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Presidente eleito?

José Edgard Cunha Bueno Filho

O que decide a eleição americana não é o voto popular, muito menos os votos do Colégio Eleitoral. Isso mesmo que você leu!!! O número mágico de 270 votos do Colégio Eleitoral que a imprensa canta aos sete ventos não serve para nada.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Atualizado às 09:05

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Para aqueles que acham que a eleição americana está decidida, aqui vão algumas migalhas a mais para serem digeridas nesse prato cheio de contorcionismos legais que é o processo eleitoral americano.

O que decide a eleição americana não é o voto popular, muito menos os votos do Colégio Eleitoral. Isso mesmo que você leu!!! O número mágico de 270 votos do Colégio Eleitoral que a imprensa canta aos sete ventos não serve para nada. O voto é uma parte do processo. Ele em si não decide nada.

Os 45 presidentes eleitos até hoje foram eleitos por um simples costume adotado nos mais de 240 anos de história dos EUA. E qual é esse costume? O "concession speech". Sim senhora(e)s, um ato de voluntário do "perdedor" é que define a eleição americana. Nesse discurso, o candidato que reconhece que sua perda no processo eleitoral é iminente concede ao outro candidato o reconhecimento de que ele ganhará a marcha eleitoral. Na maioria das vezes, isso é feito nos dias seguintes ao pleito que ocorre na primeira terça feira do mês de novembro, conforme determina a Constituição americana. O ato de endereçar à nação o reconhecimento da perda - que, como dito, é um costume - produz dois impactos práticos significativos no processo como um todo: (I) desmobiliza a parte do eleitorado que apoia o perdedor (nunca é demais lembrar que a posse e porte de armas nos EUA é permitido pela Constituição o que em tese garantiria uma verdadeira milícia ao eventual mal perdedor); e (II) congrega toda nação para legitimar a aceitação de um novo líder para o país. Com esse costume simples e corriqueiro, os EUA chegaram até 2020 sem nenhum rompimento institucional em sua história. Nem mesmo o pleito de 2000, que vivenciou uma batalha jurídica pós-eleição, prescindiu do "concession speech". Afinal Al Gore ao perceber que seus advogados não mais obteriam êxito na Flórida, ligou a Bush filho parabenizando-o e, ato contínuo, reconheceu publicamente sua derrota em um discurso na data de 13 de dezembro de 2000, que fez remissão ao ato de Stephen Douglas em 1860, quando ele perde a eleição para Abraham Lincoln e diz "Partisan feeling must yield to patriotism" ("sentimentos partidários devem ceder ao patriotismo").

Mas e o Colégio Eleitoral? Sim ele existe, mas ao longo dos anos se comportou como mera formalidade no curso de todo processo, já que o "concession speech" sempre ocorria antes de sua reunião. Tal reunião, por força do Electoral Count Act, que é datado de 1887, deve ocorrer necessariamente em prazo não superior a 41 dias da data da eleição popular.

Fizemos esse preâmbulo para contextualizar o momento que vivemos exatamente agora no processo eleitoral americano. Houve o pleito. O pleito indica um vencedor. O perdedor se recusa a conceder a vitória ao outro candidato. E qual será então o próximo passo? O Colégio Eleitoral terá que se reunir e proceder à votação até o dia 14 de dezembro de 2020. As cores dos delegados (azul ou vermelha) que comporão o Colégio Eleitoral ainda passam por uma indefinição nos Estados, haja vista as alegações de fraudes eleitorais em alguns deles. Tal fato, no entanto, não é objeto de discussão neste texto. O que se pretende aqui é mostrar as próximas fases do processo que se avizinha. E o que se concluirá a seguir é muito mais instigante (ou será intrigante?).

Mesmo o vencedor do pleito ganhando o número mágico de 270 delegados, a decisão do Colégio Eleitoral (que ocorre sempre na primeira segunda-feira após a segunda quarta-feira do mês de dezembro) terá que ser submetida à homologação/aprovação do Congresso Nacional no dia 6 de janeiro de 2021 ("Congress certification"). Isso sempre ocorreu, só que desta vez ocorrerá com uma pequena diferença: pelo que os fatos vêm demonstrando é bastante provável que o processo de homologação do Congresso Nacional ocorra sem um "concession speech" por parte do atual presidente. E aqui é onde reside o gran finale...

Sabe quem preside essa sessão do Congresso Americano que deliberará pela homologação ou não do resultado do Colégio Eleitoral? Ninguém mais, ninguém menos que o atual vice-presidente Mike Pence, republicano e fiel seguidor de Trump. Embora a deliberação ocorra em sessão conjunta de votação dos membros do Senado e da Câmara dos Deputados do Congresso americano, sabemos muito bem como a presidência de uma sessão conturbada como essa pode fazer toda a diferença no processo.

E se o Congresso decidir não homologar e/ou levantar quaisquer objeções quanto à decisão do Colégio Eleitoral? Segundo a 12ª Emenda à Constituição americana, o Congresso delegará aos Estados a decisão final de quem será o presidente dos EUA ("contingent election"). Só que tem um pequeno detalhe: os Estados votam não pela quantidade de delegados que eles possuem no Colégio Eleitoral, mas sim cada Estado um voto. E se somarmos a quantidade de Estados Republicanos ("red states"), talvez a recente declaração do ex-chefe da CIA e atual Secretário de Estado Mike Pompeo comece a fazer sentido - "There will be a smooth transition to a second Trump administration" ("vamos ter uma transição suave para um segundo mandato de Trump").

Finalmente, para quem acha que acabou, há ainda um último fato a considerar. Segundo determina a 20ª Emenda à Constituição americana, todo esse processo precisa terminar até dia 20 de janeiro, data fixada pela referida emenda como dia da posse do novo presidente ("Inauguration Day"). E se não acabar até lá? Aí teremos a segunda temporada dessa série digna de Netflix....

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 *José Edgard Cunha Bueno Filho é advogado. Empreendedor. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP. LL.M pela New York University.

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