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Por que advogados precisam conhecer laudos psicológicos?

O Perito psicólogo é chamado a analisar o caso, deve pautar sua atuação pelo Código de Ética e pelas diretrizes da Avaliação Psicológica e da redação de documentos escritos, para a redação do seu laudo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Atualizado às 12:57

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Olá colegas Migalheiros,

Nesse artigo, vou abordar um pouco mais acerca da importância da interação da Psicologia com o Direito, na compreensão dos fatos trazidos ao Judiciário.

Quando um assunto, trazido ao Judiciário, é encaminhado ao Setor Técnico, passa a ser analisado pela Equipe Técnica, formada por psicólogos e assistentes sociais concursados ou cadastrados pelo TJ, chamados Peritos. As partes podem exercer o direito de nomearem seus Assistentes Técnicos.

O Perito psicólogo é chamado a analisar o caso, deve pautar sua atuação pelo Código de Ética (resolução CFP 10/05) e pelas diretrizes da Avaliação Psicológica (resolução CFP 09/18) e da redação de documentos escritos (resolução CFP 06/19), para a redação do seu laudo, que é o documento juntado ao processo que consolida todos os procedimentos e conclusões que atenda à demanda judicial.

O Assistente Técnico psicólogo, importantíssimo para assessorar a parte e seu advogado na defesa dos direitos que lhe forem cabíveis, também deve se pautar pela ética, e pelas diretrizes da Avaliação Psicológica e da redação de documentos escritos, pois ele irá redigir um parecer que comenta o laudo do Perito, convergente ou divergentemente.

Perito e Assistente Técnico devem também observar as diretrizes da resolução CFP 08/10 e do Código de Processo (Civil/Penal) do âmbito em que o tema esteja sendo discutido judicialmente.

Por exemplo, preconizam a resolução CFP 08/10 e o CPC que o psicólogo Perito deve realizar todos os procedimentos que forem pertinentes, cabíveis e acessíveis, conforme a especificidade de sua atuação, para responder ao questionamento judicial. No seu art. 3º, a resolução CFP afirma que:

Resolução CFP 08/10:

Art. 3º Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho pericial poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia.

Da mesma forma, o § 3º do art. 473 do CPC preconiza que:

Art. 473 CPC (2015) (...)

(...)

§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer­se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Existem limites e determinações para a redação do laudo pericial, determinados pela referida resolução CFP 08/10 e pelo CPC, impedindo que o Perito adentre em questões de mérito, que são exclusividade do Juiz:

Resolução CFP 08/10:

Art. 7º Em seu relatório, o psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes à sua investigação que possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada, reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar nas decisões, que são exclusivas às atribuições dos magistrados.

No mesmo sentido, o § 2º do referido art. 473 do CPC:

Art. 473 CPC (2015) (...)

(...)

§ 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.

Porém, ocasionalmente aparecem laudos periciais que mais se assemelham a sentenças judiciais, com esses e outros equívocos de posicionamento pericial, a saber:

  • Adentrar na regulamentação da convivência da criança com o(a) genitor(a) não-convivente: a título de "sugestão", estipular datas, horários, frequência de convivência, o que é uma decisão final do Juiz em audiência, ou no máximo, na Mediação Familiar;
  • Não recomendar Guarda Compartilhada porque o(a) magistrado(a) não concede essa modalidade de guarda quando os pais estão em intenso litígio e/ou quando residem em locais distantes, o que é um equívoco porque a lei 13.058/14 não estabelece essas exceções à aplicabilidade da Guarda Compartilhada. Pelo contrário: é justamente pela Guarda Compartilhada que os pais precisam se conscientizar da importância de resolverem suas pendências pessoais em outras instâncias (ex.: terapia de casal, terapia individual) e se concentrarem nos interesses do(s) filho(s) comum(s). Esse posicionamento pericial descrito acima aponta para uma manobra de garantia de que o laudo seja acolhido pelo(a) magistrado(a). E mais grave: é um posicionamento antiético porque evidencia que, para esse(a) psicólogo(a) perito(a), o litígio dos pais se sobrepõe ao direito da criança à plena convivência com ambos os genitores, o que contraria os direitos das crianças e a própria Ética da Psicologia;
  • Não observar a ocorrência de atos de alienação parental, que podem estar comprovados em outros elementos juntados ao processo, como vídeos, áudios, e-mails. Quando o psicólogo perito se restringe a entrevistas, não amplia seus procedimentos e com isso perde outras fontes de informação, tornando suas conclusões ineptas para subsidiar qualquer decisão judicial confiável.

