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A fenomenologia física e os tributos: a não incidência de ICMS-Combustível sobre a dilatação volumétrica

O fenômeno físico subsequente à saída da mercadoria, na interpretação e aplicação da hipótese de incidência tributária ao fato gerador do imposto, deve ser abstraído.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Atualizado às 07:57

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Imaginemos que determinada refinaria ou destilaria de petróleo produza gasolina e abasteça os veículos de transporte a uma temperatura ambiente de 18º. No destino, quando os caminhões entregam o combustível nos postos, a temperatura é de 30º.

Nesse caso, por uma questão física de dilatação térmica, o volume da mercadoria sofrerá variação positiva, em relação ao que existia quando saiu da refinaria. O combustível dilatou e, portanto, há uma quantidade maior no posto de gasolina em relação à que havia na refinaria.

Ambientes inversos teria um resultado diferente: caso a temperatura do posto de gasolina fosse inferior à da refinaria, o combustível chegaria em quantidade menor, pois o fenômeno físico incidiria na forma de retração térmica. Portanto, dilatação e retração térmica são efeitos observados a partir da variação da temperatura que, no caso do combustível, é da espécie volumétrica.

Coloquemos o efeito físico em quadrantes tributários: observada a dilação ou retração térmica há impactos na aplicação da norma tributária hipotética ao respectivo fato gerador?

A comercialização da mercadoria é o fato gerador do ICMS-Combustível, que caberá ao Estado onde ocorrer o consumo (CF, Art. 155, §4º, I) e com substituição tributária, que atribui à refinaria ou destilaria de petróleo a responsabilidade pelo pagamento do imposto.

Ocorrendo a variação volumétrica entre o que existia na refinaria e o que será despejado nos tanques dos postos de gasolina, haverá repercussão na incidência tributária?

Caso se entenda pela repercussão tributária do fenômeno físico, no caso da expansão da mercadoria, haveria que se exigir um valor adicional a título de ICMS, que incidiria sobre a diferença volumétrica correspondente à dilatação.

Do contrário, observando-se retração volumétrica, deveria haver um recolhimento a menor do ICMS e, portanto, uma restituição em relação ao que antecipado na saída da mercadoria da refinaria ou destilaria de petróleo.

O CTN dispõe que:

CTN

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

(...)

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

(...)

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

A questão se concentra na interpretação conjunta dos dispositivos acima, em especial da combinação dos artigos 116, I, e 118, II, do CTN.

A definição legal do fato gerador é interpretada, por determinação do CTN, independentemente dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos e desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produzam os efeitos que lhe são próprios.

A aplicação do art. 118 do CTN pode ser exemplificada no entendimento do Supremo Tribunal Federal ao não admitir a restituição de tributos (PIS/COFINS) incidentes sobre o faturamento das vendas inadimplidas (RE 586482, Relator (a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2011,  REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)?. Entendeu o STF que o fato posterior ao faturamento é um "efeito do fato efetivamente ocorrido". O fato gerador é o faturamento da venda, de modo que o inadimplemento posterior de referida venda não é capaz de interferir na relação de subsunção normativa entre a norma hipotética do PIS/COFINS e o seu respectivo fato gerador

A subsequente variação volumétrica, pela diferença de temperatura, é um fato que deve ser abstraído na "definição legal do fato gerador"?

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na sessão de 8 de setembro de 2020, entendeu que a dilatação térmica de combustível não autoriza que o Fisco cobre a diferença de ICMS sobre o acréscimo decorrente do fenômeno físico (REsp 1.884.431/PB).

Entendeu a Primeira Turma, à unanimidade, sob a Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, que o fenômeno físico de dilatação volumétrica do combustível não se amolda à descrição normativa hipotética que constitui o fato gerador do ICMS.

Interessante notar que, em julgamento ocorrido em 2010, a mesma Turma, também sob a Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, usou a mesma lógica para afastar a possibilidade de creditamento de ICMS em razão da evaporação de combustível.

"Não procede o reclamo de creditamento de ICMS em razão da evaporação do combustível, pois a sua volatilização constitui elemento intrínseco desse comércio, a ser, portanto, considerado pelos seus agentes para fins de composição do preço final do produto. Esse fenômeno natural e previsível difere, em muito, das situações em que a venda não ocorre em razão de circunstâncias inesperadas e alheias à vontade do substituído. Ademais, o STJ, analisando questão análoga, concernente à entrada de cana-de-açúcar na usina para produção de álcool, já se pronunciou no sentido de que a quebra decorrente  da evaporação é irrelevante para fins de tributação do ICMS" (REsp 1.122.126/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/6/2010, DJe 1/7/2010).

Assim como a dilatação térmica, a evaporação também é um fenômeno físico, considerado 'natural' e, portanto, de não repercussão tributária.

Coerentemente, portanto, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve os mesmos fundamentos jurídicos da evaporação de combustível para o caso da dilatação de combustível.

Desse modo, entendeu o órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça, que não há a incidência de ICMS-Combustível sobre a dilatação volumétrica. O fenômeno físico subsequente à saída da mercadoria, na interpretação e aplicação da hipótese de incidência tributária ao fato gerador do imposto, deve ser abstraído.

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*Renato Cesar Guedes Grilo é procurador da Fazenda Nacional. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Pós-graduado em Direito Constitucional e em Direito Tributário.

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