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O agronegócio no pós-covid-19: planejamento tributário e estratégico como sobrevivência

Ante as incertezas do pós-pandemia é imprescindível que os produtores rurais estejam cientes de questões basilares que causarão impacto nos lucros e, especialmente, na gestão tributária da atividade.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Atualizado às 11:34

Imagem: Arte Migalhas.

É consabido que um dos poucos segmentos que se mantiveram de pé, e ainda apresentando crescimento considerável, durante a pandemia do Covid-19, foi o Agronegócio. Diante dessa realidade, informações e instrumentos de gestão tecnológica, tributária e estratégica mercadológica, tornam-se fundamentais e o objetivo de compreender melhor esses aspectos, apresentando alguns dados concretos, perspectivas e conceitos necessita de maior atenção por parte do produtor.

Vale destacar que o conceito de Agronegócio, levando-se em consideração o conjunto de atividades agropecuárias, articulado com o contexto industrial, é formado por três classificações, quais sejam: "antes da porteira", "dentro da porteira" e "depois da porteira". (LOUBET, 2017, p. 41)

Assim, "antes da porteira"  encontra-se o desenvolvimento de atividades que precedem a produção, subdividindo-se em trabalhos com: i) insumos para agropecuária, por exemplo, corretivos de solo, fertilizantes, agroquímicos, compostos orgânicos, rações, etc.; ii) inter-relações de produtores de insumos com agropecuaristas, isto é, comercialização de máquinas e suprimentos agrícolas, etc.; e iii) os serviços agropecuários, dentre eles: pesquisas, assistência técnica, análises laboratoriais, planejamento agrônomo, etc..

As atividades realizadas "dentro da porteira", consistem na produção agropecuária propriamente dita, ou seja, realização dos trabalhos pelos produtores rurais, sendo as mais conhecidas e que mais contribuem para o Estado de Goiás, a Agricultura e a Pecuária. (QUEIROZ, 2005, p. 26-27)

E, por último, a denominação "dentro da porteira", tem por objeto a etapa de processamento e distribuição de produtos agropecuários, até alcançar o consumidor final, onde se encontram diferentes agentes econômicos, por exemplo, o comércio, a indústria, as autoridades governamentais, e diversas outras.

Em consonância com o exposto, pode-se observar que o conceito de Agronegócio é bem amplo, pois pode se referir tanto às diversas atividades na produção rural, como também para descrever as relações econômicas de toda a cadeia produtiva acima exposta.

Atualmente, levando-se em consideração o desenvolvimento tecnológico e a sua consequente utilização na produção rural, para que o Produtor Rural (tanto Pessoa Física, quanto Pessoa Jurídica) possa se sobressair aos diversos desafios do mercado e continuar aumentando a produtividade e expandindo seus negócios de forma efetiva, é indispensável o planejamento tributário, empresarial e estratégico.

Visando essa perspectiva expansiva de mercado e de organização efetiva e estratégica, é que o produtor rural precisa se posicionar dentro do melhor perfil, considerando a realidade que vivencia na sua produção. Vale destacar que existem, basicamente, três formas por meio das quais os produtores rurais podem desenvolver suas atividades, quais sejam: i) Produtor Rural que exerce sua atividade diretamente como pessoa física ou jurídica, na condição de proprietário ou arrendatário; ii) Agroindústrias e Empresas do Agro (Agro Business) e iii) Cooperativas do Agronegócio.

Quanto ao Produtor Rural Pessoa Física (i.a), é aquele que desenvolve sua atividade econômica, faz o seu planejamento tributário e sua contabilidade, e tem suas terras tudo na pessoa física. Geralmente, contabiliza as receitas e despesas no núcleo familiar. E em razão de envolver toda a família na produção rural, o recomendado é que a receita da produção seja dividida entre os membros da família, assim, poderá reduzir a carga tributária que incide sobre sua atividade e renda, diminuindo, por consequência os gastos.

Por outro lado, há também o Produtor Rural que tem suas terras em Pessoa Jurídica, mas exerce sua atividade como Pessoa Física (i.b), é o que busca se organizar melhor para enfrentar o mercado. Este, por recomendação jurídica, comumente desenvolve sua atividade econômica como Pessoa Física, não havendo obrigatoriedade de operar na Pessoa Jurídica, e, por esta razão, poderá usufruir de melhores estratégias, como exemplo, planejamento tributário e sucessório visando a proteção patrimonial.

