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O processo coletivo como resposta à litigiosidade repetitiva

O processo coletivo como resposta à litigância repetitiva, especialmente por promover o acesso à justiça, aumentar o alcance da qualidade da sentença e diminuir formação de decisões conflitantes.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Atualizado às 09:30

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em uma sociedade civil globalizada, industrializada e consumidora, a comunidade jurídica fala, agora, em robôs, big data, jurismetria, analytics e machine learning para dar uma resposta às demandas em massa.

É fato que o volume da litigância cada vez mais aumenta, de modo a tornar hercúleo o desafio da judicatura.

Os meios consensuais têm sido estimulados, como forma a também proporcionar o tratamento do conflito, pois a solução adjudicada não é o único caminho existente.

Outra possibilidade de resposta, a essa litigância repetitiva, é o fomento pelo processo coletivo1, que surgiu com as três ondas renovatórias2, de acesso à justiça, defendida por Mauro Cappelletti.

Os principais aspectos do processo coletivo estão delimitados a legitimidade, litispendência, coisa julgada e interrupção da prescrição para ajuizamento de demanda individual.   

A legitimidade ativa, quando se trata de processo coletivo, pode ser denominada como extraordinária e por substituição, pois a lei conferiu à algum ente a possibilidade de substituir o titular do interesse subjetivo. A esse respeito:

"a forma correta de legitimação deve ser a ora trabalhada da legitimidade extraordinária por substituição processual, onde 'o autor é substituto processual, agindo naturalmente sem necessidade de autorização, em nome do direito subjetivo de outrem, de forma exclusiva' pois os próprios titulares individuais não podem fazer valer diretamente seus direitos subjetivos coletivos" (THAMAY, p. 7, 2014)

A análise da legitimidade ativa é feita pelo magistrado, assim como o controle de representação adequada e a pertinência temática3.

As associações, no tocante à legitimidade, têm tratamento diferente, conforme julgamento do RE 573.232/SC e do RE 612.043/PR, porque não são mais consideradas como substitutas extraordinárias. Ao invés disso, referido julgamento estabeleceu que são meras representantes daqueles associados que, expressamente, autorizaram a demanda em seu nome.

Entretanto, a necessidade dessa autorização diminui o alcance da respectiva coisa julgada, pois delimita seus efeitos em relação as pessoas que, prévia e expressamente, autorizaram a "representação".

A propósito, o doutorando em Direito, Gustavo Viegas Marcondes, apontou que a expressão "representar", constante da CF no art. 5º, XXI, não significa impossibilidade de "substituir":

"não é possível inferir do disposto no art. 5º, XXI, da CF (LGL\1988\3) a conclusão de que a concessão de poderes às entidades associativas para representar seus integrantes judicial ou extrajudicialmente também signifique a vedação, às mesmas entidades, para substituir os membros do grupo, classe ou categoria" (MARCONDES, p. 8, 2019)

Em relação à litispendência no processo coletivo, o critério de tríplice identidade (mesma parte, mesma causa de pedir e mesmo pedido), por si só, não alcança a finalidade da acepção da litispendência, que é servir de pressuposto negativo e evitar a pendência de causa, porque nem sempre a mesma parte repete a ação. Pode ocorrer uma demanda cujo pedido e a causa de pedir coincidam com outra demanda coletiva, mas tendo autor diverso.

Nessa hipótese, o STJ, no julgamento do REsp 1.726.147, apesar da inexistência de identidade de parte, aplicou a litispendência e extinguiu o processo repetido. A instância especial considerou os possíveis beneficiários do interesse pleiteado, e não o legitimado extraordinário, constante do polo ativo.

Apesar do acerto do STJ, ao analisar a litispendência mencionada, o melhor cenário seria a inclusão desse conceito na legislação, de modo a haver uma litispendência com outros requisitos no processo coletivo.

Por outro lado, a doutrina aponta solução alternativa para a hipótese de litispendência, ao invés de se extinguir um deles, orienta a reunir4 os processos, o que contribui para primazia do julgamento de mérito.

Em relação a coisa julgada5, o processo coletivo obedece a três regimes, conforme art. 103 do CDC. Leva em conta a espécie de direito e o interesse tutelado.

Assim, a coisa julgada pode ser pro et contra (produção de efeito na procedência ou improcedência); secundum eventum litis (produção de efeito somente na procedência); e secundum eventum probationis (ocorre pelo esgotamento das provas).

Para os casos de direito difuso e coletivo, a coisa julgada material "erga omnes" opera a qualidade pro et contra, ou seja, exceto se a improcedência do pedido decorrer de insuficiência de prova, mas não obsta o ajuizamento de ação individual com a mesma causa de pedir.

Sobre o direito individual homogêneo, a coisa julgada material só opera na hipótese de procedência, ou seja, secundum eventum litis. A improcedência, por sua vez, só faz coisa julgada material inter partes.

Em relação a prescrição, segundo o STJ, a citação válida, em processo coletivo6, configura causa interruptiva do prazo prescricional para ajuizamento de ação individual.

