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A eficácia do Direito à ampla defesa no mundo virtual

Ao mesmo tempo que existem as facilidades, as audiências virtuais também trazem problemas antes inimagináveis.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Atualizado às 13:35

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Convivendo com esse contexto mundial de isolamento social, com diversos modelos implementados de combate ao covid-19, idas e vindas nas flexibilizações consequentemente tornaram a realidade nos tribunais brasileiros além do projetado com uma realidade virtual tirada às pressas para atender uma demanda esmagadora de processos que tendem a só aumentar com esse novo desafio social. As unidades judiciárias já estavam adotando sistemas de vídeo chamadas para realizar sessões de julgamento e sustentações orais, mas, agora, entra em pauta as audiências virtuais.

Bem, claro que gostaria de deixar claro que um dos aspectos que mais corroboram nesse novo ambiente virtual é a economia de tempo. Antes de toda essa questão da pandemia, necessitávamos nos deslocar até o local da audiência e com boa sorte ter seu início preciso. Audiências em outras cidades levavam, quando não um, dois dias de dedicação do advogado. Com as audiências virtuais, é possível aguardar o ato em uma sala no seu lar ou do próprio escritório.

Porém, ao mesmo tempo que existem as facilidades, as audiências virtuais também trazem problemas antes inimagináveis. Nesta seara uma das questões mais suscetível de ser abordada seja a prova testemunhal. As audiências virtuais, em síntese, abrem espaço manipulações durante a condução do depoimento das testemunhas.

Vamos deixar aqui claro, que em primeira instancia, é importante, principalmente para a produção de provas, seja na esfera criminal "que darei mais atenção neste texto" ou trabalhista por exemplo, o contato presencial dos juízes com as partes, testemunhas e advogados é indispensável para que os julgadores possam formular seu entendimento sobre quem fala a verdade e, assim, decidir as causas.

Abordarei neste texto algumas considerações sobre um prisma virtual tentando focar algumas problemáticas.

Vamos imaginar que você esteja na sala de audiências presencial, atuando na defesa de um cliente em processo criminal por exemplo, e a testemunha da parte contrária comece a dar seu depoimento com uma folha de papel em mãos. Você percebe, em poucos instantes, que ela está lendo um roteiro do que deve falar, fazendo tudo parecer mais uma peça de TEATRO e de que como deve ATUAR com cada uma das perguntas ali elencadas.

Esse tipo de atuação não seria aceito em uma audiência presencial, seja pelas partes e seus proponentes, enquanto profissionais da advocacia, seja pelo próprio magistrado, o qual não permitiria que a testemunha prestasse seu depoimento consultando um roteiro. Porém nas audiências virtuais esse cenário é possível diante das possibilidades a ela inerentes, pois, na prática, é difícil saber se a leitura ocorre.

Mesmo sendo a testemunha alertada pelo magistrado a não basear seu depoimento em algo ensaiado, não é simples evitar a prática.

O fato de ser difícil articular diante das câmeras, o mais provável, o olhar da testemunha nunca estará fixamente olhando para o juiz, mas de forma obliqua, como acontece em selfies e filmagens próprias, neste momento a testemunha poderá ler um roteiro todo ensaiado. Lembrando que a maioria das câmeras de computador não conseguem capturar tão nitidamente o movimento dos olhos. Dando a entender ao juiz que estará respondendo às perguntas formuladas quando na verdade estará lendo um roteiro.

Outra situação dos "mundos virtuais" são os problemas técnicos inerentes a eles o que corroboram para a manipulação das testemunhas. Oscilações na conexão podem "digitalizar" a fala, tornando a comunicação incompreensível para quem está do outro lado da tela. Sabendo dessas possibilidades, algumas testemunhas podem fingir problemas técnicos para ganhar tempo e formular a resposta perfeita.

Numa audiência presencial, eventual demora na resposta da testemunha seria percebida pelo magistrado como incerteza, mentira ou ausência de lembrança, a depender do caso. Mas, numa audiência virtual, o quadro muda de figura. O juiz poderá até desconfiar que o problema técnico foi propositadamente causado, mas, no fundo, não terá certeza.

Numa audiência presencial, as testemunhas entram separadamente na sala de audiência. Embora elas possam conversar umas com as outras na área externa do fórum, nenhuma consegue acompanhar o depoimento judicial da outra em tempo real. Nas audiências virtuais, há margem para que testemunhas acompanhem, escondidas, o que outras disseram.

Durante a audiência virtual há muitos autores distintos compartilhando o mesmo ambiente físico, a testemunha "B" poderá ouvir as perguntas feitas à testemunha "A" e, desse modo, se preparar melhor para a sua vez de depor. Além disso, a testemunha "B" também poderá acompanhar as respostas da testemunha "A", e saberá se deve manter a mesma linha ou modificar a sua versão dos fatos.

Voltando agora para um processo integro na sua essência, com a contumaz aplicação da justiça em uma seara de produção de provas imaculadas, principalmente quando se trata de audiências onde essas provas produzirão o alicerce da garantia da ampla defesa e ainda levantando questões estruturais.

Para a seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a única solução seria determinar que os depoimentos das testemunhas fossem feitos em ambiente judicial, o que geraria então deslocamentos delas e dos servidores, e consequentemente, riscos à saúde dos envolvidos.

Bem, já temos notícia do cancelamento de algumas audiências, principalmente na esfera trabalhista e criminal.

Agora a pergunta que não quer se calar, até quando a viabilidade técnica colocará em jogo o princípio da ampla defesa caso um dos envolvidos alegassem seu direito corrompido?

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t*Marcus Antonio Gianeze é graduado pela Faculdade de Direito de São Carlos. Especializado na advocacia Criminal. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Professor de Direito Penal, Constitucional e Administrativo.

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