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A evolução do poder familiar

O poder familiar vem sofrendo mudanças ao longo dos tempos. Nos dias de hoje em que não existe mais apenas um tipo de família é fundamental que o profissional conheça tal evolução.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Atualizado às 11:30

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A palavra filiação origina-se do latim filiatio1 e tem dois significados; - o divino e o de relações interpessoais. No primeiro, acredita-se que tudo vem de Deus. No segundo, aparece o contexto de família nos moldes matrimoniais, conjugais e fraternos.

De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira2, as famílias passaram por três fases histórias evolutivas sendo elas: o estado selvagem, a barbárie e a civilização.

Nas fases selvagem e barbárie, o homem dentro do contexto geral encontra-se em um momento de descobertas. Incluindo: o arco, a flecha, o fogo, a cerâmica, a agricultura e as relações interpessoais. Durante este período, não havia quaisquer tipos de hierarquia ou domínio nas relações entre homens e mulheres.

Nesta época, viviam em grupos e as regras estabelecidas para a convivência eram básicas; o homem cuidava da caça, dos animais, da agricultura, do fogo e insere-se o trabalho humano. E a mulher era responsável pelos filhos e pelo lar.

A inter-relação entre homens e mulheres não dispunha de um conceito de 'certo e errado', como também não era cabível o contexto familiar dos dias atuais. Em analogia, as relações sexuais da época comparadas com as existentes atualmente, seriam vistas como promíscuas, vez que não existia 'exclusividade' entre os casais. Tanto o homem como a mulher tinham liberdade para se relacionar sexualmente com quem quisessem.

O único problema estabelecido nestes casos era que, para o homem, não havia possibilidade de provar sua paternidade. O que não ocorria com as mulheres, pois, a prova de sua maternidade era diretamente ligada à gestação como também, em saber quem era o progenitor da criança gerada.

Na fase civilizatória, introduz-se a diferença entre homens e mulheres, a indústria e arte principalmente nos ensinamentos do Direito Romano.

A figura do Pater3 famílias surge neste período e, evidencia-se o poder masculino perante a mulher e os filhos que tornam-se também, propriedade.

Neste contexto, Friedrich Engels4 divide a evolução familiar em quatro períodos: família consanguínea, família punaluana, família pré-monogâmica e a família monogâmica.

As famílias consanguíneas surgiram nas fases selvagem e barbárie, onde havia relações sexuais entre os entes do mesmo núcleo familiar, ou seja, pais com filhos, irmãos com irmãs, avós com netos e assim suscetivamente. 

As famílias punaluanas, surgiram com a rejeição do que ocorria nas famílias consanguíneas. Foi o marco na proibição de relações sexuais e dos casamentos com pessoas da mesma linhagem até o terceiro grau; caso dos primos.

Com base nas proibições, tem início a família pré-monogâmica. Seu objetivo era manter o homem em seu papel de provedor do lar, inseri-lo como responsável pelos bens de família e proprietário da mulher. Como também, a ele era permitido que tivesse relações extraconjugais.

No entanto, a severidade a que a mulher foi submetida com a mudança do contexto familiar incluía a proibição de relacionar-se com qualquer outro homem que não fosse seu parceiro como também, a traição caso ocorresse, era vista como um ato unilateral.

A partir deste modelo de relação, a mulher era obrigada a obedecer seu parceiro para não ser punida cruelmente. O papel que desempenhara como matriarca enquanto viviam em grupos desfaz-se. Mantendo-se apenas o direito a prole devido à gestação. 

Com a introdução da família pré-monogâmica, notou-se, uma organização no escopo familiar e nos grupos que aos poucos tornaram-se aldeias e estas, mantinham cada núcleo familiar em suas próprias casas.

Esta nova disposição, faz com que, o início das famílias monogâmicas fosse praticamente espontâneo. Assim, surgem algumas modificações: o homem torna a paternidade indiscutível, faz de seus filhos 'homens' legítimos herdeiros, adquire o poder de pedir o divórcio ou repudiar a esposa, dentre outros.

De acordo com Fustel de Coulanges5 o casamento era contratado apenas para perpetuar a família. Em caso de esterilidade feminina a anulação do matrimônio era permitida.

Com a evolução do mundo, aos poucos as famílias foram se individualizando. E o que mais unia as famílias era a religião.  Coulanges,6 discorre; se formos avaliar nossos antepassados veremos que em cada lar as famílias se reuniam em torno de um altar todas as manhãs e noites para orar e oferecer preces em agradecimento às bênçãos recebidas.

As relações familiares traçadas no CC/16 eram focadas no Pater famílias este, era o único com autoridade para exercer a cidadania e praticar atos jurídicos. Com isso, mantinha superioridade em relação aos outros membros da família. Com essa postura, praticava facilmente o "Pátrio Poder" 7 podendo inclusive exercer o direito de propriedade relacionado à esposa e filhos.

