorrência das eleições de novembro próximo. E é dentro deste contexto que antes de falarmos em ELEIÇÕES precisamos fazer algumas observações para compreendermos a complexidade do que está por vir.

O município enquanto unidade político-administrativa surgiu com a república romana, interessada em manter a dominação pacífica das cidades conquistadas pela força dos exércitos. Sua origem foi mais de natureza sociológica do que política e advém do espírito associativo do homem e de suas relações de vizinhança. Portanto, sua função administrativa historicamente vem assentada no princípio do direito natural.

No Brasil, com o final da ditadura, reconstruiu-se um Estado de direito, de bases liberais, com reconhecimento dos direitos políticos e jurídicos, sem que estes se estendessem ao plano social. Existia um consenso de que a democracia, uma vez reinstalada, combateria o déficit social, dado que a ditadura havia feito crescer a economia sem estender seus benefícios à massa da população.

Neste pilar equilibrou-se José Sarney governando, sob o slogan "Tudo pelo Social", e posteriormente, a nova Constituição ter assumido a forma de "Constituição Cidadã", assim chamada por Ulisses Guimarães, ao afirmar direitos e deveres.

Durante a década de 80, em decorrência de um processo de mobilização nacional, os municípios começam a se tornar mais presentes nas grandes decisões nacionais e responsáveis pelas suas próprias decisões. Diversos pensadores desta época chegaram a afirmar que a descentralização de poder resultante desta nova Carta era antes de tudo uma conquista dos Municípios, uma vez que eles eram os berços da perpetuação da República e da Democracia efetivamente, por ser o único nível de governo possuidor de respaldo e localização física, ou seja, solo municipal, pois é a menor unidade territorial de Federação, cuja criação reflete a base da organização político-administrativa da Nação.

A Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovações para a vida municipal, de forma que o Município passou a constituir um dos entes da federação, tratando-o como unidade dotada de autonomia política, expressa na capacidade de poder elaborar a sua Lei Orgânica, fugindo assim, da tutela dos estados, que até então eram considerados como únicos componentes da federação.

A Lei Orgânica Municipal traz em seu bojo, além da organização administrativa do município, a restauração do Poder Legislativo municipal, definindo a diversificação normativa, que não existia nas leis organizacionais outorgadas pelo Estado, reflexo do poder constituinte outorgados aos Municípios pela Constituição Federal de 1988, como consequência do efetivo exercício do conceito de Estado Democrático de Direito.

Isso só se tornou possível em razão do poder que o povo transferiu para o Estado, corroborando com o entendimento de que a teoria política formadora do conceito de soberania do Estado contemporâneo está ligada à ideia da democracia ou da participação popular, pois quando o Estado traça seus limites na Constituição, de legitimidade reconhecida por todos ele se torna o legitimo depositário da soberania popular.

O município, enquanto ente federativo, tem atualmente a responsabilidade de ordenar o seu desenvolvimento social e a garantia do bem estar de seus habitantes, executando políticas públicas de ações a serem empreendidas na consolidação democrática do Estado.

Dessa forma, o aperfeiçoamento da máquina administrativa, a redefinição das suas obrigações e encargos e o estabelecimento de políticas públicas específicas devem estar sempre presentes na mente do gestor público visando o revigoramento das instituições diretas e indiretas para o efetivo exercício da soberania local.

É exatamente dentro deste contexto que mais uma eleição se aproxima, momento de extrema importância para nossa ainda jovem democracia, período em que nos questionamos qual o nosso real papel nesse processo político.

Teremos novamente a oportunidade para fazer uma profunda reflexão sobre os atos de cada partido, candidato e cidadão e o respeito de cada qual pela disputa eleitoral e pela moralidade pública.

O ineditismo de uma campanha eleitoral sob uma pandemia exigirá adaptações de candidatos e eleitores, que vão protagonizar um pleito municipal marcado por muitas incertezas, além das já habituais que são conhecidas. O cenário atípico que vivemos pode ter impacto desde a fase de propagandas até os resultados.

A emenda constitucional 107/20 aprovada pelo Senado e agora discutida na Câmara, publicada no último dia 03, prevê a alteração do pleito eleitoral a para os dias 15 e 29 de novembro (respectivamente, primeiro e segundo turno) e traz uma série de alterações de prazos e de rotina.

Não apenas para o eleitorado, mas também para o TSE e os municípios, por exemplo, a necessidade do uso de EPIs (equipamentos de proteção individual), como máscaras e luvas, pelos mesários e demais servidores nos dias de votação.