Mas todos esses assuntos serão temas dos próximos artigos, então aguardem as próximas edições deste rotativo Migalhas!

Quero apenas deixar o alerta de que, quando chega o momento de comentar o laudo pericial, o advogado precisa analisa-lo de forma técnica, e para isso deve contar com o Assistente Técnico psicólogo, para identificar a qualidade (e quantidade) de procedimentos periciais, a pertinência dos procedimentos, a amplitude (ou a limitação, a superficialidade), se o Perito está adotando algum posicionamento tendencioso (ex.: se parte de premissas pré-concebidas pela "ocorrência de abuso sexual infantil", desconsiderando evidências contrárias, postura essa denominada "viés de confirmação", o que é antiético!), se as conclusões são coerentes com os objetivos da perícia e com os procedimentos adotados e, por fim, se efetivamente atendem ao questionamento judicial. O Assistente Técnico redige um parecer, convergente ou divergente, comentando o laudo pericial, sendo que, mesmo em caso de divergência, é importante manter-se o respeito profissional, decoro e urbanidade previstos pelo Código de Ética e pela resolução CFP 08/10. Por vezes, as manifestações técnicas se tornam mais aprofundadas justamente por serem decorrentes da análise de outro profissional técnico da mesma área, aspectos esses que poderiam passar despercebidos se forem comentados somente pelo advogado.

O debate entre o advogado e o psicólogo Assistente Técnico para assessoria dos interesses do cliente se torna enriquecedor e muito mais amplo, o psicólogo pode instrumentalizar o advogado na estratégia jurídica a ser tomada.

O laudo e o parecer, enquanto documentos técnicos, precisam ter uma linguagem clara, concisa, objetiva, observando-se as normas da gramática e ortografia. Precisa cuidar para não haver ambiguidades que podem levar a equívocos de interpretação e até inutilização do documento para fins judiciais. Uma ambiguidade pode, inclusive, ensejar uma denúncia ética contra o psicólogo Perito, se indicar algum "viés de confirmação", posicionamento tendencioso, em tema polêmico, como o abuso sexual infantil, como no excerto a seguir:

Nos casos em que há denúncias de que a criança teria sido vítima de abuso sexual - como ocorreu no caso presente, este procedimento proporciona as condições mínimas necessárias para que a criança se expresse, ou se manifeste livremente, sabedora de que não será questionada diretamente sobre o abuso, ou sobre qual dos pais ela gosta mais e etc. (sublinhados meus)

O que "ocorreu", a denúncia ou o abuso? São coisas distintas, pois há abusos que não são denunciados, e há denúncias sem que tenha ocorrido o abuso! Percebe-se que a psicóloga estava mais inclinada a afirmar que era o "abuso" que teria "ocorrido" e não a denúncia, evidenciando já ter ideias preconcebidas e uma "convicção", incompatíveis com a função pericial.

É isso, espero que tenham apreciado o artigo.

Até o próximo!

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BRASIL. Congresso Nacional. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível clicando aqui. Acesso em: 17 mar. 2015.

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP 08, de junho de 2010. Dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente téc-nico no Poder Judiciário. Disponível clicando aqui.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2019. (vols. 01 e 02).

Denise Maria Perissini da Silva

VIP Denise Maria Perissini da Silva

Psicóloga clínica e jurídica. Mestre em Ciências Humanas pela UNISA. Coordenadora da pós-graduação em Psicologia Jurídica. Colaboradora Comissões de OAB/SP. Autora de livros de Psicologia Jurídica de Família.

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