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A aplicabilidade da analogia in bonam partem nos casos de reincidência de crimes não específicos

A analogia in bonam partem é aplicada nos casos em que há lacunas na lei e, após a alteração do artigo 122 da lei de execução penal, o STJ adotou o mecanismo para suprir a necessidade legal.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Atualizado às 12:17

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

A analogia, no Direito Brasileiro, é um mecanismo de suprimento de lacunas existentes no diploma legal. Para que ela seja aplicada são necessários dois pressupostos: a existência da lacuna na lei e a existência de uma solução legal já proferida anteriormente.  Entretanto, só é admitido a analogia in bonam partem que segundo André Estefam "aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da infração penal".

A lei Federal 7.210/84 previa a fração de 1/6 para a progressão de regime de todos os delitos praticados. Após, houve a implementação da lei Federal 11.464/07 que modificou a fração de progressão de regime para os crimes hediondos, definindo a fração de 2/5 para réu primário e 3/5 para reincidente.

Acontece que, com a inserção do "pacote anticrime" - lei Federal 13.964/19, houve novamente a alteração de fração para progressão de regime, que passou a redigir com a seguinte alteração:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:    (Redação dada pela lei 13.964/19)

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;  (Incluído pela lei 13.964/19)

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela lei 13.964/19)

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela lei 13.964/19)

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; (Incluído pela lei 13.964/19)

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela lei 13.964/19)

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela lei 13.964/19)

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela lei 13.964/19)

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela lei 13.964/19)

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela lei 13.964/19)

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela lei 13.964/19)

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Incluído pela lei 13.964/19)

Insta salientar que para os delitos praticados antes da implementação da lei Federal 11.464/07 é aplicada a fração de 1/6 para progressão de regime, inclusive para os delitos hediondos, por ser a lei mais benéfica ao réu, de acordo com o artigo 5º, inciso XL da CF e artigo 2º do Código Penal.

Com o advento da lei 11.464/07 a progressão dos crimes hediondos seria plausível após o cumprimento da fração de 2/5 se o condenado for réu primário, e 3/5 em caso de reincidentes, mantendo a fração de 1/6 para os delitos comuns.

Entretanto, a inserção do Pacote Anticrime resultou em uma lacuna no que tange à reincidência de crimes não específicos. Em outras palavras, a mudança dos critérios objetivos para progressão de pena passou a contar a reincidência de crimes hediondos ou equiparados e não mais a reincidência genérica de crimes.

Diante disso foi impetrado o Habeas Corpus 581.315, em que foi proferida a decisão a fim de suprir a lacuna existente:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. APENADO REINCIDENTE. REQUISITO OBJETIVO. LEI N. 13.964/2019. LACUNA NA NOVA REDAÇÃO DO ART. 112 DA LEP. INTERPRETAÇÃO IN BONAM PARTEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PARECER ACOLHIDO. 1. A Lei de Crimes Hediondos não fazia distinção entre a reincidência genérica e a específica para estabelecer o cumprimento de 3/5 da pena para fins de progressão de regime, é o que se depreende da leitura do § 2º do art. 2º da Lei 8.072/1990: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). 2. Já a lei 13.964/19 trouxe significativas mudanças na legislação penal e processual penal, e, nessa toada, revogou o referido dispositivo legal. Agora, os requisitos objetivos para a progressão de regime foram sensivelmente modificados, tendo sido criada uma variedade de lapsos temporais a serem observados antes da concessão da benesse. 3. Ocorre que a atual redação do art. 112 revela que a situação ora em exame (condenado por crime hediondo com resultado morte, reincidente não específico) não foi contemplada na lei nova. Nessa hipótese, diante da ausência de previsão legal, o julgador deve integrar a norma aplicando a analogia in bonam partem. Impõe-se, assim, a aplicação do contido no inciso VI, a, do referido artigo da Lei de Execução Penal, exigindo-se, portanto, o cumprimento de 50% da pena para a progressão de regime, caso não cometida falta grave. 4. Ordem concedida para que a transferência do paciente para regime menos rigoroso observe, quanto ao requisito objetivo, o cumprimento de 50% da pena privativa de liberdade a que condenado, salvo se cometida falta grave. (STJ - HC: 581315 PR 2020/0113267-6, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 06/10/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2020) (grifo nosso)

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça prevê o uso da analogia in bonam partem a fim de suprir a lacuna existente e, portanto, deve o julgador analisar e julgar de acordo com a norma mais benéfica ao réu.

__________

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984.

BRASIL. Lei dos crimes hediondos. Lei nº nº 11.464 de 28 de março de 2007.

BRASIL. Lei nº nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019.

ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Disponível aqui. Acesso em: 24 fev. 2021.

Déborah Karine Vagner

Déborah Karine Vagner

Acadêmica do 3º ano do curso de Direito na Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE.

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