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Novos incentivos à recuperação extrajudicial na reforma da lei de recuperação de empresas

A lei 14.112/20, que reformou a legislação recuperacional vigente, alterou profundamente o instituto da recuperação extrajudicial, tornando essa forma de reestruturação ainda mais atrativa ao empresário em dificuldades.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Atualizado em 15 de março de 2021 08:43

 (Imagem: Arte Migalhas.)

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em 24 de dezembro de 2020, foi sancionada a lei 14.112/20, que modificou significativamente a legislação recuperacional e falimentar vigente, sendo referidas alterações incorporadas na lei 11.101/05 (LRE). Registre-se que os efeitos dessa mudança passaram a valer a partir do dia 24 de janeiro de 2021 e muito propiciaram o debate acerca das inovações trazidas não só na esfera dos processos de recuperação judicial e falências, mas também no regime da recuperação extrajudicial.

Preliminarmente, é válido mencionar que os meios de soerguimento e reorganização da empresa em dificuldades não se esgotam na esfera judicial. Sabendo deste pressuposto, o legislador da lei 11.101/05 dedicou um capítulo exclusivo para tratar apenas do instituto da recuperação extrajudicial, como uma forma de a companhia devedora ter à sua disposição um meio que viabilizasse a construção de um acordo com alguns grupos selecionados de credores.

Em síntese, na recuperação extrajudicial, ao invés do devedor ingressar desde logo em juízo, tal como ocorre no regime de recuperação judicial, é pactuado primeiramente um acordo com todos os credores, ou parte deles, para tão após requerer a homologação judicial dessa transação, que passa a valer como título executivo.

Dessa forma, além de ser menos custosa, a recuperação extrajudicial também permite com que o acordo seja feito de forma personalizada e menos desgastante, tanto para os credores quanto ao próprio devedor, viabilizando o soerguimento da empresa em dificuldades sem a necessidade de um longo processo judicial.

Ressalta-se, também, que a recuperação extrajudicial é mais flexível e personalizada que a judicial, visto que é realizada a partir da direta negociação entre as partes envolvidas. Dessa forma, possibilitando um acordo entre o empresário e seus credores, a escolha por essa modalidade de reestruturação é fortemente recomendada, haja vista que a avença pactuada entre esses pode trazer disposições e termos que promovam benefícios mútuos.

Observando que a recuperação extrajudicial era um ramo que poderia ser ainda mais desenvolvido, a lei 14.112/20 aprimorou pontos essenciais ao bom funcionamento do instituto. Nesse sentido, na reforma da LRE em 2020, o legislador buscou promover mudanças que de fato incentivassem o empresário em dificuldades a ter à disposição meios além do processo de recuperação judicial comum, visto que a proposta extrajudicial ainda não era tão atrativa nos moldes do texto original da LRE.

É válido salientar que as alterações na Lei de Recuperação e Falências preconizaram diversas novidades e inovações para o ramo, visando, principalmente, tornar esses institutos e seus procedimentos mais semelhantes com a legislação internacional e para trazer maior segurança jurídica aos empresários e aos credores. 

Nesse sentido, destaca-se que antes da alteração, o artigo 161, parágrafo 1º1, vedava de forma expressa a inclusão de passivos trabalhistas na recuperação extrajudicial, sob a premissa de estar garantindo uma proteção, com caráter especial, aos trabalhadores, uma vez que os passivos trabalhistas sempre representam um débito alto em empresas financeiramente instáveis.

No entanto, tal fator era negativo aos trabalhadores, pois tornava a recuperação judicial (que é mais custosa, morosa e inflexível) a única forma que possibilitava o recebimento de seus créditos.

Assim, uma das principais alterações advindas com o art. 161, parágrafo 1º da lei 14.112/202, é a possibilidade de submissão de créditos trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho à recuperação extrajudicial, ou seja, atualmente, é possível aos credores de passivos trabalhistas proporem ou negociarem um plano de recuperação extrajudicial.

Para isso, no entanto, é necessário que, previamente, haja uma negociação coletiva com o sindicato representante da categoria - para que esses possam assegurar a devida proteção ao passivo devido aos trabalhadores.

Cabe mencionar, ainda, que outra mudança primordial introduzida pela lei 14.112/20 ao regime de recuperação extrajudicial foi a redução do quórum para o requerimento e homologação do plano de recuperação extrajudicial. A partir da reforma, o devedor pode requerer a homologação do plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano (art. 163, caput). Insta relembrar que antes esse quórum era de 3/5 dos credores, por onde se infere uma intenção do legislador em incentivar a construção de um plano de recuperação extrajudicial, haja vista que sua homologação restou facilitada.

