A relação entre a razoável duração do processo e as decisões liminares
Importância das decisões liminares para a efetivação do princípio processual da razoável duração do processo, com enfoque no direito à saúde.
sexta-feira, 12 de março de 2021
Atualizado às 17:07
A razoável duração do processo é um princípio básico processual garantido na Constituição Federal de 1988, que assegura a celeridade da tramitação processual para que este tenha um prazo de duração razoável (art. 5º, LXXVIII da CF/88), bem como previsto no Código de Processo Civil Brasileiro de 2015, garantindo aos jurisdicionados a solução de suas demandas judiciais dentro de um prazo razoável (art. 4º do CPC/15).
Neste mesmo sentido, o Brasil ratificou o Pacto de São José da Costa Rica, que dentre outras coisas, assegurou a garantia a um processo judicial que venha a ser definido, em seu mérito, em duração razoável. (art. 8ª, I).
De logo, se destaca o que se entende por "razoável duração do processo".
Pois bem, a razoável duração do processo importa não só ao tempo para resolução da demanda, mas também que a resposta do Judiciário ao jurisdicionado seja efetiva, atacando o mérito da lide, trazendo solução para o caso concreto.
Isto porque é impossível estabelecer um período temporal específico para todos os processos, posto que cada caso deve ser analisado em separado. Não é razoável, por exemplo, que uma ação de indenização por danos materiais em razão de cobrança indevida tenha o mesmo prazo de duração de uma ação de indenização por danos morais e estéticos decorrente de erro médico. Na primeira hipótese, caso não seja de interesse das partes, é possível que o processo se solucione sem sequer a realização de uma audiência, o julgador conseguirá resolver o mérito da lide com os documentos trazidos na exordial e na contestação. Enquanto a segunda situação certamente precisará de uma maior dilação probatória, inclusive com oitiva de testemunhas e realização de perícia médica. Ou seja, cada processo tem seu grau de complexidade, sendo incabível estipular um prazo expresso para todos eles.
Apenas na análise dos casos em concreto será possível evidenciar a ocorrência ou não da razoável duração do processo, sendo seu maior indício a obtenção pelo jurisdicionado de uma resposta justa ao seu pedido em um tempo aceitável.
Temos, portanto, que a denominada razoável duração do processo não diz respeito apenas a resolução da questão processual com rapidez, mas na verdade, a prestação jurisdicional eficiente e célere, de modo que o procedimento siga um fluxo sem demora irrazoável.
Assim, nos tempos atuais, a doutrina pátria, seguindo os critérios elaborados pela Corte Europeia de Direitos Humanos para estipular razoável duração do processo, se atenta a três preceitos objetivos, são eles: a) complexidade da causa; b) comportamento das partes; e c) atuação do órgão jurisdicional. Tendo cada um desses critérios participação na efetivação do princípio estudado.
Na prática, contudo, vemos que mesmo não sendo uma causa de grande complexidade, partes promovem a dilação processual desnecessária, impedindo um rápido andamento do processo, e órgãos jurisdicionais lentos, sem recursos pessoais para tomar conta da demanda a ela atribuída, terminando por fazer com que processos simples durem uma eternidade para chegar ao seu fim.
Assim, levando em consideração o acima exposto, o Magistrado pode (e deve) utilizar-se de instrumentos procedimentais para dar garantia de prestação jurisdicional às partes, mesmo que as circunstâncias não permitam um andamento processual célere que chegue em uma decisão final em tempo razoável.
Nesse sentido, passamos a observar a concessão das tutelas antecipadas pelos juízes e Desembargadores, em especial no âmbito das demandas que envolvam a saúde, que terminam por, invariavelmente, prestar jurisdição às partes do processo, mesmo que temporárias, atenuando os efeitos práticos da morosidade processual.
Antes contudo, convém destacar, de forma rápida e simples, uma definição de "decisão liminar".
Pode-se dizer que esta é a tutela jurisdicional passível de concessão no início da relação processual (antes ou após manifestação da parte contrária), de caráter provisório, que virá a ser confirmada ou revogada em decisão futura. Instrumento previsto no Art. 300 do Código de Processo Civil.
Assim, temos que se a parte autora for capaz de demonstrar ao juízo, na petição inicial e nos documentos juntados, a probabilidade de direito das suas alegações e o perigo de dano irreparável que poderá ser causado a parte em caso necessidade de espera para a tutela jurisdicional, o magistrado competente poderá exaurir uma decisão liminar, determinando uma obrigação de fazer, por exemplo, à parte ré, que perdurará até a sentença de mérito do processo, quando a tutela concedida poderá ser confirmada ou revogada.
Assim, mesmo que o processo se dilate por um longo período, uma vez concedida a liminar, a tutela jurisdicional estará sendo aplicada, tendo as partes uma resposta, ainda que temporária, para o caso em apreço.
Ao final do processo, quando o magistrado proferir sua sentença solucionando o mérito, poderá confirmar a tutela antecipada concedida em decisão liminar ou mesmo revogá-la, assim, não se vislumbra prejuízo a qualquer das partes a possibilidade de uma decisão antecipada.
Tomamos como principal exemplo da necessidade de sua utilização, as liminares pleiteadas no âmbito do direito da saúde.
