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As colaborações de Youssef e Costa e seus impactos consequencialistas

O artigo pretende examinar, sob a óptica da análise econômica do direito, as colaborações de Youssef e Costa, no âmbito da Lava Jato, dados seus inéditos efeitos replicadores no país.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Atualizado às 18:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Que a corrupção é um problema secular no Brasil não há dúvidas. Da colônia a república, a corrupção persistiu entranhada na máquina burocrática do estado brasileiro. Seja no mais baixo - como num órgão local de trânsito - ou no mais alto escalão da administração pública - como a presidência da República, o Congresso Nacional ou as altas Cortes de Justiça -, conviveu-se, ao longo da história brasileira, com todo tipo de malversação da coisa pública. E a cada escândalo, inevitavelmente, pensa-se numa nova legislação simbólica de recrudescimento penal, no afã de solucionar o problema.

Mas, por outro lado, não é difícil perceber que, no caso específico da corrupção, devido ao seu enraizamento histórico no tecido social e político brasileiro, somente inovação da legislação penal, ainda que para uma de boa qualidade, provavelmente, surtirá pouco efeito prático. E é por isso que o problema, dada sua magnitude, deve ser enfrentado sob outra perspectiva.

É sob o marco teórico da economia comportamental que estudiosos tem encarado o fenômeno da corrupção a partir da teoria dos jogos, no intento de desestabilizar um componente ínsito dessa relação espúria: o pacto de confiança entre corruptor e corrupto.

Aqui calha trazer as palavras de Sérgio Bruno Cabral Fernandes1, adotado como referencial teórico por este trabalho: "A única maneira de convencer uma de duas pessoas que estão no mesmo barco a fazer um buraco no chão é jogando uma boia salva-vidas para uma delas."

E é nessa toada, de criar uma assimetria no amálgama corruptor-corrupto que é de muito valia o instituto da colaboração premiada. Por essa ótica, vê-se que a acusação, ao sinalizar uma proposta de acordo a determinado empresário (corruptor), suspeito de financiar propina para determinado agente público (corrupto), lança uma assimetria na equação.

Muitas vezes, mesmo sem assinatura de qualquer compromisso formal, a mera possibilidade de determinado investigado firmar termo de colaboração com as agências de controle e persecução, já é o suficiente para desestabilizar o jogo sistêmico e cartelizado da corrupção. Como uma espécie de gangorra, o movimento do parceiro criminoso impacta na tomada de decisão dos demais. Em outras palavras, o medo de ser delatado destrói o confortável pacto de silêncio firmado outrora.

Entretanto, em que pese positivada em solo brasileiro há décadas - Lei dos Crimes contra o Sistema financeiro Nacional (lei 7.492/86), Lei que define os Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo (lei 8.137/90), Lei de Lavagem de Capitais (lei 9.613/98), Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (lei 9.807/99), Lei Antitóxicos (lei 11.343/06) e a Lei do Crime Organizado (lei 12.850/13) -, o instituto da colaboração premiada não fora, por si só, suficiente para alterar as regras do jogo vicioso da corrupção.

Até que sobreveio a Lava Jato. Goste-se ou não, é preciso dizer que somente com a deflagração da mencionada Força-Tarefa o instituto ganhou o assento merecido. Se um dia foi desprezado, sobretudo pela alta criminalidade econômica, hoje é largamente utilizado por investigados do white collar crimes, para usar a expressão de Sutherland2, o que fez emergir um novo mercado de advocacia especializada em negociação de barganhas penais no Brasil.

Portanto, estabelecidas essas premissas, dentre as centenas de colaborações firmadas no bojo da Lava Jato, pretende-se analisar aquelas firmadas por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, dados seus efeitos consequencialistas e replicadores inéditos no cenário de enfrentamento à macrocriminalidade no Brasil.

A primeira fase da antedita operação foi deflagrada há quase 7 anos, em 17 de março de 2014 e tinha como alvo diversos lavadores de dinheiro, dentre eles Alberto Youssef e Carlos Habib Chater. Inclusive, o nome que batizou a Força Tarefa deve-se ao segundo, que era proprietário de um posto de combustíveis em Brasília, local onde também funcionava uma lavanderia e a sua casa de câmbio. Assim, a partir de interceptações telefônicas, chegou-se a Alberto Youssef, velho conhecido dos investigadores paranaenses da época do case Banestado. Tempos depois, conectá-lo a Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, foi possível graças a já conhecida história da Land Rover Evoque3, presenteada ao ex-diretor pelo doleiro.

Mas, conforme já ressaltado, ainda que prevista no sistema jurídico brasileiro há longa data, a colaboração era instrumento de pouca utilização prática - quiçá pelo criminoso econômico -, de modo que, àquela altura, era pouco provável acreditar numa colaboração material de qualquer dos dois.