Além disso, o pedido de recuperação extrajudicial poderá ser apresentado com comprovação da anuência de credores que representem pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos e com o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido, atingir o quórum referido acima, por meio de adesão expressa, facultada a conversão do procedimento em recuperação judicial a pedido do devedor (art. 163, § 7º). 

Em outras palavras, o devedor pode pleitear a recuperação extrajudicial mesmo quando não conseguir a aprovação dos credores titulares de mais da metade dos créditos, sendo conferido o prazo de 90 dias para o devedor atingir o quórum mínimo do caput do art. 163, desde que já tenha a anuência expressa dos credores titulares de pelo menos um terço dos créditos.

Ademais, outra alteração proveniente da lei 14.112/20 é a possibilidade de concessão do stay period - caracterizado, em suma, por ser um período de suspensão das ações executivas - às recuperações extrajudiciais, fato que representa um grande incentivo a utilização dessa modalidade de recuperação, uma vez que permite aos empresários, ao utilizarem esse período, uma tentativa de reorganização da empresa e de suas finanças sem serem alvo de constrições patrimoniais.

Assim, a atual redação da legislação passou a permitir a ocorrência do stay period para a recuperação extrajudicial, conforme preconiza o art. 163, parágrafo 8º3.  Além disso, também passou a ser possível sua prorrogação, por uma única vez, pelo mesmo prazo de tempo (180 dias).

Entretanto, é importante aludir que a aplicação da suspensão só será concedida aos créditos dispostos no art. 6 da legislação supracitada e somente aprovada pelo Juízo se restar comprovado o quórum de 1/3 (um terço) dos créditos de cada espécie de credor.

Vale esclarecer, por fim, que antes da atualização da Lei de Recuperação e Falências, não havia previsão para concessão do stay period na recuperação extrajudicial e não era permitido a prorrogação do referido prazo.

Nota-se, portanto, como a lei 14.112/20 foi sancionada na tentativa frutífera de tornar a recuperação extrajudicial ainda mais atrativa aos olhos da empresa em dificuldades. Intensificando a visão que já é desmistificada desde a entrada em vigor da LRE, que introduziu o instituto da recuperação extrajudicial em 2005, quebra-se o paradigma de que apenas o Estado detém o monopólio para a solução de conflitos oriundos de uma crise empresarial.

Assim, sobretudo nos casos decorrentes da pandemia da covid-19, contexto em que ainda mais empresas econômica e socialmente viáveis entram em colapso, uma tomada de decisão rápida e efetiva será cada vez mais necessária para evitar a quebra, sendo a recuperação extrajudicial um meio propício a garantir celeridade às reestruturações, sem uma intervenção incisiva do Judiciário e do Ministério Público, viabilizando a preservação da imagem da empresa devedora e de seus credores.

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1- Antes o art. 161, previa: "Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. § 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º , e 86, inciso II do caput, desta Lei. (revogado).

2- A atual redação, com o advento da lei 14.112/20, é: "Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. § 1º Estão sujeitos à recuperação extrajudicial todos os créditos existentes na data do pedido, exceto os créditos de natureza tributária e aqueles previstos no § 3º do art. 49 e no inciso II do caput do art. 86 desta Lei, e a sujeição dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional."

3- Art. 163. O devedor poderá também requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial. [...] § 8º Aplica-se à recuperação extrajudicial, desde o respectivo pedido, a suspensão de que trata o art. 6º desta Lei, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º deste artigo.

Mateus Cecy

Mateus Cecy

Colaborador jurídico na 'Giovani Ribeiro Rodrigues Alves, Marcia Carla Pereira Ribeiro & Renata Carvalho Kobus Sociedade de Advogados', acadêmico de Direito na Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Mediação e Negociação da UFPR, membro acadêmico da INSOL International (International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals) e pesquisador na área de recuperação judicial e falências.

Marina Ravazzani Ribeiro Pelusci

Marina Ravazzani Ribeiro Pelusci

Pesquisadora na 'Giovani Ribeiro Rodrigues Alves, Marcia Carla Pereira Ribeiro & Renata Carvalho Kobus Sociedade de Advogados', bacharel em Direito pela PUCPR, pós-graduanda em Direito Civil e Empresarial pela PUCPR e membra do Grupo de Estudos em Mediação e Negociação da PUCPR.

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