A maioria dos processos que versam sobre o tema, demandam uma imediata prestação jurisdicional dos Magistrados e serventuários para que a demora no andamento do processo não acarrete piora no estado de saúde de um paciente jurisdicionado, por exemplo.
Ora, é evidente que o juízo não terá a completa convicção do direito de uma das partes apenas da análise da exordial e seus documentos, contudo, levando em consideração o perigo de demora no caso concreto e o que a omissão jurisdicional poderá causar a parte, faz-se necessário a atuação imediata do magistrado, conferindo decisão liminar nos autos.
Vejamos como exemplo um caso em que a parte autora, idosa, sem grandes condições financeiras, portadora de uma série de enfermidades constatadas em Laudo médico, em que seu médico assistente faz requisição para internamento domiciliar e a solicitação perante o plano de saúde lhe é negada. Assim, esta ajuíza ação de obrigação de fazer em face da Operadora de saúde com que mantém vínculo contratual requerendo, liminarmente, a concessão da tutela antecipada para determinar que a empresa realize a cobertura do internamento domiciliar necessário para o não agravamento de seu estado saúde.
É indiscutível que em um caso como este, a realização de perícia médica é indispensável para conferir a real necessidade do internamento domiciliar. Isto porque por um lado, a demandante junta requisição médica para tanto, enquanto a Operadora de saúde, por outro lado, nega esta necessidade.
Assim, tendo em vista a complexidade do caso, é razoável que a duração de um processo como este seja mais extenso. Ocorre que, da mesma maneira, diante do risco de agravamento da saúde, direito fundamental consagrado na Constituição Federal de 1988, da parte autora, a ausência de uma prestação jurisdicional imediata poderá acarretar graves danos a uma das partes do processo.
Ainda que o Magistrado não tenha a absoluta convicção é razoável a concessão do pleito liminar autoral, levando em consideração seu estado de saúde, mesmo que futuramente, ao longo da dilação probatória processual, vier a comprovação de que o internamento domiciliar não seria necessário. Ao julgamento em sede de sentença, o juiz poderá revogar a liminar ora concedida, determinando que a demandante restitua os gastos da demandada com a cobertura do serviço.
Imagine, contudo, a situação ao avesso. O juízo deixa de conceder a medida liminar por lhe faltar convicção do direito sustentado pela autora, aguarda a realização de audiência de conciliação, apresentação de contestação, oitivas de testemunhas, realização de perícia médica, para ao fim restar comprovado a necessidade do internamento domiciliar, mas, a este tempo, a situação de saúde da demandante já está completamente modificada, apresentando quadro clínico muito mais complexo do que ao tempo da distribuição da causa.
Nesta situação, o tempo levado para se chegar a uma sentença de mérito justa ainda que grande pode ser considerado razoável ante ao alto grau de complexidade da causa. Mas não suficiente para satisfazer os ensejos dos jurisdicionados.
A demora na prestação jurisdicional, ainda que considerada razoável, terminou por depreciar o objeto da ação (saúde da autora).
A partir deste exemplo, resta evidente a importância das medidas liminares para a prestação jurisdicional eficaz e satisfatória, pois, de nada adianta proferir uma decisão justa que não trará resultados no mundo real.
O mesmo ocorre com diversos tipos de demandas no âmbito do direito médico e da saúde suplementar, como causas que envolvam a obrigação de fazer de realizar procedimento cirúrgico, fornecimento de medicamentos, cobertura de exames, reestabelecimento de planos de saúde, e tantos outros.
Nestes casos, o bem jurídico em discussão é a saúde, fundamento basilar para a efetivação do direito à vida e do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Sem o amparo para realização dos procedimentos, tratamentos e exames prescritos pelos médicos assistentes o indivíduo fica privado da efetivação de um dos pilares de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
O fato é que o perinculum in mora, muitas vezes se faz suficiente para o julgador conceder um pleito antecipatório sem a oitiva da parte contrária, e isto ocorre porque o bem jurídico em jogo é a saúde e a vida do jurisdicionado. A omissão de uma tomada de decisão imediata ao receber os autos pode acarretar a perda do objeto da ação.
Ou seja, dessa forma, preserva-se a realização das obrigações necessárias para a tentativa de melhorar o quadro clínico de saúde da parte por quanto durar o processo, para durante sua instrução e dilação probatória chegar-se a uma conclusão sobre quem deve assumir responsabilidade daquela obrigação.
Partindo do pressuposto de que a decisão judicial tardia é ineficiente, as decisões interlocutórias das tutelas antecipadas são instrumentos de suma importância para a efetivação do princípio processual da razoável duração do processo, assim como, para a garantia do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais à vida e a saúde, quando o enfoque for as causas envolvendo a realização de exames, tratamentos, procedimentos cirúrgicos, fornecimento de medicamentos e demais que visem assegurar o direito à assistência a saúde da parte.
Leonardo Brito Barros
Advogado associado do escritório Maurício Carneiro Advocacia, sócio do escritório Bandeira de Mello & Barros, pós-graduando em Direito Processual Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Especialista em Direito Médico e da Saúde pelo Instituto Paulista de Direito Médico - IPDM.