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Principais aspectos processuais fomentadores da solução do conflito e pacificação social

O processo é um método democrático, porém, a consensualidade tem de ser fomentada como cultura profissional, para que litigar seja só um, entre vários caminhos possíveis, para resolver o conflito.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Atualizado às 13:58

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

O novo CPC trouxe consigo o aumento de instrumentos de gerenciamento de processos "case management". É perceptível isso com o negócio processual, a produção antecipada de provas, a cooperação e a consensualidade, essa última, mais efetiva do que no diploma processual de 1973 que, na audiência preliminar, o juiz limitava-se a reproduzir pergunta sobre o desejo das partes na composição.

Esse novo diploma prevê um deslocamento para um modelo constitucional de processo, ou seja, permite-se que, ao invés de um modelo único ("one size fits all"), o juiz e as partes possam adaptar as nuances do processo para que se chegue ao seu precípuo objetivo, que é a pacificação social. Para tanto, é necessário o respeito ao mínimo inserido na Constituição Federal, como o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa, a legalidade, a motivação das decisões e a publicidade.

A garantia disposta na Constituição é o mínimo que todo o processo deve ter e o respeito a esse cabedal, levando-se em conta que o processo serve para solução de conflito e a atuação do direito subjetivo, nos conduz a um resultado efetivo.

Esse novo modelo processual tem o objetivo de alcançar a solução definitiva da crise, um dos elementos inseridos para tanto é a cooperação das partes. Essa cooperação é das partes com o juiz, não decorre da obrigação da lei subjetiva, o objetivo dela é proporcionar a reconstrução dos fatos, além de permitir o diálogo do juiz com as partes para, muito além da influir na produção de provas, também evitar uma decisão surpresa, como ensinou o professor Michele Taruffo.

O elemento constitucional do mínimo processual

O processo como método de atuação da jurisdição tem de usar de mecanismos mínimos e preservar todas as garantias constitucionais.

O devido processo legal é uma garantia da qual não se pode abrir mão. É por meio dele que se alcança a solução da lamentação contida no pedido ou na sua resistência. O exercício da jurisdição não tem lugar sem esse respeito, por meio do qual se entende: a) o pedido formulado ao órgão estatal; b) a resposta daquele contra quem se insurge; c) a ampla possibilidade de provar os fatos; d) o diálogo do juiz com as partes; e) e um julgamento em cognição exauriente que resolva a crise.

O contraditório e a ampla defesa também ganham relevo, pois aqui se trata também de ação e reação, ou seja, que cada uma das partes possa falar e contrapor no processo, de modo a reconstruir o fato controvertido.

A legalidade também é o mínimo processual, o que faz com que ninguém faça ou deixe de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. É o que proporciona que nem o juiz e nem as partes assumam posições ou tenham condutas proibidas.

Além disso outra garantia constitucional é a motivação das decisões, cujo entendimento não se limita a que o juiz fundamente suas decisões na lei subjetiva, mas que também enfrente os principais argumentos das partes, especialmente se neles se avente algum precedente judicial. É nesse contexto que, como bem trouxe o novo CPC, não se considera fundamentada decisão que não tenha se manifestado sobre súmula vinculante ou entendimento de julgamento repetitivo.

Por sua vez, a garantia constitucional de publicidade é importante também para se chegar a uma solução justa. A propósito, sabe-se que o precedente pode ser uma fonte primária de direito, algo do qual só pode ser alcançado se também público o processo. É assim que se garante, por exemplo, o exame dos fatos das causas semelhantes e, pelo menos se tente, não se ter decisões conflitantes para os mesmos fatos, o que contribui para uma ideia de injustiça.

Poderes do juiz e seus limites

A Constituição Federal pressupõe o respeito a uma séria de direitos. Supõe o respeito as partes de acesso à justiça, supõe que possam influir no processo, supõe que possam produzir provas, supõe que qualquer decisão seja motivada e, o mais importante, que se tenha igualdade. Essa igualdade, não só no processo, mas também em relação a paridade de armas, por exemplo, com a distribuição dinâmica da prova ou para que não se tenha decisão diferente para os mesmos fatos.

Consensualidade e a nova dinâmica

O novo modelo prevê a realização de audiência no início do processo e prevê que só não ocorre quando as duas partes, expressamente, forem contrárias.

A conciliação, como se sabe, é uma técnica de diálogo onde se pode inclusive propor soluções para a lide, principalmente porque a ideia é que as partes não permaneçam com a necessidade de diálogo para além da demanda.