Há, ainda, dentro do perfil de Produtor Rural, o Produtor Rural cem por cento Pessoa Jurídica (i.c), ou seja, aquele que já exerce toda sua atividade, e tem toda sua contabilidade, na Pessoa Jurídica, operando totalmente num formato mindsete (mentalidade) empresarial. Conhecido como perfil ideal, nele estão os grandes grupos econômicos, que já têm suas áreas rurais, bem como, as áreas arrendadas e sua contabilidade numa Pessoa Jurídica.

Neste último meio de se desenvolver a atividade, em razão de terem suas receitas contabilizadas na Pessoa Jurídica, há diversos benefícios, dentre os quais: fazer a recuperação de crédito tributário (PIS, COFINS);  reduzir os custos tributários; podendo, em alguns casos, até conseguir reduzir para quase zero a tributação; pode passar a receber recursos da União; facilitar as questões que envolvem ICMS como compensação e outros benefícios fiscais, pois são abarcados por outras legislações.

Quanto às Agroindústrias e Empresas do Agro (Agro Business), concentram todas as empresas do Agro "depois da porteira", onde representam mais de 70% do faturamento do Agro brasileiro. Neste formato tem-se diversas oportunidades, como: organização societária; planejamento sucessório; recuperação de créditos tributários, etc..

Vale mencionar que muitas vezes a pessoa é produtora rural Pessoa Física, mas tem uma Empresa do Agro que produz, por exemplo, cereais. Além disso, tem uma transportadora de caminhões para transportar grãos na Pessoa Jurídica.

Há, também, as Cooperativas do Agronegócio, que se destacam por oferecerem uma grande oportunidade para médios e pequenos produtores rurais. Nelas também existem todas as vantagens da Agroindústria mencionadas anteriormente e, além disso, recebem tratamento específico que proporciona diversos benefícios aos cooperados, dentre eles: atos cooperados isentos de tributação; tendência de crescimento; usufruem de diversos benefícios tributários; etc.. Não obstante, as cooperativas possuem as desvantagens de não entrarem em Recuperação Judicial e, também, todos os atos NÃO cooperados são passíveis de tributação.

No atual cenário, a caminho do pós-pandemia, é de suma importância que os produtores rurais entendam estas questões basilares para poderem se organizarem em termos de gestão tributário, tecnologia e gestão estratégica, pois somente assim poderão alcançar maiores lucros e aumentar a qualidade dos produtos levados ao mercado.

Recentemente o Ministério da Agricultura publicou matéria afirmando que o avanço tecnológico no agro tem crescido exponencialmente, pois em 1995-1996, a tecnologia respondia por 50,6% do total da produção do agro, ao lado de 31,3% do uso da mão de obra e 18,1%, da terra. Em 2006, esse percentual passou para 56,8% e, em 2017, saltou para 60,6% (IBGE, 2006; 2017). Constata-se, por meio destes dados, que há uma nova geração de Produtores Rurais ou que os Produtores estão mudando de fato sua cultura na gestão dos negócios.

Além disso, vale mencionar que, conforme dados do Censo Agropecuário levantados 2006 demonstrou um forte crescimento da economia brasileira de 1995 a 2008, a 3,1% ao ano (a.a.). No mesmo período a agropecuária também cresceu significativamente: 4,18%. No ano de 2006 estimou-se que a economia cresceu 4%, enquanto a agropecuária cresceu 4,6%. (Barros et al., 2020)

Todavia, em 2009 a economia passou por forte instabilidade, mas recuperando-se até o ano de 2013. Verifica-se, apesar disso, que tanto a economia global, quanto a agropecuária em específico, cresceram entre os dois censos de 2006 a 2017 uma média de 2% e 3,3% a.a.. (Barros et al., 2020)

Vale destacar, ainda, que o crescimento referente ao ano de 2017 de deu apesar do biênio fortemente recessivo na economia brasileira, qual seja, -3,5% e -3,3% em 2015 e 2016. Note que o mesmo Censo aponta que a Agropecuária também enfrentou dois anos recessivos, sendo eles: 2012 (-3,1%) e 2016 (-5,2%). No entanto, no ano de 2017 foi um ano de excepcional recuperação da Agropecuária, com um fantástico crescimento de 14,2% do PIB setorial, isto se deu mesmo com a queda da a agropecuária em 2016, de 5,2%. (Conab, 2017)

Conforme o Censo da Conab (2019), a produção brasileira de grãos cresceu 94% entre as safras 2005/2006 e 2016/2017 (medida pelo peso em toneladas dos produtos) - resultando na expansão de 27% em área e 52,5% em produtividade.

