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O uso de equipamentos móveis com GPS e a impossibilidade de controle de jornada

Em meio à pandemia, o debate a respeito do controle de jornada via aparelhos eletrônicos, dentro de empresas grandes e pequenas, se tornou mais relevante às relações de trabalho, cada vez mais voláteis.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Atualizado às 09:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Os efeitos devastadores da pandemia ocasionados pelo novo coronavírus estão longe do fim, embora as vacinações sejam um grande avanço para a desaceleração da contaminação e retomada mais célere da normalidade.

Sabe-se que as adaptações a esse momento atual redefiniram alguns aspectos das relações de trabalho. No entanto, não é a primeira vez que as leis trabalhistas são remodeladas para se adequar às novas facetas do trabalho: a Terceira Revolução Industrial inseriu, com veemência, a robótica, a genética, a informática e as telecomunicações nos meios de produção.

Nesse sentido, uma das maiores discussões dentro do âmago trabalhista é a possibilidade do controle de jornada remoto, através de aparelhos que possuem acesso ao Global Positioning System, o GPS.

O maior exemplo, e pilar deste debate, é o art. 62 da CLT1, que destaca os funcionários que não se encaixam na jornada tradicionalmente positivada, são aqueles que cumprem seu horário laboral afastados dos seus empregadores.

É importante mencionar, sobre isso, a indispensabilidade de que a condição especial esteja registrada na Carteira de Trabalho e Previdência (CTPS) do colaborador - este é o primeiro passo para que a jornada do trabalhador esteja categorizada dentro do art. 62, podendo, assim, ser tratado de forma excepcional.

Vale ressaltar, contudo, que é essencial a comprovação da autonomia do trabalhador para o cumprimento de suas atividades diárias, sem interferência direta ou indireta do empregador, pois caso haja, mesmo indiretamente, a possibilidade de realizar o controle de jornada, assim deve ser feito.

Como já mencionado, uma forma de controle de jornada externa que movimentou a jurisprudência foi a utilização de aparelhos móveis com a função de localização via GPS.

A impossibilidade de vincular o acesso de um aparelho ao GPS ao controle de jornada externo

A tecnologia atual permite que, praticamente, qualquer aparelho com compartilhamento de dados possa utilizar a funcionalidade do GPS, entretanto muitos juristas acreditam que a mera presença do mecanismo não caracteriza o devido controle de jornada. 

No TST, houve uma reclamação trabalhista2, envolvendo a empresa "Gafor S/A" e um de seus funcionários, em que foi pleiteado o controle de jornada por meio do GPS, já que o funcionário estava sempre com esse recurso ativo. Entretanto, o ministro Caputo Bastos, em oposição a tal pleito, deferiu o recurso da empregadora, sustentando que a função do GPS servia apenas para localizar a carga em transporte e, ademais, este elemento isolado não pode caracterizar controle de jornada.

O ministro ainda equiparou o GPS ao tacógrafo, ou seja, para ambas as ferramentas se aplicaria a OJ 3323, a qual preceitua que a mera existência de um tacógrafo no veículo não se enquadra como controle de jornada externo. 

Surge, então, um questionamento: quando o GPS não está associado a nenhum produto a ser transportado, como no exemplo anterior, poderia ele ser utilizado para o controle de jornada?

O controle de jornada externa nos dias atuais

Seguindo a mesma linha de raciocínio do recente entendimento do TST, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em julgamento de reclamação trabalhista envolvendo um funcionário da empresa "Kantar Ibope Pesquisa de Mídia Ltda.", em que se pleiteava o controle externo, já que o empregado carregava consigo um tablet com funcionalidade de GPS, sedimentou no acórdão que a portabilidade do tablet não se presta a esse fim, pois o sistema de GPS de smartphones e tablets são ativados pelo próprio usuário.