É diferente a mediação que, como se sabe, pressupõe que as partes em algum momento eram próximas, continuem com isso e então tenham que, de algum modo, restabelecer o diálogo. É por isso que nesse caso o mediador atua não com sugestões, mas com técnicas para que as propostas de acordo sejam formuladas pelas partes, ou seja, para que elas alcancem a resolução do problema.

Nesse cenário, vale citar o grande exemplo do acordo coletivo de planos econômicos como modelo de autocomposição, em situação totalmente inovadora, e tomando por base todos os elementos principiológicos do diploma processual. Como se sabe, apesar da discussão de expurgos inflacionários não ter sido decidida de modo definitivo pelo Supremo Tribunal Federal, as partes - bancos e associações - resolveram transigir e facultar a aquele que tem ação individual ou execução de sentença coletiva, aderir ao acordo coletivo, com isso, homologar sua decisão no seu respectivo processo e encerrá-lo, pela composição.

A nova produção de prova antecipada

O novo CPC permitiu que também as provas sejam direcionadas as partes, não só ao juiz, especialmente na produção antecipada, a igualar-se nesse aspecto, ao modelo americano de "discovery", segunda fase da "class action", onde se tem ampla permissão das partes para a produção de provas, tendo o juiz o papel de fiscal.

Pois bem, no CPC de 2015 as partes passam a ter ampla possibilidade de produção antecipada de provas não limitando mais a testemunha e perícia, podendo também ter objetivo de prova documental.

Esse direito à prova serve para, além de eventualmente instruir ação futura, fazer com que a parte pondere sobre a sorte de sua demanda, ou seja, se antever possível cenário desfavorável, poderá tentar o caminho da autocomposição.

A prova em caráter antecipada é dirigida às partes e não se pressupõe conflito material para produção delas, nem mesmo cinge sobre fatos dos quais tenha que se demonstrar o fundamento jurídico.

Essa prova não pode ser limitada pelo juiz com fundamento na inutilidade ou procrastinação. É que a utilidade da prova somente seria avaliada depois, quando se deduzisse o pedido, se o caso, ou quando se fizessem contra ele a resistência.

Por outro lado, no tocante a procrastinação, não se identifica a demonstração disso quando se trata de produção antecipada. Por essa razão, o juiz, para deferir ou indeferir a prova, deve avaliar mais a possibilidade, ou seja, existência dela, do que na crítica do que com ela será produzido.

Quanto a produção no curso do processo, não em caráter antecipado, cuida-se de decorrência do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

As partes litigantes têm o direito de produzir suas provas com vistas a reconstruir a verdade dos fatos litigados no processo principal, como ensinou Michele Taruffo. Nesse cenário, com o diálogo das partes com o juiz, em razão da cooperação, é que se verifica os pontos controvertidos e organiza-se o processo.

Nesse momento é permitido ao juiz avaliar a pertinência da prova e o que com ela pretende-se corroborar, especialmente levando em conta a utilidade e o momento para sua realização, esse último para evitar a procrastinação do processo.

A distribuição dinâmica: prova como ônus de quem tem melhor possibilidade

A nova sistemática, levando em conta o direito argentino, rompeu aquela estrutura da produção de provas por quem alega ou defende, justamente para atender um princípio constitucional de isonomia e paridade de armas.

Por isso que o processo mais democrático, com objetivo na solução de mérito do conflito, permite que ao juiz, em determinados casos, possa analisar cada uma das partes e definir quem tem melhor possibilidade de produzir uma prova.

A hipossuficiência já permitia a inversão do ônus da prova, como orientação de julgamento, no entanto, com o processo cooperativo, o juiz não surpreende as partes somente no momento da sentença, pois ao organizar o processo e analisar os pontos controvertidos, deve também ressaltar e distribuir o ônus da prova.

A estrutura da tutela provisória: a crítica

O novo CPC aglutinou a tutela antecipada de urgência e de evidência, bem como a tutela cautelar dentro da tutela provisória. É provisória porque não partiu a decisão da cognição exauriente e ainda precisa ser confirmada.

Vale compartilhar da crítica do professor Bedaque ao mencionar que a tutela antecipada e a cautelar foram incluídas como espécie de urgência, mesmo tendo diferenças entre elas. Como se sabe, a tutela antecipada adianta o provimento final e a cautelar, por sua vez, somente conserva a eficácia de provimento futuro, em relação a bens, pessoas e provas.

