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A principal perversidade na reforma da Previdência ficou nos cálculos

As aposentadorias, por idade ou por invalidez, serão calculadas em 60% da média piorada, com acréscimo de 2% para cada ano que exceder 20, com poucas exceções.

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Atualizado em 8 de outubro de 2020 09:31

E ainda poderia ter sido pior. A proposta de emenda constitucional apresentada pretendia simplesmente a privatização da Previdência Social brasileira, a destruição do Seguro Social construído pelos trabalhadores. Como não conseguiram, a maior crueldade da EC 103, promulgada em 13/11/2019, foi alojada nos cálculos.

O que restou dos benefícios previdenciários

Primeiro vale esclarecer o que restou dos benefícios do Seguro Social dos trabalhadores brasileiros. Além dos decorrentes de sinistros, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, daqueles que se programam ficou apenas a aposentadoria por idade, 62 anos para as mulheres e 65 para os homens, com pequena redução para os expostos às condições especiais de trabalho. O tempo mínimo de contribuição passou a ser 20 anos, mantendo 15 na regra de transição para os já filiados. A aposentadoria por tempo de contribuição, antiga por tempo de serviço, foi extinta, com três regras de transição para quem estava filiado na promulgação da emenda. Seja cumprindo idade mínima ou a somatória com o tempo de contribuição, a perversidade do cálculo é a mesma. Existe uma pequena exceção para os que cumprirão o "pedágio", acréscimo, de 50% por faltar até dois anos para completarem a exigência (35/30 anos, homem/mulher), mas o cálculo passado é apenas para quem havia completado as exigências antes da promulgação da emenda.

A perversidade dos cálculos

Assim, vamos aos cálculos. Até 1999, as aposentadorias eram calculadas pela média dos 36 últimos salários, corrigidos para manter o valor real. Com a EC 20/1998 e a lei 9.876/1999, a média passou a ser dos maiores salários que representassem 80% de todos desde julho de 1994 (implantação do Real). Os iludidos achávamos que pior não existiria. Pois a média aprovada na EC 103/2019 utilizará todos os salários desde julho/1994.

As aposentadorias, por idade ou por invalidez, serão calculadas em 60% da média piorada, com acréscimo de 2% para cada ano que exceder 20, com poucas exceções. Para as mulheres já filiadas na promulgação da emenda e para mineiros de subsolo, o acréscimo de 2% é para cada ano a mais do que 15; a invalidez por acidentes do trabalho e doenças laborais pagará 100% da média; e, por fim, para os que contavam com 33 anos de contribuições, se homem, ou 28, se mulher, pagando o "pedágio" de 50% do tempo que faltava, terão cálculo da aposentadoria com o total da média piorada, 100%, porém, multiplicada pelo fator previdenciário.

Excesso de crueldade nos casos de invalidez e morte

Maior malignidade se observa nos benefícios que decorrem de sinistros. O auxílio-doença, agora por incapacidade temporária, segue pagando 91% da média, mas a aposentadoria por invalidez acompanha a maldade prescrita no artigo 26 da EC 103/2019, 60% para homens com até 20 anos de contribuição e para mulheres (seguradas antes da EC) com até 15, somando 2% para cada ano a mais. Com tempo suficiente para a antiga aposentadoria por tempo de contribuição - 35/30 anos para homens/mulheres - receberiam em razão da invalidez, denominada pelos decretinos de incapacidade permanente, 90% da média, 1% a menos do que o auxílio-doença. É de pasmar: a incapacidade temporária, em quase todos os casos, pagará mais do que a incapacidade permanente!

Imaginem o caso do trabalhador aposentado por invalidez há mais de dez anos, convocado para o arrastão pericial; teve seu benefício cassado, ajuizou a devida ação, mas ganhou pela metade. A perícia do juízo entendeu que o sujeito está temporariamente incapacitado, teria condições de reabilitação profissional. O INSS é condenado a conceder auxílio-doença na data em que cessou a aposentadoria por invalidez, e proceder à reabilitação profissional. Depois de alguns meses aguardando algum milagre (porque reabilitação não existe mesmo), o INSS resolve, magnanimamente, converter auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente, reduzindo a renda mensal de 91% da média para 60%. Ora, a aposentadoria que indevidamente o INSS cassou pagava 100% da média um pouco melhor. É importante que os julgadores tenham conhecimento da possibilidade de tais atos de má-fé por parte do INSS, e determinem nas condenações que, não ocorrendo a reabilitação adequada, se restitua o benefício por invalidez que foi cassado, no percentual que determinava a lei d'então.

Em relação à pensão por morte, cresce a iniquidade. Retrocederam 30 anos, voltando a ser 50% da aposentadoria do falecido, mais 10% para cada dependente. Ora, aluguel, condomínio, luz e água não se dividem ao meio. E, se o falecido ainda não estava aposentado, a base é a aposentadoria que receberia se, ao invés de morrer, ficasse inválido.

João, 20 anos de trabalho e contribuição, faleceu, deixando viúva e um filho menor de 21 anos. Antes, o cálculo era bem mais fácil, a aposentadoria seria 100% da média e a pensão por morte 100% da aposentadoria. Agora, a aposentadoria deve ser 60% da média piorada, e a pensão, em 70% daquela, fica 42% da média. Como ganhava bem, João obteria a média de 4 mil reais; a invalidez permanente pagaria 2.400 e pensão por morte para dois dependentes 1.680. Com o filho completando 21 anos, a viúva terá a redução para 1.440 reais, e, quando se aposentar, por suas próprias contribuição, ainda terá o fatiamento do benefício que for menor. Definitivamente, não são privilégios que foram atacados.

Por fim, apenas para alegrar um pouco aos colegas, nas aposentadorias por incapacidade permanente decorrentes de acidentes do trabalho e doenças laborais, apesar de ter como base a mesma malfadada média, se pagará 100%, qualquer que seja o tempo de contribuição do infortunado. Significa que a prova do nexo causal e as ações acidentárias voltam a ter importância.

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 *Sergio Pardal Freudenthal é advogado e mestre em Direito Previdenciário e colaborador do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo (SASP).

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