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A geopolítica regulatória dos casinos

A discussão de fundo se relaciona ao paradigma econômico a ser adotado e aos pressupostos desenvolvimentistas ou liberais que orientariam a proposta.

terça-feira, 16 de março de 2021

Atualizado às 12:32

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O ano desponta promissor para o pujante mercado de apostas esportivas e loterias estaduais, mas há pouca evolução na legalização de casinos no Brasil.

Pelo mundo, casinos regularizados estão fechados ou reabrindo com alto controle de vigilância sanitária, construindo com reguladores as soluções para a retomada da prestação de serviços. No Brasil, casinos ilegais estão abertos e promovendo cenas lamentáveis.

A morosidade para liberarmos casinos não é condicionada pelos debates moral, penal ou de saúde pública, porém. A discussão de fundo se relaciona ao paradigma econômico a ser adotado e aos pressupostos desenvolvimentistas ou liberais que orientariam a proposta.

A escolha do modelo encerra conflitos de interesses entre agentes e tem repercussão direta no custo do capital investidor.

A legalização de casinos tende a movimentar a indústria de construção civil, demandar mão de obra qualificada e promover o turismo de regiões onde forem instalados. O principal desafio é definir quais regiões seriam essas; e este desafio é multifacetado.

De antemão, afirmo que não devemos aspirar à geografia de Las Vegas. Tal qual o Vale do Silício, é lugar único, faz parte da história de desenvolvimento e ascensão dos Estados Unidos, e simplesmente não se pode replicar. As principais aulas que vêm de lá são de técnica, gestão e comércio, e impulsionaram, por exemplo, a consolidação da capital asiática do jogo, Macau.

A questão regulatória de origem envolve saber se o Estado vai apontar as regiões autorizáveis à instalação dos casinos (modelo desenvolvimentista) ou se vai atribuir a decisão exclusivamente aos investidores (modelo liberal). É razoável esperar a emergência de alguma solução mista no País.

De modo ilustrativo, há poucos anos um senador mineiro argumentava que pelos critérios sendo negociados no Congresso, que dariam exclusividade a sítios no norte e nordeste, alguns dos casinos mais famosos do país, originalmente instalados em Minas Gerais, restariam impedidos de se restabelecerem. Por óbvio, opôs-se aos termos do encaminhamento.

Existem muitos argumentos articuláveis pelas várias partes interessadas, que ressoam também na discussão sobre a pertinência de eventual licitação das outorgas (concessões, permissões ou outro equivalente administrativo) ou simples credenciamento (atendidos requisitos, uma autorização) para exploração do negócio, bem como sobre o número de empreendimentos toleráveis.

A questão geográfica se relaciona ainda às expectativas arrecadatórias de União, Estados e municípios e ao rateio dos tributos para financiar causas públicas e sociais. A contenda é acirrada em outros setores e aqui também o é.

O último aspecto sobre geografia, e que reputo ser o mais óbvio e importante: estamos em 2021, já inventaram a Internet e a utilizamos vorazmente. É fadada ao insucesso a adoção de modelo regulatório que bloqueie artificialmente a principal tecnologia habilitadora de nosso tempo ou que a ignore.

Não é crível qualquer modelagem econômica que simule a exclusividade da prestação de serviços por casinos físicos e que atribua ao Estado a responsabilidade por protegê-los de concorrência com jogos online; não é defensável salvaguarda de um ano, não é defensável reserva por décadas.

A liberação não pode estar calcada no banimento de jogos digitais, sob pena de o Estado ser obrigado a indenizar investidores em futuro próximo, por não conseguir impedir a atuação de agentes no ambiente virtual. O prejuízo ao investidor de casino e aos entes federativos seria enorme.

É compreensível que outros países que já hospedavam casinos previamente ao sucesso da Internet estejam lutando para encontrar o balanço sustentável para competição entre as casas tradicionais (brick and mortar) e os novos entrantes online.

O Brasil, porém, tem a vantagem de acessar o mercado com esse cenário tecnológico já consolidado; não podemos importar modelos regulatórios retrógrados que reduzirão de início a concorrência e a inovação, em descompasso com a preferência do consumidor e desconectada da realidade.

Nos EUA e Europa, pesquisas de método comparativo estão sendo empregadas para amadurecer a regulação do jogo, incluindo governança e controle, a partir de analogias com outras indústrias altamente reguladas, como mercado financeiro e segurança alimentar.

Conceitos de finanças públicas, concorrência e Internet, manuseados por estruturas híbridas de gestão tecnocrática, política e orientada a mercado, serão fundamentais ao desenvolvimento de um legítimo Brazilian berry regulatório para casinos e o que mais vem por aí.

Sérgio Garcia Alves

Sérgio Garcia Alves

Mestre em Direito & Tecnologia pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Mestre em Regulação pela Universidade de Brasília. Sócio do escritório Abdala Advogados.

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