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O enfraquecimento das instituições democráticas e a excessiva responsabilização dos agentes públicos

A atual fragilidade das instituições democráticas tem ocasionado lacunas entre os Poderes de Estado, abrindo margem aos perigos do ativismo e do excesso de controle.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Atualizado em 25 de março de 2021 12:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Ultimamente, tem se percebido, com preocupante frequência, ataques das mais variadas formas às instituições democráticas. Bem verdade, é que muitos de tais ataques são praticados por pessoas com discernimento ínfimo acerca da temática, mas que ainda assim provocam um intenso burburinho.

Durante a invasão, liderada por apoiadores do então presidente Donald Trump, ao Congresso dos EUA, a Organização dos Estados Americanos - OEA emitiu nota afirmando que "a democracia tem seu pilar fundamental na independência dos Poderes de Estado, que devem atuar totalmente livres de pressões". E, de fato, não se pode conceber uma democracia forte sem a presença de Poderes igualmente sólidos e independentes.

Partindo desta perspectiva, Montesquieu já afirmava "que tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares."

Quando um Poder de Estado se apequena, por certo outro irá preencher essa lacuna. E aqui abre-se margem para a figura do ativismo.

É muito comum ouvirmos falar do ativismo judicial, que pode ser resumido na extrapolação do Poder Judiciário ao interferir em decisões de outros poderes. E não se pode negar que a atual pandemia vem abrindo margem para uma série de situações desse tipo. De modo que a atuação jurisdicional tem adentrado, inclusive, no campo das políticas públicas, com liminares desautorizadoras, por vezes, deslegitimando aqueles que passaram pelo crivo das urnas.

E, com isso, reitero, o agigantamento de um, reflete o vazio deixado por outro. E nunca se mostrou tão coerente a ideia de que a ausência de decisão também é uma forma de decidir, e traz uma série de consequências.

Particularmente, em relação à Administração Pública - materializada pelo Poder Executivo - ouso afirmar que o medo de uma responsabilização tem engessado e afastado os bons gestores dos quadros públicos. Sendo cada vez mais perceptível a prática da "presunção da má-fé" acerca dos atos administrativos.

E, nesse sentido, acrescento ainda um outro tipo de ativismo, igualmente preocupante, e já abordado pelo professor Flávio Garcia Cabral1, que é o "ativismo de contas" exercido pelos Tribunais de Contas. 

De fato, as Cortes de Contas mostram-se como um importante auxílio na concretização da ideia da boa Administração Pública, especialmente quando exercem o seu caráter pedagógico e preventivo.

No entanto, analisando especialmente o âmbito do TCU, o que se tem visto é uma atuação altamente repressiva, transformando-o em um super órgão revisor dos atos administrativos. Com decisões pautadas no subjetivismo dos Ministros.

Exemplo disso se percebe no acordão 2.375/182 pelo qual se afirmou que "não há direito adquirido a determinado entendimento ou à aplicação de determinada jurisprudência do TCU, devendo prevalecer, em cada julgamento, a livre convicção dos julgadores acerca da matéria."

É dizer, nem mesmo o tribunal se vincula aos seus próprios precedentes, fazendo com que o gestor público se veja a mercê da convicção de quem irá lhe julgar. E isso se torna ainda mais preocupante quando se observa que os ministros do Tribunal de Contas da União são em sua maioria desconhecidos da sociedade, não sofrendo metade da pressão externa e social praticada, por exemplo, em face dos ministros do STF.  

Além disso, é de se ver que esta sanha punitivista tem atingido até mesmo os advogados públicos na condição de consultores e pareceristas. Para melhor exemplificar, pertinente transcrever trecho do acórdão 13.375/203, o qual afirma que "o parecer jurídico que não esteja fundamentado em razoável interpretação da lei, contenha grave ofensa à ordem pública ou deixe de considerar jurisprudência pacificada do TCU pode ensejar a responsabilização do seu autor, se o ato concorrer para eventual irregularidade praticada pela autoridade que nele se embaso."

Consequência disso, é uma atuação cada vez mais inibida e reprimida, desestimulando as boas iniciativas vanguardistas no campo administrativo, tornando o agente público um mero burocrata que se limita a apontar caminhos longos e mais custosos4.

Bem verdade é que se mostra mais fácil apontar o erro depois de já tomada a decisão, e, em razão disso, é que se tornam essenciais alternativas que promovam a prevenção e consensualidade entre os entes, de modo a não trazer o bônus da assertividade apenas para um dos Poderes.

Para finalizar, compartilho uma situação concreta narrada pela professora Egle Monteiro5 e que reflete perfeitamente a abordagem aqui tratada.

Sabe-se que devido à pandemia, as normas licitatórias foram flexibilizadas para proporcionar, com maior rapidez e agilidade, a aquisição de insumos necessários ao enfretamento da covid-19, por meio da ampliação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC (lei 14.065/20).

No entanto, mesmo diante desse expresso autorizo legal, os gestores de determinado município do Estado de São Paulo estavam se utilizando do clássico, e extremamente burocrático, procedimento licitatório trazido pela lei 8.666/93, justamente por receio de serem penalizados por eventual prática de improbidade.

Percebe-se, pois, que à medida que um determinado controle ou mesmo Poder de Estado é exercido desarrazoadamente, todo o interesse público é afetado de alguma maneira. Fundamental, portanto, que lutemos cada vez mais pelo fortalecimento e cooperação de nossas instituições, só assim construiremos uma Administração forte e eficaz.

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1 Cabral, Flávio Garcia. Conteúdo jurídico da eficiência administrativa: uma análise lógico-semântica e pragmática. 2017. 276 f. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

2 TCU. Acórdão n. 2375/2018 - 2ª Câmara, Relator José Mucio Monteiro.

3 TCU. Acórdão 13375/2020 - Primeira Câmara, Relator Benjamin Zymler;

4 Min. Rel. Luiz Fux, no julgamento do Mandado de Segurança nº 35.196/DF;

5 Assessora do Controle Externo do TCM-SP.

Brunna Frota Silva

Brunna Frota Silva

Advogada; Especialista em Direito Público; Membro da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB/GO; Assessora jurídica no Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Goiás - DETRAN/GO.

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