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Isonomia e a condição da mulher no mundo e no Brasil

Considerações sobre a luta da mulher pela conquista de seus legítimos direitos.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Atualizado às 12:22

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

1 - Introdução ao tema

Falemos sobre a isonomia de gênero. Afora o modismo dos políticos de plantão que se utilizam da data para manifestações que nem sempre são acompanhadas de atitudes que estejam em sintonia com o discurso, esse tema deve sempre ser objeto de estudos e preocupações, pois os dados que são divulgados corriqueiramente na imprensa nacional e internacional, dão conta da real desigualdade de tratamento entre homens e mulheres.

Devemos, antes de tudo, buscar não apenas da promoção da imagem da mulher, mas da revelação pública dos desafios que lhes são específicos no desempenho de suas atribuições diárias, notadamente profissionais, bem como da contribuição diferenciada que a perspectiva feminina oferece à toda a sociedade. A data de celebração que ora se procura destacar, é, portanto, mais do que uma celebração ou uma honraria: trata-se de um merecido reconhecimento de uma luta incessante que teve seu início ainda no século XVIII e continua até os dias atuais.

Esperamos todos não haver, no futuro, a necessidade de datas comemorativas para a afirmação da isonomia quanto a grupos sociais, de quaisquer naturezas, esperando que no futuro esse debate se mostre obsoleto, assim como o homem não tem O DIA DO HOMEM, esperamos um dia não termos o DIA DA MULHER.

Pensando nesse enquadramento, tomo a liberdade de elencar algumas reflexões que, embora tenham sido expostas em textos, entrevistas e debates anteriores sobre o tema da isonomia de gênero, afiguram-se oportunas nesta data emblemática.

Como todo princípio jurídico que baliza o conceito de justiça, o princípio da isonomia é uma construção histórica cuja evolução, invariavelmente, tem, por origem, o formalismo estéril, conformista, talvez cínico, e, por destino, o essencialismo revolucionário. Certo é que o próprio conceito do que seja essencial, ou material, é também mutável de acordo com a consciência moral de um povo.

Este artigo traça as balizas essenciais da igualdade em geral e procura trazer alguns detalhamentos sobre o histórico da luta pela igualdade de gênero.

2 - Isonomia geral

O Estado é pensado como um ente que tem por objeto organizar a convivência das pessoas em sociedade e a liberdade, nesse processo de harmonização, ganha destaque como primazia, que é da essência da dignidade da pessoa humana. Não há dignidade sem igualdade de tratamento para aqueles que são os destinatários derradeiros dos fins do Estado: a pessoa humana.

Como linha inicial de estudo da igualdade não se pode esquecer que qualquer interpretação sobre a igualdade deve ter como pressuposto a defesa do direito à diferença. Alcançar o equilíbrio entre o direito à igualdade e o direito à diferença é, portanto, um desafio permanente de toda e qualquer sociedade pluralista, e nossa sociedade é desenganadamente uma sociedade pluralista.

O princípio da isonomia, que se remete a Aristóteles, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, regra básica, portanto, para a compreensão desse princípio.

Há posicionamentos doutrinários que estabelecem distinções entre igualdade perante a lei e igualdade na lei. Igualdade perante a lei seria dirigida apenas àqueles que tem como função institucional a aplicação da lei aos casos concretos, já a igualdade na lei é dirigida àqueles encarregados da elaboração das normas jurídicas (legislador). Há de se constatar, no entanto, que essa distinção, acaso aceita, não tem consequências no direito brasileiro eis que o princípio aqui estudado tem como destinatário o legislador e o aplicador da norma jurídica, assim, sem qualquer relevância para nós essa distinção que fica aqui posta apenas como referência do direito comparado.

O princípio da igualdade se desdobra em diversos aspectos, destacando-se:

- isonomia de gênero;

- isonomia jurisdicional;

- isonomia em relação à idade;

- isonomia em relação à origem;

- isonomia tributária;

- isonomia em razão de religião;

- isonomia por convicção política ou filosófica. 

Não se pode deixar de sempre lembrar que todas essas previsões de isonomia, e outras que não foram aqui citadas, constitui-se em casuística desnecessária eis que basta afirmar a isonomia como princípio vetor para se concluir que se aplica a todas essas situações e outras que vieram a surgir. O constituinte pátrio, entretanto, optou por pormenorizar a isonomia, o que podemos até entender que tecnicamente tenha agido mal, uma vez que estamos tratando de direito constitucional logo a abstração deveria ser mais contundente, cabendo ao legislador ordinário o detalhamento das situações à luz do princípio geral da isonomia.

Esse detalhamento em sede constitucional, no entanto, se justifica por questões de políticas de afirmação da isonomia para determinadas categorias sociais, logo, apesar de questionável sob uma perspectiva puramente jurídica, se justifica sob uma perspectiva mais ampla de afirmação de direitos.

3 - Isonomia formal e isonomia material

Tradicionalmente todas as nossas constituições contemplaram o princípio da isonomia, consistente normalmente em supressão de privilégios, sem, contudo olhar para situações socialmente desiguais.

A igualdade jurídico-formal é aquela que se traduz na previsão puramente formal (daí falar-se em isonomia formal) de que todos são iguais. Essa noção de isonomia se perde quando nos deparamos com situações distintas onde o tratamento igualitário se traduz na mais marcante das discriminações.

Ao contrário dessa isonomia formal, temos a isonomia material, que consiste em inserir tratamentos diferenciados para alcançar a verdadeira isonomia. Tratar igualmente pessoas em situações desiguais é violar o princípio da isonomia em sua acepção material. Toda desigualdade impõe um tratamento desigual. Essa a essência da isonomia, isonomia em conteúdo, e não apenas formal, ou seja: trata-se da isonomia material.

Temos aqui, portanto, a análise do princípio da igualdade, não apenas em seu sentido formal, mas também no material, pelo qual se procurará alcançar a verdadeira igualdade, que consiste em dar tratamento igual aos iguais e, considerando as desigualdades, dar tratamento desigual na medida das respectivas desigualdades. Nesse sentido, não se poderia afirmar ser inconstitucional determinada lei que concede tratamento desigual a pessoas, pois somente se poderá apreciar o princípio da igualdade analisando e considerando eventuais desigualdades concretamente verificadas.

Zélio Maia da Rocha

Zélio Maia da Rocha

Formado em Direito pelo UniCeub, advogado, Procurador do Distrito Federal, e atualmente exerce o cargo de Diretor-Geral do Departamento de Trânsito do Distrito Federal. Como advogado acumula ampla experiência nas áreas de direito administrativo e direito constitucional com atuações na Justiça do Distrito Federal e nos tribunais superiores. Foi Secretário de Justiça do Distrito Federal e Conselheiro da OAB-DF na gestão 2004/2009. Como Procurador atuou na procuradoria administrativa e, por último, estava lotado na Procuradoria Especial de Processos dos Tribunais Superiores e Demandas Estratégicas - PROSUP, com atuação perante o Superior Tribunal de Justiça. Professor universitário de direito constitucional e também em cursos preparatórios para concursos e cursos de capacitação em órgãos públicos (STM, MPM, TJDFT, TRF, Justiça Federal, dentre outros). Palestrante na área de direito público e parecerista na mesma área.

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