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O showbusiness da realidade: Vacinação emergencial e midiatismo

O midiatismo da reunião da ANVISA de aprovação do uso emergencial das vacinas não saiu ileso a críticas. Todavia, há de se lembrar o contexto social e político que vivemos.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Atualizado às 17:40

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Há quase um ano, a humanidade anseia o milagre da vacina da covid-19, fato que, nos últimos meses, intensificou-se na população brasileira, diante dos avanços de tais estudos no país. As famigeradas vacinas da Oxford e da Coronavac, como mais popularmente conhecidas, geraram esperança e alento aos brasileiros, diante dos alarmantes números de mortes e infecções pelo novo coronavírus no país. Ao lado do recente e deprimente escândalo amazonense, o desejo pela vacina torna-se cada dia mais vívido no espírito dos brasileiros.

Tudo isto, aliado ao forte caráter político e ideológico do assunto "vacinação", fez o uso emergencial das vacinas supracitadas um dos tópicos mais discutidos e esperados no Brasil. No último domingo, a reunião da ANVISA acerca da aprovação ou não da medida foi noticiada pelos mais diversos meios, como televisivos e digitais - fato que gerou certo incômodo na população, mas que merece, mais do que nunca, uma análise detalhada.

Argumentos como o sensacionalismo, burocratização e politização da vacina foram levantados diante da exibição ao vivo da referida reunião. A aprovação das vacinas em outros países fez os brasileiros esperarem como cães de vitrine o mesmo resultado no país. Assim, os mais diversos questionamentos surgiram, os quais circundaram assuntos vários, da política governamental atual à real eficácia das vacinas.

Paralelamente, além do atualmente criticado sensacionalismo da mídia, as fake news propagam-se por origem da própria sociedade civil e até mesmo por integrantes do Governo, como o que ocorre em vários outros assuntos políticos e sociais. Então, percebe-se um show business da realidade, bem como uma desinformação em massa, contraditória e erroneamente informada pelo Facebook e Whatsapp. Não raro, deparamo-nos com falsas notícias de riscos de medicamentos e práticas de combate ao novo coronavírus, quadro ao qual não estão imunes as vacinas do mesmo vírus.

Atualmente, além dos diversos debates que tradicionalmente recaem sobre as vacinações de modo geral, as vacinas do coronavírus trazem ainda mais polêmica ao assunto. A célere fabricação e verificação dessas vacinas, comparadas às outras, ensejaram receio nos brasileiros sobre a sua real eficácia e, especialmente, sobre os efeitos colaterais a médio e longo prazo. Com efeito, a população divide-se sobre se vacinar ou não.

Ao lado de todo este quadro sociológico, há de se destacar o atual panorama de controle existente sobre a Administração Pública brasileira - um dos assuntos mais debatidos em Direito Administrativo. Discute-se, portanto, a eficácia dos mecanismos atuais de controle, se efetivamente eficazes.

É cediço que uma única atuação administrativa pode perpassar por diversas esferas de controle - interno, externo e social, este especialmente por intermédio do Poder Judiciário. A exemplo, um ato administrativo federal pode ser objeto de averiguação perante a Controladoria Geral da União, enquanto órgão de controle interno; perante o Congresso Nacional, com auxilio do Tribunal de Contas da União, em controle externo; e por próprias ações judiciais intentadas ou subsidiadas por inconformismos da sociedade civil, como Ações Populares e Ações Civis Públicas.

Diante deste contexto, inegável que o ordenamento brasileiro carrega um sistema de controle administrativo numeroso. Todavia, não é possível afirmar o mesmo por uma concepção pragmática do termo. Afinal, caso assim fosse, vislumbrariam-se muito menos desvios e incorreções na atuação administrativa nacional. Por isso, evidente a necessidade de uma reformulação do sistema de controle administrativo brasileiro.

Em meio a todo o contexto acima exposto, necessária uma análise lúcida e realista da publicidade midiática da reunião de aprovação das vacinas da covid-19 no Brasil.

De antemão, a publicização de uma reunião governamental essencialmente técnica, além de privilegiar a publicidade da Administração Pública e consequente controle social, permite a real percepção e informação por parte da sociedade. Seria, portanto, um meio eficaz de combate ao sensacionalismo cansado advindo da mídia e à desinformação em massa provocada pelas fake news.

Ao lado disso, não há de se ignorar a preocupação dos agentes públicos com a responsabilização oriunda dos órgão de controle. Por isso, quanto mais publicização e consequente participação da sociedade, com as devidas explicação e motivação dos atos e decisões, menores os seus riscos de responsabilização, especialmente diante de um uso emergencial, sem as típicas análises pormenorizadas de um uso definitivo. Então, o Estado busca, em um momento essencialmente permeado por incertezas, proteger-se por meio da informação e publicização efetiva dos seus processos.

Ademais, cediço que o Estado, pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988, responde de forma objetiva, pelo que exige cuidado reforçado perante os cidadãos, mormente como garantidor de direitos sociais, como a saúde. Neste contexto, em seu lugar como tal figura, há de se ter as devidas e extremas cautelas. Assim, não se pode confiar a checagem dessas vacinas a outros países, por mais reconhecidos que sejam neste tocante, pois, ao fim e ao cabo, o Governo brasileiro que responde diretamente perante os seus cidadãos.

Destarte, a aprovação emergencial de vacinas, conquanto necessárias e esperadas pelo atual contexto, deve levar, em minuciosa consideração, todos os riscos hábeis a atingir a população brasileira, em prol do interesse público dito primário, tipicamente considerado, e em prol do interesse público secundário, no que tange a repercussão econômica de eventual responsabilização por uma aprovação negligente. Desta forma, a preocupação do Governo na exposição da aprovação das vacinas é inerente à própria preocupação com a população e com o dever de satisfação do interesse público.

Com efeito, antes de criticar a excessiva publicização e "burocracia" na aprovação do uso emergencial das vacinas, há de se considerar todo o arcabouço fático e jurídico que permeia o assunto. Mais que recomendável, isto é exigido, em prol do consequencialismo e contextualismo que permeiam a atuação governamental, como preconizado pelos artigos 20 e 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB.

Resguardar uma aprovação segura e informada das vacinas combate, a um só tempo, a ignorância coletiva, bem como o efetivo cuidado e proteção da sociedade. Neste momento, não há de se privilegiar em absoluto a pressa, em detrimento da devida cautela sanitária e do aperfeiçoamento da informação. Isto porque, em que pese exista a necessidade imediata de combate à pandemia, não há de se ignorar o risco de um futuro nebuloso e nocivo, tão quanto é um presente contaminado pela desinformação.

 

Taís Mota Vaz

Taís Mota Vaz

Advogada da área cível, administrativa e trabalhista. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito e pós-graduanda em Direito Público na Escola Brasileira e Direito - EBRADI.

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