Nem todo município do país obriga os moradores a utilizarem máscaras, mas elas podem ser exigidas nas zonas eleitorais, também se cogita mudanças nos horários de votação, como a determinação de um período específico para grupos de risco e o prolongamento do tempo. Enfim, há uma serie de questões sendo discutidas, vamos conversar sobre algumas que eu achei mais importante em decorrência do curto espaço de tempo.

Uma das questões candentes são as medidas de distanciamento social necessárias para prevenir o contágio do coronavírus, pois certamente afetarão o processo que é essencialmente presencial e pressupõe aglomeração, ato de rua, contato físico, aperto de mão. O pleito vai delegar aos candidatos será a necessidade de convencer os eleitores a irem às urnas. "Além de buscar o voto, os políticos terão que conscientizar os cidadãos da importância do ato de votar"

A chance de aumento nas taxas de abstenção também tem sido considerada nos debates em Brasília. Pessoas com mais de 70 anos, que já não eram obrigadas a votar, podem desistir de ir à seção eleitoral, pois são vulneráveis.

A questão está naqueles que tem mais 60 anos. O ministro Barroso foi contra a sugestão de tornar facultativo o voto para esta fatia com receio de haver um elevado índice de abstenção pois eles representam 11% do eleitorado brasileiro.

E somados com aqueles que possuem mais de 70 anos e que o voto é facultativo, alcançaríamos um patamar de aproximadamente 20% de abstenção do eleitorado, o que foi considerado alto demais. A saída? estudar medidas de distanciamento social.

Outra questão que tem sido mencionada é a de que os candidatos à reeleição, que naturalmente largam na frente por fatores como conhecimento dos cidadãos e facilidade para estruturar a campanha, criem uma sombra ainda maior sobre os inexperientes, que não têm os mesmos benefícios.

Os prefeitos que tentam renovar o mandato fizeram um lobby muito forte para o não adiamento eleitoral pois parte deles era contra a mudança na data por acreditar que a postergação diminuiria as chances deles nas urnas, já que os deixaria mais expostos a desgastes que estamos atualmente vivendo

Você sabem que por causa disto a organização o Renova BR (privada que capacita novatos interessados em concorrer a cargos) buscou alternativas para tentar manter o ânimo dos seus alunos (mais 1620!) dizendo que com a crise, o eleitor buscará candidatos mais preparados, porque "o déficit de liderança e a falta de competência" para a resoluções de situações da pandemia serão levados em conta pelo eleitor na hora da decisão.

Outro aspecto fundamental serão as campanhas eleitorais, pois embora a campanha via redes sociais seja vista como mais efetiva em grandes centros esta não é a realidade para circunscrições menores portanto, a campanha do corpo a corpo ainda mantem a sua importância e não deve ser descartada em cidades menores pois os especialistas acreditam que o boca a boca pode levar um candidato a ser conhecido até por eleitores sem tanta relação com a internet.

Nesse contexto de campanhas virtuais não podemos esquecer da difusão de fake news e também de uma questão séria que é a disparidade de recursos entre candidatos pois se o ambiente virtual for predominante, figuras conhecidas e com mais recursos para impulsionamento de conteúdo largaram na frente...

Apesar de sermos resistentes, acredito que o horário eleitoral obrigatório de TV e rádio tende a ganhar protagonismo, já que será a oportunidade de muitos candidatos se apresentarem aos eleitores e agora com a questão do isolamento talvez a gente consiga ressignificar nos grandes centros o sentido que a TV parece não ter tido nas eleições de 2018, fortemente influenciadas pelas redes sociais", "Agora, é possível que o horário eleitoral gratuito volte a fazer parte da vida do eleitor.".

O fato é que além destas questões práticas, estará em jogo algo mais sofisticado: o tipo de discurso que fisgará o eleitor pois a população está mais sensível portanto a estratégia terá que mudar.

Prefeitos que estavam apagados se mostraram bons líderes, e outros que vinham fazendo gestões elogiadas se atrapalharam na condução da pandemia", portanto o cenário muda em uma eleição em que a pauta da saúde e as questões econômicas vão nos acompanhar até 15/11 e devem se fortalecer em razão da piora da crise. Enfim, o exercício da autonomia municipal, mais uma vez se manifestará politicamente no exercício consciente da cidadania, pelo qual nós brasileiros tanto lutamos, a eleição, pelo VOTO POPULAR dos agentes políticos municipais, como primeira expressão e, renovável periodicamente, é tudo isso escrito aqui é para nos fazer relembrar da sua fundamental importância: A manutenção do Estado Democrático de Direito.

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t*Luciana Andrea Accorsi Berardi é doutora e mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Conselheira Seccional da OAB/SP. Professora de Direito Constitucional e Administrativo. Sócia do Murta Berardi Sociedade de Advocacia.

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