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Nova Lei de Licitações

A revisão do texto da Lei de Licitações é aguardada há décadas, em atendimento às correções das lacunas da redação anterior, as falhas, junto às novas demandas e adequação às exigências de cumprimento das obras e contratos em andamento.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Atualizado às 11:42

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O PL 4.253/20 propõe um novo texto para a Lei das Licitações (8.666/93) e está em fase de sanção presidencial. Trata-se de um mecanismo que há muito carecia de atualização e, conforme já aprovado pelo Congresso Nacional no dia 10 de dezembro de 2020, o texto incorpora aos já observados princípios da competitividade, proporcionalidade, moralidade, segurança jurídica, probidade administrativa, igualdade, legalidade, impessoalidade, eficiência, eficácia, motivação, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, razoabilidade, celeridade, economicidade e sustentabilidade, os princípios do planejamento, segregação de funções, interesse público, transparência e do desenvolvimento nacional sustentável, demonstrando sobre este último tema, a atenção do legislador em atender à específica demanda elencada, dentre outras, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável1 constante da agenda 2030 em consonância com as diretrizes Nações Unidas.

Além de incorporar novos princípios ao texto, o projeto da Nova Lei de Licitações demonstra preocupação em coibir, descobrir e identificar omissões de informações necessárias em processos licitatórios, punindo os fraudadores com pena de até oito anos de reclusão, em casos de modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo.

A nova redação trouxe alterações expressas no Código Penal na expectativa de melhorar o custo-benefício, além da eficiência e da qualidade no cumprimento das normas licitatórias. Dentre os pontos nos quais a nova legislação representou, no mérito, um avanço em relação à normatização anterior, é possível destacar o seguro-garantia e a inserção da arbitragem como ferramenta de solução de conflitos e um possível aliviando o Judiciário, a fim de possibilitar acordos mais céleres em outras esferas.

No que se refere às garantias, a legislação obriga a contratação de seguros2 para assegurar o cumprimento das obras. E, neste ponto, ao inovar, a lei garante a execução do que foi licitado, garantindo a conclusão das grandes obras no país e impedindo o passivo de empreendimentos inacabados e obras abandonadas ao longo de suas execuções. O custo do seguro é integrado ao preço ofertado e à Administração Pública caberá prever a obrigação da seguradora em assumir a execução e concluir o objeto do contrato.

A alocação de riscos vai avaliar, em compatibilidade com as obrigações e encargos considerados às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada setor para melhor administrá-lo. Serão preferencialmente transferidos ao contratado os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras.

Neste caso, o seguro-garantia aperfeiçoa os mecanismos de proteção, dando maior segurança aos financiadores dos projetos. As grandes obras contratarão seguro equivalente a até 30% do valor da obra, ao passo que aquelas com orçamentos menores serão seguradas entre 5% e 10%, e caso o contratado não conclua a obra, a seguradora, havendo inadimplemento, deve assumir a execução e concluir o objeto do contrato, ou, pagar o seguro.

Uma vez que o Brasil não tem histórico de mercado de seguros, atribuir um valor de seguro para assumir todos esses riscos contribui para a redução de obras inacabadas. Outro ponto de inflexão a ser considerado para estimular o crescimento desse mercado é o incentivo fiscal específico para o ramo, a fim de garantir que se permaneça a oferta para a demanda que surgirá.

É possível reconhecer avanços pontuais no texto proposto, entretanto, a legislação conseguiu ser mais extensa e inflada que a anterior, reproduzindo excessos numa tentativa de tutelar o interesse público, com um texto preso em formalidades e controles.

Apesar do formalismo adotado pelo novo diploma, as soluções de boa vontade evidenciam um gargalo na redação, pois presumem probidade humana ao invés de usar a lei como ferramenta de coibição de acesso à informação privilegiada. Por exemplo, nas propostas inferiores a 75% do valor orçado, consideradas inexequíveis, proponentes que tem à sua disposição apenas a análise de mercado disputarão com fraudadores que comercializam dados referentes aos processos licitatórios.

Outro ponto polêmico está na redação do artigo 1723. O texto enviado para a Presidência necessita de correções de inconstitucionalidade: seja pela orientação de justificarem-se as decisões que não acompanhem as orientações do Tribunal de Contas da União; seja pela afronta ao artigo 74 da Constituição, ao mitigar a autonomia da atuação dos órgãos de controle interno.

A aprovação do artigo acima representa insuperáveis encargos ao desenvolvimento independente dos estados e municípios, tanto pela autonomia na condução e gestão pública a partir de suas próprias realidades orçamentárias e contextos geográficos, quanto pela independência que lhes é garantida nas práticas junto à Administração Federal.

Neste caso, o TCU passa a produzir normas em matéria de licitação com competência vinculante aos estados e municípios, sem delimitação do alcance das suas decisões, impactando num verdadeiro paradoxo de "norma geral" tornar-se "norma específica" atrelando aos enunciados, todos os vinculados.

Se o argumento da inconstitucionalidade não for motivo suficiente para os vetos necessários, arrisca-se promulgar uma lei aguardada por décadas com um formato diverso do interesse público, sob o risco de limitar a atuação de gestores estaduais e municipais.

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1 Disponível clicando aqui acessado em 16 de dezembro de 2020.

2 No texto do PL, o artigo 102 dispõe que "poderá identificar os riscos de riscos, alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação daqueles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou daqueles a serem compartilhados".

3 Artigo 172 do PL: "Os órgãos de controle deverão orientar-se pelos enunciados das súmulas do Tribunal de Contas da União relativos à aplicação desta Lei, de modo a garantir uniformidade de entendimentos e a propiciar segurança jurídica aos interessados. Parágrafo único. A decisão que não acompanhar a orientação a que se refere o caput deste artigo deverá apresentar motivos relevantes devidamente justificados".

Mônica Thaís Souza Ribeiro

Mônica Thaís Souza Ribeiro

Mestra em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB. Professora. Advogada.

Marco Antônio Souza Ribeiro

Marco Antônio Souza Ribeiro

Graduando em Direito pela Faculdade Arnaldo Janssen. Estagiário no escritório Costa, Ribeiro & Valadares-Sociedade de Advogados.

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