Da mesma forma, houve forte crescimento na pecuária, pois os rebanhos bovino, suíno e de galináceos cresceram 4,4%, 16,8% e 40,9% entre 2006 e 2017. (IBGE, 2017)

Verificaram, assim, que na Agricultura o volume produzido de grãos (algodão, arroz, milho, soja e trigo) cresceu 186% entre os anos de 2001 e 2019, e 111% entre os censos de 2006 e 2017. Com relação ao volume de produtos hortifrutícolas (batata, tomate, banana, laranja e uva), houve um aumento 17% e 3% respectivamente, nesses dois períodos. (Barros et al., 2020)

Quanto aos produtos da pecuária (boi gordo, suínos, frangos, leite e ovos) houve um crescimento de 108% entre o período completo de 2001 e 2019, e de 33% entre 2006 e 2017. Observe ainda que o agregado da produção agropecuária (para o conjunto dos produtos considerados) cresceu 132% de 2001 a 2019 e, entre censos, aumentou 63%. (Barros et al., 2020)

Ressalta-se ainda que entre 05/12/2019 e 04/12/2020, no Estado de Goiás, o preço da arroba sofreu uma variação positiva, saindo de R$182,00 (cento e oitenta e dois reais) para R$287,00 (duzentos e oitenta e sete reais), ou seja, sofreu um acréscimo de 28,30%. Frisa-se, que só no ano de 2020 houve uma valorização de 37,7%, e nos últimos cinco anos de 46,9%, no preço médio, à vista, da arroba (Rural Business, 2020).

 Da mesma forma, o setor de grãos também bateu grandes recordes. A soja, por sua vez, atingiu resultados surpreendentes em 2020. Analistas apontam que houve uma valorização histórica de 88,3%, sendo que nos últimos cinco anos valorizou 106,9%. Já o milho cresceu 76,8% no ano corrente e 108,6% nos últimos cinco anos (Rural Business, 2020).

Constata-se, assim, que em razão de os Produtores Rurais estarem organizando sua atividade econômica do ponto de vista tecnológico, gestão tributária, gestão de pessoal e estratégica, bem como a ocorrência de maior demanda no período da pandemia, resultaram em forte crescimento nos períodos acima demonstrados. Todavia, ainda não se sabe quais serão de fato as consequências para o setor Agropecuário frente aos efeitos da pandemia, ou seja, no pós-pandemia. Diante de um período de crescimento exponencial, como visto, poderia ocorrer o inverso ou ao menos uma queda? Como se preparar para tanto? São inúmeros questionamentos que demandam uma série de análises que perpassam desde a situação mercadológica, a situações jurídicas e econômicas que carecem de maior cuidado e especificidade, caso a caso, produtor a produtor.

Por esta razão, é necessário que os produtores se preparem para este cenário. Para os pequenos e médios Produtores Rurais há diversas opções, como exemplo, o sistema de Cooperativas ou, a depender do caso, organizar suas atividades em uma Holding Rural. Assim, terão acesso a melhores planejamentos que resultarão em economia tributária; acesso a mais tecnologia e créditos bancários com melhores condições.

Contudo, pode-se concluir que com a globalização da economia, resultante do desenvolvimento tecnológico que propiciou acesso à informações e a mercados mais distantes, bem como com a nova geração de Produtores Rurais assumindo o controle de toda produção, que antes ocorria somente no âmbito da família e agora estão se profissionalizando, em breve não haverá mais espaço para Produção sem gestão, apoio jurídico e tecnologia, pois tais aspectos são, atualmente, questão de sobrevivência no mercado.

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LOUBET, Leonardo Furtado. Tributação federal no agronegócio. 1ª ed.- São Paulo: Noeses, 2017.

QUEIROZ, João Eduardo Lopes. "Direito do agronegócio: é possível a sua existência autônoma?". In: "Direito do agronegócio". Coord. Márcia Walquíria Batista dos Santos e João Eduardo Lopes Queiroz. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro; GASQUES, José Garcia (org.). Uma jornada pelos contrastes do Brasil: cem anos do Censo Agropecuário. Brasília: IPEA, IBGE, 2020.


Paulo Henrique Araújo Lemes Machado

Paulo Henrique Araújo Lemes Machado

Advogado. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Graduado pela PUC/Go. Sócio fundador do escritório Moreira & Machado Advogados;

Narcilene Moreira Machado Lemes

Narcilene Moreira Machado Lemes

Advogada. Mestre em Direito Agrário pela UFG. Especialista em Direito Penal. Professora em Direito da UFG. Sócia fundadora do Escritório Moreira & Machado Advogados.

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