A tutela de urgência antecipada ou cautelar tem como requisito a demonstração da plausibilidade do direito e o perigo de dano, ou seja, que comprove o mal maior que será suportado, caso o provimento não seja adiantado.

É verdade, pois, que se misturou os conceitos e não se poderia incluir em conjunto a tutela antecipada e a cautelar. Melhor seria, como referiu o professor Michelle Taruffo e o próprio professor Bedaque, que a tutela antecipada estivesse dentro de um capítulo de cautelar, porque pela própria palavra, seria uma cautela ou prudência.

O modelo de precedente como instrumento de previsibilidade, isonomia e segurança jurídica

O modelo de precedente atende, de uma só vez, os principais aspectos de previsibilidade, isonomia e segurança jurídica.

A propósito, não só com o precedente isso pode ser alcançado, mas também com as súmulas vinculantes e com os julgamentos repetitivos.

O precedente é fonte primária do direito e com ele se estabiliza as relações comerciais, os negócios e até legislação. É exemplo desse último aspecto a formação de precedente em matéria de seguros e do concubinato, que depois de reiterado na jurisprudência, foi incluído na lei no Código Civil de 2002. O seguro de vida, apesar do suicídio, e a não participação da concubina nos bens de seu falecido companheiro, se ele estiver casado.

A propósito, a análise do precedente pelo profissional do direito pode orientá-lo sobre o curso de eventual demanda judicial e até seu resultado. É a demonstração da tendência na aplicação da lei subjetiva. Com isso, o precedente contribui também na pacificação social, porque traz a segurança jurídica esperada.

É essa previsibilidade do precedente que garante a isonomia, ou seja, que em casos iguais, seja aplicado a mesma conclusão. Isso, por outro lado, não interfere em nada o livre convencimento do juiz, posto que nosso sistema processual impõe respeito ao julgamento repetitivo, as súmulas vinculantes e na própria jurisprudência, caso desrespeitada, poderia até ser reclamada.

O processo como forma de alcançar a solução do conflito: mudança de paradigma profissional

O professor Kazuo o Watanabe foi percursor do tema, sobre a cultura da sentença e da pacificação, quando mencionou que os bancos acadêmicos mais formavam profissionais preocupados com o processo, do que com a solução dos conflitos.

O novo CPC traz normas e princípios que vão mudar a dinâmica da atuação profissional. É o caso, por exemplo, da audiência de conciliação, da necessidade de cooperação e da contribuição na formação da convicção do juiz.

Os meios de autocomposição foram fomentados para conduzir à instrumentalidade do processo, para que ele resulte na própria solução da crise, sem interiorizar ressentimento na parte, que não rara as vezes fica insatisfeita até quando vence.

Essa é a ideia de permitir um gerenciamento de processos, levando em conta a especificidade da causa, para que a pacificação social seja bem encontrada pelas partes, e o conflito seja resolvido na sua essência. O negócio processual proporciona justamente esse gerenciamento, aproxima as partes do juiz, de modo que elas também possam verificar qual o resultado de sua demanda, após análise das provas.

O CPC de 2015, a Lei de mediação e a Resolução 125 trouxeram métodos atuais de mudança na cultura e na forma de instrumentalidade do processo.

Conclusão

O fomento pelo acordo é evidente quando analisado, por exemplo, o negócio processual, a dinâmica da conciliação e mediação, e a cooperação.

O negócio processual pode ser usado antes e durante o processo para que as partes continuem dialogando. Se usado antes, vale para verificar a produção de provas, bem assentar os contornos fáticos e revelar o que seria alcançado no processo, com as provas produzidas. Isso conduz a uma possibilidade de acordo.

Assim também se entende a cooperação, mesmo sendo ela necessária com o juiz, pode resultar na visualização pelas partes sobre o caminho que o magistrado confronta as provas, especialmente para evitar a decisão surpresa.

Esses elementos reduzem o processo ao mínimo constitucional e abrem caminho ao uso do gerenciamento do processo.

Referências bibliográficas

Nylund, Anna. Case management in a comparative perspective: regulation, principles and practice. Revista de Processo | vol. 292/2019 | p. 377 - 395 | Jun / 2019 | DTR\2019\31926, 2019.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela provisória: considerações gerais. In O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, 11. ed.. São Paulo: Malheiros, 2003;

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os métodos consensuais de conflitos no novo CPC. In O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015.Christoph Kern, 2018

TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (2018), com Extensão em Arbitragem pela mesma instituição (2018) e Extensão em Direito Imobiliário pelo Mackenzie (2017). Atualmente é advogado no Itaú Unibanco.

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