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O isolamento social e a necessidade de modernização dos padrões de qualidade dos serviços de internet

O isolamento social trouxe uma nova realidade à vida de todos. Diante de tantas mudanças, seriam os padrões de qualidade dos serviços de internet compatíveis com os novos anseios sociais?

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Atualizado às 08:04

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A pandemia de coronavírus, assim declarada pela Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 20201, trouxe ao Brasil a maior crise sanitária do século e, com isso, fez com que governantes adotassem inúmeras medidas de contenção da doença.

Por se tratar de um vírus novo, altamente infeccioso e para o qual o ser humano não possui imunidade, foi promulgada a lei 13.979/20, que "dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019"2. Uma das medidas previstas na referida lei é o isolamento social.

O isolamento social trouxe mudanças não somente no convívio social, mas também no funcionamento de empresas, de instituições de ensino e de instituições do Estado.

Cita-se, a título de exemplo, estudo realizado pelo instituto de estudos Gartnet e pelo Capterra, que constatou que o isolamento social imposto pelo novo coronavírus levou 77% das pequenas e médias empresas brasileiras para o home office3. Por sua vez, a Fundação Getúlio Vargas apontou que ao menos 30% das empresas brasileiras devem manter o home office em suas jornadas de trabalho após a pandemia de covid-194. Ainda, o Ministério da Educação autorizou até 31 de dezembro de 2020 as aulas a distância no ensino superior e listou novos critérios para o estágio e práticas laboratoriais enquanto durarem as medidas de restrição social devido à pandemia de coronavírus5.

Evidente, destarte, que o isolamento social trouxe mudanças comportamentais e uma nova realidade à vida de todos. O home office e a educação a distância são uma realidade cada vez mais comum, o que traz à tona o antigo debate sobre a velocidade de internet fornecida pelas operadoras do país.

Antes mesmo do crescente número de home office e de educação a distância no Brasil, a velocidade de internet sempre foi uma das principais reclamações contra provedores de internet na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Com a pandemia de covid-19, tais problemas aumentaram: um estudo do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR indicou que a quarentena teve impacto inicial negativo sobre a velocidade de acesso à internet no Brasil. Segundo o estudo, o número de reclamações registradas na Anatel cresceu 32% na segunda quinzena de março6.

É comum entre especialistas associar a má-prestação de serviços pelas operadoras ao fraco ambiente regulatório do serviço de internet no Brasil. De fato, parece que a regulamentação de tais serviços não é o suficiente para suprir as novas necessidades da população.

A Anatel regula os padrões mínimos de qualidade dos serviços de internet por meio da resolução 574, de 31 de outubro de 20117. Não obstante, é evidente que há tolerância exacerbada em relação a qualidade dos serviços de banda larga prestado pelas operadoras.

Segundo a resolução em comento, a velocidade da conexão não deve ser inferior a 40% da velocidade que foi ofertada ao cliente. Ou seja, quando a prestadora oferece um pacote com velocidade de 1 megabit por segundo, a velocidade nunca pode ser inferior a 400 kilobits por segundo. Considerando todas as conexões à Internet, a média mensal da velocidade não deve ser inferior a 80% da velocidade ofertada ao cliente. Ou seja, a média da velocidade ao longo do mês não pode ser inferior a 800 kilobits por segundo, seguindo o exemplo acima e nos termos dos artigos 16 a 18 da resolução em análise8.

Em outras palavras, a resolução 574 da Anatel prevê que o consumidor faz jus tão somente a velocidade não inferior a 40% do que paga. Mensalmente, mesmo que pague 100% do contratado, o consumidor somente faz jus a velocidade não inferior a 80% do que paga.

Não se mostram razoáveis tais disposições. A Anatel, ao fixar estes padrões mínimos de qualidade, relevou-se omissa para com os direitos dos consumidores, ainda mais diante da realidade brasileira. Isto porque, segundo dados da própria Anatel, a velocidade média da internet fixa em 45% das cidades do país é de 5 megabits9, insuficiente para ver filmes, por exemplo - mais insuficiente ainda para trabalhar por home office ou estudar por educação a distância.

Quando da edição da resolução 574 da Anatel, as disposições já eram omissas em regular devidamente os serviços prestados. Agora, com a nova realidade trazida pela pandemia de covid-19, as disposições constantes na referida Resolução soam não somente desatualizadas, mas até mesmo desrespeitosas com os consumidores. Isto porque, conforme demonstrado, a internet passou a ter cada vez mais um novo papel. Não serve mais somente para ver filmes, é o meio de trabalho de grande parte dos trabalhadores. Não serve mais somente para o uso de redes sociais, é a nova sala de aula de grande parte dos estudantes.

À vista disso, é imprescindível a edição de novos padrões mínimos de qualidade, pois, se a pandemia de covid-19 transformou a realidade brasileira, por que não transformar também os serviços prestados pelas operadoras de internet? A Anatel, agência reguladora tão valorosa à população, precisa observar os novos anseios sociais e modernizar os padrões mínimos de qualidade dos serviços de internet, que indubitavelmente pode ser considerada um serviço essencial.

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1 ORGANIZAÇÃO Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. 11 mar. 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

2 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. 6 fev. 2020. Disponível em: Clique aquiAcesso em: 28 jul. 2020.

3 77% das PMEs brasileiras adotaram home office durante a pandemia. Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, 14 maio 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

4 NO BRASIL, 30% de empresas devem manter home office depois da pandemia. Brasil Econômico, 11 jun. 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

5 MEC autoriza aulas por meios digitais até dezembro para ensino superior. Uol, 17 jun. 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

6 VELOCIDADE da internet cai e reclamações crescem 32%. Valor Investe, 13 abr. 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

7 ANATEL. Resolução nº 574, de 31 de outubro de 2011. Aprova o Regulamento de Gestão da Qualidade do Serviço de Comunicação Multimídia (RGQ-SCM). 31 out. 2011. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

8 ANATEL. In: Velocidade de conexão. 9 fev. 2015. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

9 'Home office' expõe fragilidade da infraestrutura de internet em alta velocidade. O Globo, 5 abr. 2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jul. 2020.

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*Igor Atanes Chainça é sócio do escritório Chainça Advocacia.

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