Quanto à pessoa natural o referido código ameniza a rigidez imposta no Livro de Família. O artigo 2º expressa da seguinte forma: "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil". A maneira como o referido código dispunha sobre a pessoa natural era na expressão "todo homem". Esta era uma forma posta em sentido amplo e genérico e incluía todas as pessoas sem distinção de sexo, raça, cor e nacionalidade. A representação da ordem jurídica era oferecida a todos igualmente.

Na Constituição de 19678 não constam, os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e Paternidade Responsável assim como, o afeto e a afetividade não vigorava no ordenamento jurídico.

Já a Constituição de 1988 consagra a Dignidade da Pessoa Humana como também, exclui o pátrio poder e adota o fim da hierarquia familiar deixando assim, a família de forma igualitária e linear. No entanto, o que percebemos ante a doutrina é que a família patriarcal, com o advento da Constituição cidadã, entrou em colapso, caindo por terra o modelo trazido desde a época da colônia e império, tendo em vista os valores introduzidos na Constituição de 88.9

Não obstante, o Código Civil de 2002 em seu Livro IV que versa sobre o Direito de Família10, substitui o termo "pátrio poder" por poder familiar sendo que, este, em conformidade com Paulo Lôbo define: "exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, no interesse destes".11.

Maria Helena Diniz o elucida como: "o conjunto de direitos e obrigações quanto a pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, atribuídos aos pais para que possam desemprenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, visando o interesse do menor". 12.

O referido Código também regulamenta que são deveres dos genitores: o sustento, guarda e educação dos filhos e o planejamento familiar é de livre decisão do casal. 

Em caso de divórcio os direitos e deveres dos genitores não se alteram em relação à prole. Com isso, a essência do Direito de Família, deixa de ser o patrimônio e se transforma no bem estar da família linearmente. Enfatizando assim, o Princípio da Afetividade.

O artigo 1634 do CC/02 nos apresenta as responsabilidades dos pais sendo que, estes, passam a dividir as demandas relacionadas à criação dos filhos. O Inciso I discorre: "dirigir-lhes a criação e a educação".13.

Passamos a verificar a figura da Dignidade da Pessoa Humana, em que o direito passa a acompanhar a evolução da humanidade, em busca do bem-estar do ser humano juntamente com a Igualdade e Solidariedade, com foco na afetividade, felicidade, segurança, o melhor interesse da criança e a paternidade responsável.

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1- Filiatio - 1.  Surgiu no latim e tem a tradução literal, filiação. 2. A filiação pela adoção divina nasce nos homens sobre a base do ministério da Encarnação e; portanto, graças a Cristo, que é o filho eterno. 3. No matrimônio e na família constitui-se um complexo de relações interpessoais - vida conjugal, paternidade-maternidade, filiação, fraternidade - mediante as quais cada pessoa humana é introduzida na família humana e na família de Deus que é a Igreja. Glosbe Dicionário online de latim. Disponível aqui. Acesso em: 12 set. 2020.

2- PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Famíliauma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 12.

3- Pater familias era o mais elevado estatuto familiar (status familiae) na Roma Antiga, sempre uma posição masculina. O termo Latim significa, literalmente, "pai da família". O termo pater se refere a um território ou jurisdição governado por um patriarca. O uso do termo no sentido de orientação masculina da organização social aparece pela primeira vez entre os hebreus no século IV para qualificar o líder de uma sociedade judaica; o termo seria originário do grego helenístico para denominar um líder de comunidade.

4- ENGELS, Friedrich. A origem da família da propriedade privada e do Estado: Texto Integral. Traduzido por Ciro Mioranza. 2. ed. rev. São Paulo: Escala, [S.d]. p. 31-7. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, v.2).

5- COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. Traduzido por Fernando de Aguiar. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 47.

6- Idem, p. 35.

7- PÁTRIO PODER. Conceito: Direito brasileiro, traduz-se num conjunto de responsabilidade e direitos que envolvem a relação entre pais e filhos. Essencialmente são deveres de assistência, auxílio e respeito mútuo, e mantém-se até aos filhos atingirem a maioridade, que pode ser adquirida de várias maneiras e muda conforme a legislação de cada país. Disponível aqui. Acesso em: 06 out. 2020.

8- Constituição Federal de 1967. Disponível aqui.  Acesso em: 06 out. 2020.

9- LOBÔ. Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011 p.17.

10- Código Civil de 2002. Lei 10.406/2002. Disponível aqui. Acesso em: 06 out. 2020.

11- LOBÔ. Paulo. Direito Civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011 p.295.

12- DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1056.

13- Código Civil de 2002. Lei 10.406/2002. Disponível aqui. Acesso em: 06 out. 2020.

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*Sarah Priscilla Guimarães é sócia nominal do Escritório Casimiro, Guimarães, Barbosa e Bispo - Sociedade de Advogados. Civilista pós-graduanda em Direito das Famílias e Sucessões.

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