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WhatsApp: Ame-o ou deixe-o. É assim que funciona?

A principal mudança da Nova Política é a decisão de compartilhar os dados da conta dos usuários do WhatsApp com todas as empresas do Facebook, conglomerado do qual o WhatsApp faz parte.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Atualizado às 08:23

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A empresa WhatsApp está obrigando seus usuários a aceitar os termos de sua nova política de privacidade datada de 4/1/21 ("Nova Política") como condição para continuar utilizando o aplicativo e estabeleceu o prazo de 8/2/21 para seu aceite, caso contrário, os usuários de WhatsApp perderão o acesso.

A principal mudança da Nova Política é a decisão de compartilhar os dados da conta dos usuários do WhatsApp com todas as empresas do Facebook, conglomerado do qual o WhatsApp faz parte. A Nova Política simplesmente retira o direito de o usuário optar ou não pelo referido compartilhamento. 

O problema não está no compartilhamento, já que a LGPD admite a figura dos operadores de dados, terceiros que podem realizar tratamento de dados em nome do WhatsApp. A questão é que além de não atender a vários requisitos da LGPD, a nova política autoriza que as demais empresas do Facebook possam usar os dados compartilhados para suas finalidades próprias. 

A WhatsApp vai compartilhar as seguintes informações com o Facebook e suas outras empresas: informações de registro de conta (número de telefone), dados de transação (a WhatsApp agora tem pagamentos na Índia), informações relacionadas a serviços, informações sobre como o usuário interage com outras pessoas (incluindo empresas) e informações de hardware do dispositivo. Essa coleta inclui dados como modelo de hardware, informações do sistema operacional, nível da bateria, força do sinal, versão do aplicativo, informações do navegador, rede móvel, informações de conexão como número de telefone, operadora de celular ou provedor de serviços de internet, idioma e fuso horário, endereço IP, informações de operações do dispositivo e identificadores.

Ressalte-se que na versão anterior da Política, datada de 20/7/20, existia expressamente a opção de compartilhamento ou não, nos seguintes termos: Se você já usa o WhatsApp poderá escolher não compartilhar os dados da sua conta do WhatsApp com o Facebook para melhorar suas experiências com anúncios e produtos no Facebook.

A referida versão de 20/7/20 trazia a seguinte declaração: "O respeito que temos por sua privacidade é como um código em nosso DNA. Desde que começamos o WhatsApp, construímos nossos Serviços nos baseando em sólidos princípios de segurança." Esta declaração já não consta do texto da nova política. 

Tudo indica que o DNA do WhatsApp foi hackeado, pois a Política de Privacidade de 20/7/20, anterior à vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estava um pouco mais alinhada com os princípios de proteção de dados pessoais. No que se refere à transparência, entendo que o WhatsApp caminhou bem, o que está permitindo esse debate, porém a Nova Política que se pretende impor aos usuários desrespeita outros princípios estabelecidos pela LGPD, agora em vigor. 

Ao retirar a possibilidade de o usuário optar por compartilhar ou não os dados pessoais de sua conta no WhatsApp com outras empresas do Facebook, entendo que a política viola os princípios da finalidade, adequação e necessidade, além de um descumprimento contratual, já que suas condições estão sendo alteradas à sua revelia.

O compartilhamento com outras empresas do Facebook para finalidades próprias envolve um novo tratamento de dados que é incompatível com o objetivo e contexto em que se originou sua coleta e com o consentimento original manifestado com o aceite à Política de Privacidade de 20/7/20. Poderíamos admitir tal compartilhamento com as demais empresas do Facebook, desde que atuassem como Operadores de Dados do WhatsApp e para finalidades próprias do WhatsApp. O que não é o caso.

O aplicativo WhatsApp tem como escopo prestar serviços de mensagens, ligações via internet e outros para usuários em todo o mundo e para tanto supõe-se que coletou os dados necessários (o que também é questionável) para tal prestação de serviço. No entanto, torna-se abusivo o compartilhamento de dados pessoais para outras empresas do Facebook com finalidades diversas sem que seja dada a opção de discordar daquele compartilhamento. Aliás, no caso em questão, a discordância por parte do usuário terá como consequência a perda do acesso ao aplicativo e respectivo serviço. O que não é razoável, nem aceitável. 

Em recente post no LinkedIn, sobre outro tema polêmico envolvendo também o Facebook, Rony Vainzof colocou de forma muito feliz que as plataformas atingiram um nível em que são praticamente a infraestrutura pública de comunicação da sociedade, ou seja, são meios de comunicação em massa. 

E nesse sentido, ainda que haja outros aplicativos com idêntico escopo, o fato é que o WhatsApp está instalado em 99% dos celulares no Brasil, segundo dados divulgados pela pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box2. Atualmente, até as próprias chamadas são feitas pelo WhatsApp. Ou seja, é o principal meio de comunicação do país e não há como ter como única alternativa a migração para outro aplicativo de comunicação.

E diante da imensa popularidade do WhatsApp no Brasil, a empresa perde uma grande oportunidade de balizar suas ações pela boa-fé e pelos princípios da proteção de dados. O grande escrutínio pelo qual o Facebook passou e tem passado na Europa deveria ser motivo para ajustar sua atuação em outros mercados com as boas práticas "aprendidas", pois não foi essa sua escolha. E a prova disso é que na Nova Política aplicável ao público brasileiro há um aviso para os residentes da Europa informando que para aqueles titulares de dados, há uma Política de Privacidade diferente, onde consta expressamente que todos os dados que o WhatsApp compartilha não podem ser usados para as finalidades próprias das Empresas do Facebook.

Entendo que a Política de Privacidade que o WhatsApp utiliza para os residentes na Europa, com os devidos ajustes, é a versão a ser adotada no Brasil posto que a LGPD foi inspirada no GDPR e utiliza conceitos idênticos. Na Política de Privacidade adotada na Europa constam os seguintes itens, que inexistem na Nova Política a ser adotada no Brasil, quais sejam:

  • Metadados de Conversas
  • Nossa base legal para tratar dados
  • Como tratamos seus dados (este item consta, mas a versão europeia é bem mais robusta)
  • Como exercer seus direitos
  • Gerenciamento e manutenção dos seus dados

Como mencionado anteriormente, o aplicativo WhatsApp tem como escopo prestar serviços de mensagens, ligações via internet e outros para usuários em todo o mundo, no entanto, torna-se abusivo o compartilhamento de dados pessoais para outras empresas do Facebook com finalidades diversas sem que seja dada a opção de discordar daquele compartilhamento ou que tais empresas sejam impedidas de usar os dados compartilhados para suas finalidades próprias. A perda do acesso ao aplicativo e respectivo serviço da forma como está sendo imposta pelo WhatsApp não é razoável, nem aceitável. 

Entendo que o WhatsApp pode rever sua posição e demonstrar que a inovação, o desenvolvimento econômico e tecnológico, o respeito à privacidade e autodeterminação informativa podem e devem coexistir. E como já existe uma versão de Política de Privacidade em consonância com a LGPD, acredito que não será um transtorno operacional de grande monta para a empresa.

Enfim, o tema é de alta relevância para grande parte da população brasileira e um grande desafio a ser enfrentado pela nossa Autoridade Nacional de Proteção de Dados e demais entidades legitimadas a tratar do tema.

Laércio Sousa

Laércio Sousa

Sócio responsável pela área de Direito Digital, LGPD, Internet e E-commerce do escritório Velloza Advogados Associados.

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