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Antidumping do alho e direito do consumidor

Em síntese, a depender do protecionismo comercial aos produtores brasileiros de alho e seu controle de preços, os consumidores de baixa renda permanecerão sem acesso a esse importante tempero de nossa culinária.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Atualizado em 28 de janeiro de 2021 08:40

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A coroa de alho, sua majestade da cozinha brasileira. Era assim que até final da década de 80, o brasileiro se recorda o quanto nosso alho era produto de luxo. A maioria dos brasileiros não tinha acesso a esse importante tempero de nossa culinária.

Em 1989, uma caixa de alho (10Kg) custava no atacado US$ 59,401, o que representaria ao câmbio atual R$ 318,98 (US$ 1/R$ 5,37), ou seja, R$ 31,90 por quilo de alho no atacado. Considerando as margens atualmente praticadas no varejo, o preço para o consumidor chegaria a aproximadamente R$ 60,00 por quilo de alho. É esse o preço que se praticava à época: R$ 60,00 por um quilo de alho.

Atualmente, o alho chega à cozinha do consumidor brasileiro a R$ 35,00 por quilo2, quase a metade do preço. E veremos em seguida que esse preço ao consumidor somente não é menor porque a taxação sobre as importações é mais alta do que o próprio custo de produção do alho.

E o que teria mudado nos anos 90 para que mais brasileiros tivessem acesso ao produto? A resposta é simples: abertura de mercado. Nos primeiros anos da década começaram as importações de alho da Argentina, Espanha e China. Em 1994 foram importadas 53.781 toneladas de alho3, sendo 50,36% provenientes da China; enquanto no Brasil se produziam 84.172 toneladas4. Então, antes da metade da década de 90, as importações de alho já representavam 64% do alho consumido pelos brasileiros.

Interessante notar que a produção brasileira até mesmo cresceu em relação aos anos anteriores: 56.824 toneladas, em 1988; 61.511 toneladas, em 1989; e 78.889 toneladas, em 1992. A conclusão é que as importações de alho fizeram com que mais brasileiros consumissem o produto. Até então, "sua majestade o alho era para poucos". Na década de 80, a média anual de alho consumido no Brasil era de aproximadamente 50.000 toneladas. Com a abertura das importações em volume, o consumo mais que dobrou, passou nos inícios do ano 90 para mais de 100.000 toneladas. Mais famílias de menor renda tiveram acesso ao produto.

Uma consequência desastrosa para o consumidor brasileiro é o crescimento do protecionismo à casta de grandes produtores brasileiros de alho, concentrados em Goiás e Minas Gerais. Nesse ano de 2020, os comerciantes, sufocados pela alta taxação das importações, recuaram nas importações do alho chinês. A medida antidumping, imposta apenas ao alho chinês, tornou o alho argentino mais viável para o mercado, mesmo sendo de qualidade inferior e custando o dobro do alho chinês5.

Uma caixa de alho chinês de 10 Kg chega ao Brasil por R$ 58,26 (US$ 10,85, sendo US$ 1/R$ 5,37); porém, o importador é taxado, por caixa, pela medida antidumping, R$ 41,88 (US$ 0,78/Kg * 10 Kg) e pelo imposto importação, R$ 20,39 (35% * R$ 58,26); uma taxação total de R$ 62,27. Ou seja, a taxação do alho importado da China é maior do que o valor do próprio produto. Não fosse a taxação do alho chinês, mais brasileiros teriam acesso ao produto.

Essa taxação sob a forma de medida antidumping contra uma suposta prática de dumping pelos produtores chineses, nunca comprovada efetivamente, já perdura por mais de 25 anos6. Algo sem precedentes no mercado mundial. A cada cinco anos um novo processo administrativo é instaurado. Com violação das garantias do contraditório, a Camex os conduz unilateralmente em um procedimento arbitrário que invariavelmente, por quase três décadas, leva ao mesmo resultado - atender ao forte lobby pelo protecionismo de grandes produtores. Quem perde com isso? Os consumidores e toda a cadeia produtiva desde a importação até a distribuição, muito mais expressiva na geração de empregos do que a mão de obra no campo.

Outro dado importante é que o produtor brasileiro, acostumado com o protecionismo de mercado, é um dos mais improdutivos do mundo. De acordo com os dados de 2018, divulgados pela Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAOSTAT7, principal fonte de dados sobre a produção de alimentos no mundo, o Brasil ocupa a modesta 24ª posição no ranking mundial de produtividade no cultivo do alho, atrás de países como Chipre, Cazaquistão, Jordânia e Haiti. A produtividade dos produtores brasileiros é de 11,26 toneladas de alho/hectare contra 28,16 toneladas de alho/hectare, na China e 26,63 toneladas/hectare, no Haiti.

