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O artigo 171, §5 do CP e um possível caminho a ser trilhado pela 3° Seção do STJ: será um caminho de pacificação jurisprudencial?

O presente artigo visa elucidar o seu leitor dos entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores e uma possível pacificação do tema pela 3° Seção do STJ.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Atualizado às 12:32

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

A lei 13.964\19, denominada "pacote anticrime", promoveu diversas alterações, sejam elas de cunho material, processual ou material e processual, em diversos diplomas normativos. Umas das diversas alterações realizadas pela lei dita supra, foi em relação ao crime de estelionato, inserindo em sua estrutura normativa o §5, alterando a sua natureza em relação ao instituto da ação penal.

Ao ler o artigo 171, §5 do CP, irá se deparar com um novo parágrafo, parágrafo este que torna o estelionato um crime de ação penal pública condicionada à representação, salvo em casos de estelionato contra: i) administração pública, direta ou indireta; ii) crianças ou adolescentes; iii) pessoas com deficiência mental; iv) maior de 70 anos ou incapaz; que, por sua vez, continuaram possuindo natureza de ação penal pública incondicionada.

Dessa forma, quando se trata de mudanças legislativas quanto a ação penal de uma respectiva infração penal, como é o caso do artigo 171, §5 do CP, podemos estar diante uma alteração mais benéfica ou mais maléfica quanto ao réu. O caso em questão, trata-se de um crime que deixou de ser incondicionada, portanto, o parquet atuava de ofício no oferecimento ou não da denúncia, para ser condicionada à representação, é dizer, para que sejam instaurados os Inquérito Policiais, previsto no artigo 5°, §4 do CPP, e o oferecimento da denúncia pelo MP - questão de procedibilidade, sob pena de ser rejeitado (artigo 395, inciso II do CPP) ou ser declarado nulo (artigo 564, inciso III, alínea "a" do CPP), após a conclusão do procedimento administrativo inquisitivo, é necessário que haja à representação da vítima ou do seu representante legal, no prazo de 6 meses, a partir do momento em que se tem ciência da autoria do crime, conforme o artigo 38 do CPP, caso contrário haverá a extinção da punibilidade pela decadência, com fulcro no artigo 107, inciso IV do CP.

Logo, é perceptível que, o crime em questão possui natureza de norma processual material, - norma que abriga naturezas diversas, de caráter penal (tempus delicti - tempo do crime, artigo 4 do CP) e de caráter processual (tempus regis actum - "a lei processual penal será aplicada de imediato, e os atos praticados na vigência da lei anterior são válidos)1. Assim, devido ao fato de, se, no prazo de 6 meses, não houver à representação da vítima ou do seu representante legal, previsto no artigo 39 do CP, haverá a decadência, hipótese de extinção da punibilidade, o que, em relação ao seu caráter material, configura ser mais favorável ao imputado, devendo retroagir para atingir aos fatos praticados anteriormente a sua vigência.

 Contudo, muito se discute até que momento o crime de estelionato poderá retroagir, seja ele na fase preliminar, anteriormente ao oferecimento da denúncia aos crimes praticados anteriormente ao "pacote anticrime" ou se retroagirá mesmo que já tenha denúncia oferecida.

A 5° turma do STJ, no informativo 674, em sede de HC 573.093-SC, na relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca2, decidiu que, devido ao "silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade"

Nas palavras do eminente ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do HC, "em situação semelhante, mas não idêntica, com a entrada em vigor do art. 88 da lei 9.099/95, foi estabelecido que: "além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, passaria a depender de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Àquela época, especialmente em razão do art. 91 da lei 9.099/95, entendeu-se que, relativamente aos processos em curso, seria necessária a juntada aos autos da representação, sendo necessária a notificação da vítima (ou do seu representante legal ou dos seus sucessores) para, no prazo de 30 dias, oferecer a representação, sob pena de decadência. Contudo, na hipótese vertente, a lei 13.964/19 não trouxe qualquer previsão a respeito do tema, o que, em síntese, não revela a intenção do legislador em aplicar o novo entendimento às ações penais em trâmite".

Diante disso, o relator do Habeas Corpus supra segue o entendimento majoritário da doutrina, como, por exemplo, no posicionamento de Rogério Sanches, Promotor de Justiça de São Paulo, no qual o mesmo diz que "tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos de punibilidade, a regra do § 5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. Aqui temo que diferenciar duas hipóteses: a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da lei 9.099/95)".