Portanto, apoderando-se novamente do instrumental da teoria dos jogos, é possível dizer que Youssef e Costa estavam em Equilíbrio de Nash4, pois nada tinham a ganhar em quebrar a tradição secular não-cooperativa. Bastava-lhes, como todo criminoso de colarinho branco, o silêncio e o aguardo paciente pelo resultado esperado da impunidade.

Doutro lado, igualmente, não se esperava postura diversa da acusação. Sem tradição negocial, ainda mais na seara criminal, era remotíssima a hipótese de o Ministério Público convencê-los de que colaborar com a investigação, confessando seus crimes e entregando seus parceiros, era a melhor alternativa.

Até que a equação fora novamente modificada. Certo dia, Costa pediu para que seus familiares se desfizessem de alguns documentos que lhe eram comprometedores. Não imaginava ele, entretanto, que aquele paradigmático momento fosse ser captado pelo circuito interno do prédio onde funcionava sua empresa de consultoria, a Costal Global. No mesmo instante em que prestava depoimento, suas filhas e genros retiravam os vestígios do escritório.    

Paulo Roberto Costa não suportou o risco de ver seus familiares segregados - já que a destruição de provas é típica hipótese legitimadora de prisão preventiva -, razão a qual, ineditamente, resolveu mudar de estratégia. E com sua colaboração, abalou a estrutura da corrupção endêmica instalada na República. Seguindo os mesmos passos, Youssef, ao resolver cooperar, implicou congressistas, governadores, prefeitos, diversos outros agentes públicos e quase todas as siglas partidárias do país.

E como numa espécie de efeito cascata, logo se iniciou, ato seguinte, uma corrida dos outros criminosos em busca de suas próprias bargains. Augusto Ribeiro de Mendonça Neto e Júlio Gerin de Almeida Carvalho, executivos da Toyo Setal e Pedro Barusco, ex-gerente da Diretoria de Serviços da Petrobras, tomaram o mesmo rumo, romperam o silêncio e desequilibraram o pacto de outrora.

Se o custo de ficar preso para o criminoso comum é alto, mais elevado ainda o é para o homem do colarinho branco, mormente se o risco de prisão é atual, como no caso da prisão preventiva. Para Tabak5, cujo referencial teórico é adotado neste ensaio: "o futuro tem peso pequeno comparado ao presente". Se uma coisa é o risco de condenação e consequente prisão, após anos ou décadas de um processo moroso, em que a execução da pena só é admitida a partir do trânsito em julgado, outra coisa bem diferente é o altíssimo risco de prisão imediata, impulsionada por força de custódia cautelar.

É, portanto, sob essa perspectiva do criminoso racional, que as barganhas obtidas por meio da colaboração são incentivos positivos para os criminosos, mas também para o Estado, que pode se apoderar deste ferramental para reforçar seu law enforcement, tornando-o mais ágil, célere e razoavelmente mais eficiente.

O criminoso econômico moderno é acumulador de ganhos, até mesmo quando investigado e processado. Se as recompensas são atrativas, ao menos em um juízo racional, servem de estímulo ao comportamento cooperativo. Mas os cases de Costa e Youssef bem provaram que a "corrida da delação" exige um timing implacável. Permanecer na posição de Nash pode ser estratégia obsoleta, pois, à medida que o tempo passa, há risco potencial da informação perder seu valor no balcão da barganha.

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1 FERNANDES, Sérgio Bruno Cabral. O jogo da corrupção sistêmica no Brasil. Corrupção: Aspectos sociológicos, criminológicos e jurídicos. Coordenadores: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de; ARAS, Vladimir. Salvador: Editora Juspodivm, 2020. p. 301.

2 SUTHERLAND, Edwin H. White collar crime: the uncut version. London: Yale University Press, 1983.

3 O verídico caso da propina da Land Rover foi objeto de obras literárias e cinematográficas sobre a Operação Lava Jato. A título ilustrativo, cite-se a série de José Padilha "O Mecanismo", distribuída pela Netflix, o livro de Vladmir Neto "Lava Jato" e o filme "Polícia Federal - a lei é para todos", produzido por Marcelo Antunes.

4 Nash Equilibrium. A Dictionary of Economics. Oxford University Press. Current Online Version 2017. Disponível clicando aqui. Acesso em 04 de fevereiro de 2021.

5 TABAK, Benjamin Miranda. A Análise Econômica do Direito - Proposições Legislativas e políticas públicas. Revista de Informação Legislativa/Senado Federal, Subsecretaria de edições Técnicas - Ano 52, nº 205, janeiro/março-2015, p. 332.

Nielson Noberto de Azerêdo

Nielson Noberto de Azerêdo

Promotor de Justiça no MP/PR. Mestrando em Direito no IDP, na área de concentração de Combate à Corrupção e à Criminalidade Econômica. Graduado em Direito pela UFPB.

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