Portanto, o problema não está no produtor chinês, mas no produtor brasileiro. Apesar de todas as condições climáticas favoráveis para a produção do alho, os grandes produtores, por meio de sua poderosa entidade associativa ANAPA - Associação Nacional dos Produtores de Alho, controlam a produção nacional para manter os preços elevados do produto, em completo prejuízo sobretudo do consumidor menos favorecido.

Para atender o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT/1994 (Acordo Antidumping), o decreto 8.058, de 26 de julho de 2013 introduziu em nosso ordenamento pátrio que na avaliação da medida antidumping se considerasse também o interesse público, especialmente de consumidores domésticos, e não apenas o interesse privado de produtores nacionais. No entanto, até o presente momento, apesar de suscitado pelos comerciantes importadores de alho, essa exigência nunca fora considerada pela Camex.

Essa imposição arbitrária e perpétua da medida antidumping sobre o alho importado é alimentada pelo discurso montado de que sua extinção acabaria com os pequenos produtores nacionais, prejudicaria a geração de empregos e as receitas públicas com a arrecadação do antidumping.

Outra grande falácia repetida há mais de 25 anos. Primeiro porque o setor é dominado por grandes produtores da região central do país, que ocupam extensas áreas de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais; segundo, a cadeia produtiva do alho após sua importação é muito mais geradora de emprego e renda do que a atividade no campo. As atividades industriais, de logística e comerciais possuem grande capilaridade e, assim, as restrições na importação são prejudiciais ao interesse público econômico e do consumidor; e terceiro, a medida antidumping não tem finalidade arrecadatória. Seria para equilibrar uma prática de dumping, quando comprovadamente o país exporta para o Brasil um produto a preço (preço de exportação) inferior àquele que pratica para o produto similar nas vendas para o seu mercado interno (valor normal) e essa diferença de preço implique prejuízos comprovados ao nosso país.

Infelizmente, contrariamente às normas internacionais de comércio exterior, os processos conduzidos unilateralmente pela Camex estão longe de comprovar efetivamente que o alho chinês é vendido na China por preço superior ao de exportação para o Brasil. E quanto ao requisito da comprovação do prejuízo, prevalecem as alegações dos produtores brasileiros, diretamente interessados na aplicação da medida antidumping aos importadores a fim de manterem o controle dos preços elevados.

Em síntese, a depender do protecionismo comercial aos produtores brasileiros de alho e seu controle de preços, os consumidores de baixa renda permanecerão sem acesso a esse importante tempero de nossa culinária.

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1- BOEING, Guido; SEBEN, João Carlos. Estudo de economia e mercado de produtos agrícolas. Alho. Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina. Florianópolis, 1995. 114p. p. 95. Disponível aqui..

2- CONAB. Análise mensal - Alho. Outubro/2020. Mercado Nacional. 1. Preços Pagos ao Produtor, Preços no Atacado e no Varejo. Clique aqui..

3- SANTOS, Karla Brito dos.; GOMES, Jaíra Maria Alcobaça; GOMES, Regina Lucia Ferreira. Repercussões da concorrência do Alho (Allium sativum L.) importado no mercado local. Espacios. Vol. 37 (Nº 05) Año 2016. Pág. 11. Disponível aqui..

4- Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAOSTAT. Disponível aqui..

5- CONAB. Análise mensal - Alho. Outubro/2020: A principal origem das importações entre janeiro e outubro foi a Argentina, representando 53,2% do valor total importado (US$ 129,2 milhões) e 39,0% da quantidade (63,4 mil t), a um preço médio de US$ 2.036,0/t FOB no período. Foi seguida pela China, representando 34,6% do valor total importado (US$ 84,1 milhões) e 49,8% da quantidade (81,1 mil t), a um preço médio de US$ 1.037,6/t FOB. Clique aqui..

6- A primeira vez em que imposta a medida antidumping foi com a Portaria Interministerial MICT/MF nº 13, de 29 de agosto de 1995, publicada no D.O.U. de 30 de agosto de 1995.

7- Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAOSTAT. Clique aqui. e Disponível aqui.

 

 

Herculano Gonçalves de Oliveira Filho

Herculano Gonçalves de Oliveira Filho

Presidente da ANIA - Associação Nacional dos Importadores de Alimentos e Bebidas, empresário e administrador de empresas.

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