Entretanto, muito embora o entendimento superior seja esse, é evidente que a pretensão coletiva é diferente da individual. Nesse sentido:

"a natureza jurídica dos direitos deve ser avaliada a partir das pretensões deduzidas pelos interessados. Em se tratando de direitos coletivos lato sensu, haverá pretensões difusas, coletivas stricto sensu ou individuais homogêneas - para manter a nomenclatura tradicional -, que não se confundem com as individuais puras" (ABBOUD, SCAVUZZI e TESCARI, p. 11. 2020).

O interessado não fica impedido de promover sua demanda individual, portanto, não justifica a interrupção da prescrição, pela simples citação válida em processo coletivo.

De qualquer modo, o processo coletivo é uma resposta à litigância repetitiva, especialmente porque promove o acesso à justiça, aumenta o alcance da qualidade da sentença e diminui formação de decisões conflitantes. Além disso, muito embora não impossibilite o paralelo ajuizamento de ação individual, pode servir de causa para sua suspensão, se o conflito for o mesmo, o que proporciona uma solução uniformizada (tema repetitivo 923)7.

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1- Em relação a conceito, vale conferir: "O processo é coletivo se a relação jurídica litigiosa é coletiva. Uma relação jurídica é coletiva se em um de seus termos, como sujeito ativo ou passivo, encontra-se um grupo (comunidade, categoria, classe etc.; designa-se qualquer um deles pelo gênero grupo). Se a relação jurídica litigiosa envolver direito (situação jurídica ativa) ou dever ou estado de sujeição (situações jurídicas passivas) de um determinado grupo, está-se diante de um processo coletivo" (DIDIER. ZANETI, p. 2, 2014)

2- (THAMAY, p. 28, 2014)

3- Nesse sentido: "havendo manifesta inadequação na representatividade, é conveniente que o juiz - de ofício, a pedido do Ministério Público ou de qualquer outro colegitimado -, tome medidas a evitar qualquer prejuízo aos interesses envolvidos, com base em seu poder-dever de garantir uma prestação jurisdicional qualificada" (Caldo, p. 9. 2012).

4- (DIDIER. ZANETTI. p. 170, 2019)

5- "A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. O que diferirá com o 'evento da lide', não é a formação ou não da coisa julgada, mas o rol de pessoas por ela atingida" (GIDI, p. 73, 1995)

6- AgInt no AREsp 1264833/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 25/05/2020

7- MOREIRA, BAGATIN, ARENHART, FERRARO, p. 228, 2016.

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ABBOUD, Georges. SCAVUZZI, Maira Bianca. TESCARI, Renato Mantoanelli. A interrupção da prescrição individual em razão do ajuizamento de ação coletiva: comentários ao acórdão exarado no recurso especial 1.641.167/RS. Revista dos Tribunais online. Revista de Processo. vol. 304/2020. 2020.

CALDO, Diego Santiago Y. Legitimidade e a representatividade adequada nas ações coletivas um estudo comparado entre a legislação brasileira e a experiência norte-americana. Revista dos Tribunais online. Revista de Processo. vol. 205/2012. p. 231-248. 2012.

DIDIER, Fredie Jr. ZANETI, Hermes Jr. Conceito de processo jurisdicional coletivo. Revista dos Tribunais online. Revista de Processo. vol. 229/2014, p. 273-280.2014.

GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos. São Paulo: Ed. RT, 2007.

GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência. São Paulo: Saraiva, 1995

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo et al. Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

MAGALHAES, Diego de Castilho Suckow Magalhães. Vieira, Ana Lúcia. Direito, Tecnologia e Disrupção. IN: Revista CNJ. vol 4, nº 1. Jan/Jun. p. 40. 2020.

MARCONDES, Gustavo Viegas. Para além da dicotomia entre representação ou substituição processual: análise dos impactos do julgamento do re 573.232/sc e re 612.043/pr para o processo coletivo brasileiro. Revista dos Tribunais online. Revista de Processo. vol. 295/2019. p. 331-350. 2019.

MARQUES, Wilson. Limites subjetivos da coisa julgada nas ações difusas, coletivas e individuais homogêneas. Revista da EMERJ, v.4, n.15, p. 129/141. 2001.

MOREIRA, Egon Bockamnn; BAGATIN, Andreia Cristina; ARENHART, Sérgio Cruz; FERRARO, Marcella Pereira. Comentários à lei de ação civil pública: revisitada, artigo por artigo, à luz do Novo CPC e temas atuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

THAMAY, Rennan Faria Krüger.  O processo civil coletivo: legitimidade e coisa julgada. Revista dos Tribunais online. Revista de Processo. vol. 230/2014, p. 255-286. 2014.

REsp 1726147/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019

Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (2018), com Extensão em Arbitragem pela mesma instituição (2018) e Extensão em Direito Imobiliário pelo Mackenzie (2017). Atualmente é advogado no Itaú Unibanco.

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