A própria relatora do processo se posicionou no sentido de que: "Entender o contrário seria o mesmo que declarar que todo trabalhador que trabalhasse externamente e possuísse como ferramenta de trabalho notebook, celular, tablet ou que tivesse acesso à internet, sofreria controle de jornada do empregador"

Nesse ínterim, a mera capacidade de localizar o funcionário por meio de um aparelho eletrônico não é o suficiente para caracterizar o controle de jornada externa. É necessário que o trabalho se enquadre no artigo 62, inciso I, e 74, parágrafo 3º, da CLT, conforme indica o seguinte trecho do acórdão:

"Sabe-se, todavia, que não é apenas o serviço externo, por si só, que exclui a limitação da duração do trabalho, mas sim serviço externo incompatível com a fixação direta ou indireta de horário de trabalho, nos termos do próprio dispositivo legal (artigo 62, inciso I, da CLT). Ainda que a atividade seja de serviço externo, como no caso do reclamante, se há meios de controle do tempo efetivamente trabalhado, não está o empregado incluído na exceção legal que afasta as regras de limitação da duração do trabalho".

Em caso de jornada externa, existem outras maneiras para realizar o devido registro dos horários, como sujeitar o trabalhador às metas de visitas; à produção mínima diária; à realização de relatórios e roteiros pré-definidos.

Diante do exposto, o principal a ser assimilado é a impossibilidade de controlar a jornada apenas com a presença de um aparelho com o recurso do GPS, afinal essa ferramenta, de maneira isolada, não é capaz de efetivamente indicar controle de jornada por parte do empregador, e entendimento diverso pode ensejar ônus ao empregador do qual não poderia suportar - a comprovação de controle de jornada somente em razão do uso de equipamentos móveis com dispositivos de GPS, conforme tese que já vem sendo adotada pela jurisprudência atual. 

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1 Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
Inc. I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
2 HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. RASTREADOR. PROVIMENTO. Há de ser processado o recurso de revista quando a parte demonstra efetiva divergência jurisprudencial, a partir de julgado que defende tese contrária à adotada pelo egrégio Colegiado Regional. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA. RASTREADOR. CONHECIMENTO. A utilização do rastreador - instrumento por meio do qual se pode saber e determinar a localização e, em alguns casos, a velocidade do veículo, não se apresenta como suficiente para a conclusão de que haveria possibilidade de controle de jornada de trabalho do reclamante. A finalidade de tal instrumento, em casos tais, é sem dúvida a localização da carga transportada e não da quantidade de horas trabalhadas. A mesma conclusão se impõe em relação ao tacógrafo (Orientação Jurisprudencial nº 332 da SBDI - 1). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. 2. MULTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. NÃO CONHECIMENTO. Sempre que o intento protelatório dos embargos de declaração ficar demonstrado às escâncaras, como no caso, em que mesmo após explícitas razões de convicção seguiu-se a interposição de embargos de declaração ao pretexto de requerer prestação jurisdicional aperfeiçoada, deve o órgão julgador valer-se da multa Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1000AAADF6B943DB6F. Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho fls.2 PROCESSO Nº TST-RR-1712-32.2010.5.03.0142 Firmado por assinatura digital em 15/05/2014 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, nos termos da Lei nº 11.419/2006, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira. prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC. Não configurada, pois, a alegada violação do artigo 5º, XXXV e LV, da Constituição Federal. Recurso de revista de que não se conhece.
3 MOTORISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DE JORNADA POR TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO 816/86 DO CONTRAN (DJ 09.12.2003)
O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho do empregado que exerce atividade externa.

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SAJ ADV. Trabalho externo e controle de jornada pelo empregador. Acesso em: 25 fev. 2021.
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Entrevistador de mídia que usava tablet com GPS não comprova controle de jornada. Acesso em: 25 fev. 2021.
ABRAT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS. TST afasta utilização de GPS para controle de jornada de caminhoneiro. Acesso em: 25 fev. 2021.

 
Beatriz Tadim Carvalho

Beatriz Tadim Carvalho

Graduanda de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e colaboradora do Petrarca Advogados.

Vitor Caputo Coelho

Vitor Caputo Coelho

Graduando de Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa do Distrito Federal (IDP-DF) e colaborador do Petrarca Advogados.

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