De outro lado, dando início a uma divergência jurisprudencial no mesmo tribunal, a 6° turma do STJ, no informativo 6773, adota um posicionamento contrário a 5° turma do mesmo tribunal, causando um conflito jurisprudencial no STJ. A 6° turma do STJ, posicionou-se no sentido, minoritário, da retroatividade do § 5º do art. 171 do CP, alcançando todos os processos em curso, ainda sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal, aplicando de forma analógica o art. 91 da lei 9.099/95.

Data vênia ao posicionamento do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, é perceptível a existência de uma lacuna acerca de qual momento é possível a retroatividade da representação no crime de estelionato praticado anteriormente a vigência do "pacote anticrime". Ademais, nada obstante, tal lacuna deve ser suprida diante a aplicação analógica do artigo 91 da lei 9.099\95 c\c artigo 3° do CPP, por se tratar de uma interpretação, mas benéfica ao réu. O que, nas palavras de Rômulo Moreira4, "não havendo previsão específica na nova lei, entendo que, por aplicação analógica, deve ser observado o prazo contido no artigo 91 da lei 9.099/95. O prazo será de 30 dias (contado a partir da data notificação5), ao final do qual será declarada a extinção da punibilidade pela decadência, caso não seja juntada a representação".

Todavia, a 1° Turma do STF, novamente em sede de HC187.341/SP, na relatoria do ministro Alexandre de Morais6, acompanhando o entendimento da 5° do turma do STJ, decidiu pela "inaplicabilidade da retroatividade do §5º do artigo 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da lei 13.964/19; uma vez que, naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo".

Partindo desse pressuposto, estamos diante uma divergência jurisprudencial, dita supra, em um mesmo tribunal superior, o STJ. Com isso, a luz do Habeas Corpus 610.201/SP, a 3° Seção irá, como já estar, se debruçar sobre o tema com o intuito de pacificar o tema no mesmo tribunal.

O julgamento do HC 610.201/SP ainda encontra-se em julgamento, pois o ministro Felix Fischer pediu vista para melhor analisar a matéria, possuindo apenas três votos que em sua essência divergem entre si. O primeiro voto foi do Ministro Nefi Cordeiro, relator do respectivo HC, que discordou do posicionamento adotado pela 1° turma do STF, abordando que é da competência do STJ definir a natureza da norma em questão, o que, posteriormente, foi alvo de divergência pelo Ministro Ribeiro Dantas.

Ressaltou o Ministro Nefi Cordeiro que, embora a alteração da lei "anticrime" tenha criado uma condição a mais para a ação penal, a norma tem natureza penal porque afeta o direito do Estado de punir, assim, deve retroagir em benefício do réu. Por fim, seguiu sua linha de pensamento no risco grave de afronta à isonomia, quando "duas pessoas que pratiquem estelionato no mesmo dia, na mesma hora, podem ter a denúncia afetada com uma semana de antecedência".

Em contrariedade ao voto do Ministro relator, entende que não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, nem ao Judiciário como um todo, chegar à conclusão de que a norma presente na lei 13.964\19 é de cunho material, pelo simples fato do Congresso, ao editá-la, não chegou a essa conclusão, limitando o alcance em que a norma pode ter.7 Tal posicionamento foi seguido pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, mantendo a divergência, destacando que "entendo que a questão da retroatividade da norma penal, ainda que mais benéfica ao réu, tem que observar marcos temporais. Não optaria pelo oferecimento da denúncia. Mas a denúncia recebida, ela forma e consolida a relação processual".

Diante a tudo que foi exposto, a 3° Seção tende a seguir, em minha singela opinião, o posicionamento da 5° turma do mesmo tribunal, posição esta majoritária na doutrina e na jurisprudência, é dizer, retroagir ao crime de estelionato praticado anteriormente a vigência do "pacote anticrime" somente quando ainda não houve o oferecimento da denúncia.

___________

1- LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. - Salvador: Ed. JusPodivm,2020.

2- Informativo 674 STJ - HC 573.093-SC. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, órgão julgado: 5° Turma. Data do julgamento: 09/06/2020.

3- Informativo 677 STJ - HC 583.837-SC. Min. Relator: Sebastião Reis Júnior. Órgão Julgador: Sexta Turma. Data do Julgamento: 04/08/2020.

4- MOREIRA, Rômulo de Andrade. O crime de estelionato depende de representação. Disponível aqui. Acesso em: 20 abr. 2020.

5- Observa-se que, "no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem" (Súmula 710 do STF).

6- Informativo 995 STF - HC 187341-SP. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data do Julgamento: 13/10/2020.

7- STJ começa a julgar divergência sobre retroatividade da lei "anticrime" em estelionato

Rodrigo Oliveira Bacellar Barbosa

Rodrigo Oliveira Bacellar Barbosa

Graduando de Direito da Faculdade Universidade Salvador.

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