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Diretrizes éticas para as instituições responderem ao enfrentamento da pandemia da covid-19

Em uma crise humanitária em saúde pública, o papel da ética será de fundamental importância para manter ativo um dos fundamentos da nossa Carta Magna: à dignidade da pessoa humana.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Atualizado às 14:20

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

A pandemia da covid-19 está tornando a bioética mais relevante do que nunca. Os dilemas éticos levantados pela pandemia são urgentes e dolorosos. Quem deve receber um ventilador quando não tivermos pra todos? Como proteger pessoas mais vulneráveis (idosos, deficientes, os mais graves) quando os recursos são limitados? Como equilibrar a necessidade de vigilância com o direito à privacidade? Como pensar em liberdade individual em contra posição ao interesse público? Embora essas questões não sejam novas para a bioética, a necessidade de responde-las urgentemente, globalmente e em contextos concretos, cria circunstâncias sem precedentes.

Diretrizes éticas

Para o cuidado humano em uma emergência de saúde pública como é o caso da pandemia da Covid-19, é fundamental que haja estruturas assistências e gerenciais sólidas do ponto de vista ético para atender as exigências de ações responsáveis, necessárias e prudentes. Portanto, planejar ações que objetivam ao máximo beneficiar os enfermos e não prejudicar ao público em geral no momento de crise sanitária deve ser o referencial para o enfretamento da pandemia da covid-19. Devemos promover um equilíbrio entre o dever de cuidado centrado no paciente que é o foco da ética clínica em qualquer condição e focar nos deveres para com a coletividade, promovendo igualdade de acesso ao sistema de saúde e a equidade de riscos e benefícios inerentes ao momento de crise que estamos atravessando. Esse é o foco da ética da saúde pública.

Os profissionais de saúde são treinados e habilitados para tratar do indivíduo, ou seja: a atenção é voltada para o enfrentamento da doença e a reabilitação do paciente. Mas quando há uma mudança no contexto de assistência em função de uma emergência sanitária, a orientação para o atendimento cria grandes tensões, principalmente para os profissionais que não estão acostumados a trabalhar em condições de emergência com recursos limitados. Diante desse quadro, cabe as lideranças que estão no gerenciamento e atendimento da crise sanitária, manter de forma contínua à discussão ética presente e as que surgiram na medida em que os atendimentos vão ocorrendo e novos cenários vão se instalando, pela própria característica do conjunto de sintomas que é carreado pela doença, padrões de atendimentos de pacientes potencialmente críticos, a rápida evolução do quadro clínico e as incertezas quanto ao arsenal terapêutico, que ainda é muito limitado em certas situações.

Existem três deveres que as lideranças no gerenciamento da crise precisam ter em mente:  

a) Planejar e orientar à população em geral para adotar medidas de barreiras e com isso salvaguardar interesses de saúde coletiva;

b) Oferecer diretrizes detalhadas para ajudar aos comitês de bioética clínica dos hospitais;

c) E se preparar para dá resposta rápida para os profissionais que estão no front sob pressão e sofrimento moral.

Os desafios éticos na área de saúde são comuns mesmo em situações cotidianas, porque a assistência em saúde responde ao sofrimento humano. Agir dentro de padrões éticos deve ser parte integrante da conduta dos profissionais no cuidado em saúde. Mas é comum os profissionais sentirem incertezas e angustias diante de situações complexas com conflitos morais e o sofrimento diante a incerteza do que fazer para proporcionar o melhor cuidado. Podemos exemplificar casos de pacientes com risco de morte em função da gravidade da doença, aqueles que não têm capacidade de tomar decisões sobre intervenções de suporte de vida e de outros tratamentos médicos invasivos.

Diante dessa situação fica evidente a necessidade e a importância das Comissões de Bioética Clínicas para responder a essas realidades práticas ajudando aos profissionais, pacientes, representantes legais a refletir sobre as escolhas possíveis e tomar decisões informadas baseada nos valores dos pacientes e deveres profissionais na busca de realizar ao máximo os valores possíveis que estão em conflitos. Não se trata de identificar o que é certo ou errado, mas o que é possível, o que prudente para que a decisão seja a mais adequada.  

Uma emergência de saúde pública como a que estamos vivendo no momento, com aumento repentino de pessoas que buscam tratamento médico e paciente críticos com síndromes respiratórias e outros casos como os que vem acontecendo com os pacientes com covid-19, interrompem o processo normal de atendimento e interfere nas questões éticas. Daí ter sempre em mente que o atendimento clínico é centrado no paciente, mas com curso de ação ético alinhado tanto quanto possível com as preferências e valores do paciente.

A prática em saúde pública, visa promover a saúde da população, minimizando a morbimortalidade por meio de uso prudente de recursos e estratégias. Garantir a saúde da população especialmente em uma emergência como a pandemia da covid-19, vai exigir limitações de preferências e direitos individuais. A ética em saúde pública orienta a equilibrar essa tensão entre as necessidades individuais e as coletivas.

Em uma emergência em saúde pública, os primeiros socorros precisam seguir regras claras. Os protocolos de triagem devem orientar para as prioridades de atendimentos aos pacientes com diferentes níveis de necessidades com base inicialmente na capacidade de responder aos tratamentos de acordo com os recursos disponíveis impostos pela a limitação de recursos. Essas orientações podem parecer injustas ou causar sofrimento nos demais pacientes, como também trazer sofrimento moral entre os profissionais que devem implementar ou suspender tratamentos, por isso que o debate bioético deve ser permanente para justificar determinadas atitudes em tempo de escassez de recursos e demandas crescentes.  

Considerações finais

Para manter um padrão ético é necessário manter um equilíbrio entre: a) o dever de cuidar que pressupõe a fidelidade ao paciente, o não abandonar as obrigações éticas e legais e b) e o dever de aliviar o sofrimento e respeitar seus direitos e valores. O dever de cuidar e suas ramificações são o foco principal da ética clínica por meio de orientações éticas a beira do leito, o desenvolvimento de políticas institucionais e educação continuada em ética clínica para os profissionais, segue-se a isso, os deveres profissionais no sentido de promover a igualdade moral entre as pessoas e a equidade (justiça em relação as necessidades) na relação riscos e benefícios na sociedade.

Josimário Silva

Josimário Silva

Bacharelando em Direito (Faculdade Católica Imaculada Conceição do Recife). Doutor em Cirurgia (PUC/RS). Pós-doutor em Bioética (Universidade São Camilo -SP). Especializando em Bioética Clínica. (Fundación de Ciencias de la Salud.Madrid (Espanha). Professor. Chefe do Serviço de Bioética Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Coordenador Nacional da Rede Bioética Brasil.

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