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A prorrogação de contratos administrativos e a nova lei de licitações

A Lei de Licitações contempla hipóteses excepcionais de prorrogação da validade dos contratos administrativos para além do prazo comum.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Atualizado em 28 de janeiro de 2021 09:15

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A lei 8.666 de 1993, também conhecida como Lei de Licitações, estabelece as normas que regem os procedimentos licitatórios, bem como os contratos que envolvem a Administração Pública.

Ao contrário de praticamente todos os outros serviços contratados pela Administração, adstritos à vigência dos créditos orçamentários respectivos, os chamados "serviços continuados", ou seja, aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar determinada conduta de forma alongada no tempo, possuem limitação temporal máxima de 60 (sessenta) meses de duração, sempre que mantenham condições vantajosas para a Administração. É o que prevê o art. 57, inciso II1, da referida lei.

A Lei de Licitações contempla, contudo, hipóteses excepcionais de prorrogação da validade dos contratos administrativos para além do prazo comum. O art. 57, § 4º, por exemplo, aponta que "em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses".

Isto é, temos o limite de dilação dos contratos de prestação de serviços continuados, fixado em 60 (sessenta) meses, por um lado, e, por outro, a possibilidade excepcional de prorrogação suplementar dos contratos administrativos por mais 12 (doze) meses.

A "excepcionalidade" a que faz referência a legislação nunca esteve tão presente como hoje. Não há, na história recente, situação que melhor se qualifique como excepcional do que a crise sanitária do novo coronavírus que estamos vivendo. Em 11/3/20, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o estado de pandemia mundial provocado pela propagação do vírus Sars-Cov-2, também conhecido como covid-19.

Ainda no tocante às prorrogações excepcionais dos prazos das contratações realizadas pelo Poder Público, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de controle externo do governo federal, em diversas oportunidades reconheceu a legalidade da prorrogação dos contratos de execução contínua, com base no citado § 4º, do art. 57, da Lei de Licitações, para além de 60 (sessenta) meses. Por meio do acórdão 1.159/08, por exemplo, determinou que "a prorrogação contratual por até mais doze meses aplicável a serviços contínuos, além do limite de sessenta meses previsto, somente é pertinente em situações excepcionais ou imprevistas, diante de fato estranho à vontade das partes".

Em outra oportunidade, o TCU, ao proferir o acórdão de 429/10, determinou à Administração que "utilize a faculdade prevista no § 4º do art. 57 da lei 8.666/93 somente em caráter excepcional ou imprevisível, para atender fato estranho à vontade das partes, abstendo-se de realizá-la apenas com a justificativa de preços mais vantajosos à Administração.".

Não restam dúvidas de que a superveniência de uma pandemia enquadra-se com perfeição no que o órgão de contas entende por situação excepcional, imprevista e alheia à vontade das partes. Também resta nítido que a vontade do legislador, ao prever na legislação a possibilidade de prorrogação suplementar, ancora-se no princípio da proporcionalidade, que orienta buscar sempre a solução mais vantajosa para a Administração Pública, mas sem deixar de considerar os interesses econômicos mínimos do contratado.

Assim, entendemos que o surgimento de uma pandemia é motivo suficiente, seja à luz da jurisprudência, seja aos olhos da legislação, para a autorização de prorrogação dos contratos administrativos de ordem continuada.

Outrossim, também devemos sublinhar que a intenção primária do legislador no que diz respeito à possibilidade de prorrogação dos contratos administrativos, manifestada quando da elaboração da Lei de Licitações, permanece válida.

Na quinta-feira, 10/12/20, o Plenário do Senado Federal aprovou o projeto de lei (PL) 4.253/20, criador de um novo marco legal destinado a substituir a Lei das Licitações (lei 8.666/93), a Lei do Pregão (lei 10.520/02) e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC - lei 12.462/11), para além de agregar temas interligados.

Ainda que pendente de sanção do Presidente da República, o texto aprovado no exame parlamentar já nos permite constatar que o instituto da prorrogação dos contratos administrativos, mesmo que sob outro formato, deverá continuar presente na legislação nacional.

O art. 105 do projeto de lei (PL) 4.253/20 preceitua que "a Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 5 (cinco) anos nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos". Por outro lado, o art. 106 do mesmo projeto estabelece que "os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes.".

Na comparação entre a hipótese legal hoje vigente e a nova disciplina aprovada pelo Congresso Nacional por meio do projeto de lei (PL) 4.253/20, percebe-se que o legislador manteve a possibilidade de prorrogação dos contratos administrativos, eliminando, contudo, os elementos de subjetividade na análise que compete ao administrador realizar. Fugindo de conceitos subjetivos, que abrem campo para interpretações diversas, o Congresso Nacional estabeleceu requisitos objetivos de análise, para além de possibilitar uma prorrogação até o máximo de 10 (dez) anos de vigência.

À guisa de conclusão, parece-nos certo que a pandemia do novo coronavírus qualifica-se, à perfeição, como situação atípica ensejadora de prorrogação de contratos administrativos nos termos da legislação atual, mas que, com a sanção presidencial ao projeto de lei (PL) 4.253/20, a subjetividade hoje presente nas análises das prorrogações contratuais deverá ser afastada, impondo-se tão somente requisitos objetivos para sua autorização.

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1 Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses

Rafael Papini Ribeiro

Rafael Papini Ribeiro

Pós-graduado atuante na área de licitações.

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