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A medida provisória 992 e o compartilhamento da alienação fiduciária em garantia

Ao incluir os artigos 9º-A a 9º-D na lei 13.476/17, a MPV 992 regulamentou o compartilhamento da alienação fiduciária em garantia, como forma de estimular o mercado nacional em momento de crise econômica.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Atualizado em 1 de março de 2021 09:04

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Em 16/7/20, foi publicada a medida provisória 992 (MPV 992) que, dentre outros assuntos, dispõe sobre a possibilidade de compartilhamento da alienação fiduciária para garantia de novas operações de crédito.

A MPV 992 acrescentou os artigos 9º-A a 9º-D à lei 13.476/17. A lei alterada trata de operações bancárias de abertura de crédito com limite de valor, mais conhecida como "contrato guarda-chuva" ou umbrela agreement, bem como das operações financeiras daí derivadas e as respectivas garantias, incluindo garantias reais, e sua execução em situações de inadimplência.

Agora, com a inclusão desses dispositivos pela MPV, a lei de 2017 passa a prever a possibilidade do devedor fiduciante contratar com seu credor fiduciário, novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza, utilizando como garantia o mesmo bem imóvel já alienado fiduciariamente entre eles.

Em outras palavras, a pessoa (física ou jurídica) que tomou um empréstimo e alienou fiduciariamente seu imóvel como garantia de seu adimplemento, poderá contratar novas operações de crédito utilizando-se do mesmo bem para garanti-las. No entanto, vale destacar que as operações só poderão ser contratadas entre as mesmas partes e no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Ou seja, o credor será sempre uma instituição financeira.

Além disso, nos termos do parágrafo segundo (§2º) do artigo 9º-A, as pessoas físicas somente poderão contratar essas operações de crédito "em benefício próprio ou de sua entidade familiar, mediante a apresentação de declaração contratual destinada a esse fim".

Com essa redação, a MPV 992 evita que a entidade familiar que adquiriu um imóvel por meio de financiamento, utilize-o novamente para garantir uma nova operação de crédito (operação derivada, como denomina a MPV 992), cujo valor seja, por exemplo, empregado em atividade empresarial de um dos cônjuges/companheiros ou filhos.

Por sua vez, o artigo 9º-B, caput, prevê que o contrato de compartilhamento da alienação fiduciária de coisa imóvel deverá ser averbado no cartório de registro de imóveis competente. Essa opção do legislador deixa claro seu intuito de dar publicidade do ato a terceiros, demonstrando que a (mesma) garantia abrange mais de uma operação.

Ato seguinte, o mesmo artigo, em seus parágrafos, trata dos requisitos do contrato de compartilhamento. Dentre eles, a previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação da mora de quaisquer das operações de crédito, facultarão ao credor fiduciário considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida.

Para o exercício dessa faculdade, o credor deverá constar tal fato da intimação remetida ao devedor fiduciário, de que trata o § 1º do art. 26 da lei 9.514/97 (Lei de Alienação Fiduciária).

Ademais, nos casos de inadimplemento e ausência de purgação da mora, deverão ser aplicados os procedimentos previstos no mencionado artigo 26, para a consolidação da propriedade; bem como aplicar-se-á o disposto no artigo 27 da mesma lei, para a realização do público leilão de alienação do imóvel.

Por outro lado, o artigo 9º-C da MPV 992 permite ao credor liquidar antecipadamente apenas a operação de crédito, original ou derivada, que estiver vencida. Com isso, permanecerão vigentes as condições e os prazos convencionados para as demais operações de crédito vinculadas à mesma garantia.

Ocorre que, ao permitir a execução de apenas uma das operações, mantendo-se regulares as demais, estaria o credor abrindo mão da garantia com relação a obrigação vencida? O crédito se tornaria quirografário (não goza de preferência)? Nessa hipótese, conclui-se que o credor terá de buscar outros meios para satisfazer seu crédito, permanecendo a alienação fiduciária em garantia apenas das demais operações.

Em paralelo, quando houver a regular liquidação de quaisquer das operações de crédito garantidas, caberá ao credor expedir o termo de quitação para a respectiva operação e, ao cartório de registro de imóveis, a averbação do termo na matrícula do imóvel.

Por último, o artigo 9º-D traz inovação no âmbito da extinção da dívida pela alienação do imóvel em leilão, e reforça a importância da publicidade do compartilhamento da alienação fiduciária. Sobre este último ponto, em referência ao art. 54 da lei 13.097/15, o §5º do art. 9º-D prevê que os negócios jurídicos que tenham por fim constituir direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, na hipótese em que à estes não tenha sido dada a devida publicidade na matrícula do imóvel.

Essa previsão reforça o princípio da concentração dos atos na matrícula, cuja existência se conhecia em virtude da lei de registros públicos (lei 6.015/73), porém só recebeu previsão legal expressa pela lei 13.097/15.

Já com relação a extinção da dívida pela alienação do imóvel em leilão público, o §4º do artigo 9º-D cria uma exceção ao disposto no art. 27 da Lei de Alienação Fiduciária. Segundo os parágrafos 2º e 5º desse artigo, se no segundo leilão para a alienação do imóvel, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor da dívida, das despesas e demais encargos e tributos, considerar-se-á extinta a dívida.

Entretanto, a regra não se aplicará "às operações garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária, hipótese em que o credor fiduciário poderá exigir o saldo remanescente". Essa exceção, contudo, não valerá quando uma ou mais operações tenham natureza de financiamento imobiliário habitacional contratado por pessoa natural, preservando mais uma vez a entidade familiar e o princípio da dignidade humana.

Em que pese a boa intenção da MPV 992, é importante lembrar que, apesar de ter força de lei, as medidas provisórias devem ser apreciadas pelo Congresso Nacional e, se não forem convertidas em lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da sua publicação, perderão sua eficácia.

Portanto, será difícil, pra não dizer improvável, que as regras de compartilhamento da alienação fiduciária previstas na MPV 992 sejam aceitas e aplicadas por instituições financeiras, sem uma perspectiva de sua conversão em lei.

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t*Carlos Eugênio Novaes Marcondes é advogado sênior do escritório De Vivo Castro Cunha Ricca e Whitaker Advogados. Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Secovi e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito.

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