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A não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora

Renda é fundamentalmente o acréscimo patrimonial num dado espaço de tempo. Não haveria renda sem o acréscimo de riqueza nova ao patrimônio do contribuinte.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Atualizado às 12:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Após longa discussão nos tribunais, com idas e vindas no entendimento, parece ter o STF finalmente decidido que não incide imposto de renda sobre os juros de mora (RE 855.091 - tema 808). A decisão deu-se em julgamento de caso envolvendo os juros de mora decorrentes de atraso de pagamento de verba salarial, mas a fundamentação utilizada no voto do min. Dias Toffoli, relator do recurso, permite concluir que o entendimento é extensível às demais hipóteses de pagamento de juros moratórios.

A construção do entendimento deu-se a partir do conceito constitucional de renda, definindo o min. Dias Toffoli, ancorado no que dispõe a doutrina, que renda é fundamentalmente o acréscimo patrimonial num dado espaço de tempo. Não haveria renda sem o acréscimo de riqueza nova ao patrimônio do contribuinte.

Definida esta premissa, argumentou o min. Toffoli que:

No caso das obrigações de pagar em dinheiro, é opção tradicional do legislador civil brasileiro estipular que as perdas e danos, expressão que abrange simultaneamente danos emergentes e lucros cessantes, se consubstanciam, entre outras verbas, em juros de mora.

A partir disso, coube definir se os juros moratórios, ou seja, os juros pagos em decorrência do pagamento em atraso de uma obrigação, caracterizam-se como reparação por danos emergentes ou lucros cessantes.

Em tempo e de forma bastante suscinta, por dano emergente entende-se a diminuição no patrimônio da vítima, ou seja, o dano que emergiu do ato ilícito praticado pelo infrator. O lucro cessante, por sua vez, consiste no que a vítima deixou de ganhar em razão do ato ilícito. Em razão disso, têm os tribunais definido há algum tempo que os lucros cessantes se submetem à incidência do imposto de renda, pois cumprem a função de substituir um ganho que se submeteria à incidência deste imposto. Neste sentido o AgInt no AREsp 874.733/PR, rel. ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª turma, julgado em 28/9/20, DJe 1/10/20.

O mesmo não ocorre com o dano emergente, pois não se reveste da característica de riqueza nova, sendo tão somente a recomposição do patrimônio da vítima. A reparação pelo dano emergente possui a clara natureza indenizatória e, portanto, não deve se submeter à incidência do imposto de renda, pois não representa acréscimo patrimonial.

Para o min. Dias Toffoli, que fora acompanhado pela maioria de seus pares,

Os juros de mora legais, no contexto em tela, estão fora do campo de incidência do imposto de renda, pois visam, precipuamente, recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor. A hipótese, portanto, é de não incidência tributária e não de isenção ou exclusão de base de cálculo.

Cuidando-se a remuneração devida ao trabalhador decorrente do exercício de emprego, cargo ou função de obrigação de pagar em dinheiro, em meu modo de ver, o atraso em seu adimplemento gera danos emergentes para o credor a dizer que, se houvesse o pagamento tempestivo, disso normalmente decorreriam acréscimos em seu patrimônio.

E complementa o min. Toffoli,

Também é razoável conceber que ele ainda pode buscar meios heterodoxos para suportar a demora no pagamento de sua verba, como atrasar a satisfação das próprias despesas, circunstância que pode atrair multas, juros e outros passivos ou outras despesas bem como inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes etc.

Os juros de mora legais visam, em meu entendimento, recompor, de modo estimado, esses gastos a mais que o credor precisa suportar (p.ex. juros decorrentes da obtenção de créditos, juros relativos ao prolongamento do tempo de utilização de linhas de créditos, multas etc., que se traduzem em efetiva perda patrimonial) em razão do atraso no pagamento da verba de natureza alimentar a que tinha direito.

(...)

Repare-se que, para ser aceita a ideia de que os juros de mora legais revestem-se, de modo estrito, da natureza de lucros cessantes, seria necessário pressupor, por exemplo, que o credor (no presente caso, o trabalhador) normalmente aplicaria, durante todo o período em atraso, a integralidade da verba não recebida tempestivamente em algum instrumento que lhe gerasse renda equivalente aos juros de mora. Considerando o cenário já descrito, não me parece razoável fazer essa presunção.

E finaliza o min. Toffoli,

De mais a mais, mesmo que se considere que os juros de mora legais incidentes no atraso no pagamento da remuneração devida no contexto em tela abrangeria não só danos emergentes, mas também lucros cessantes, não vislumbro a possibilidade de submetê-los à tributação pelo imposto de renda sem se ferir o conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal.

Isso porque, se fosse aceita a ideia de que tais juros de mora legais são tributáveis pelo imposto de renda, essa exação acabaria incidindo não apenas sobre lucros cessantes, mas também sobre danos emergentes, parcela essa que não se adéqua à materialidade do tributo, por não resultar em acréscimo patrimonial.

Percebe-se, neste contexto, que, para sofrerem a incidência do imposto de renda, os juros moratórios teriam que ter, integralmente, a característica de lucros cessantes, ou seja, representar a recomposição de um lucro não auferido em razão do ato ilícito, lucro este que estaria sujeito à incidência do imposto de renda.

Assim como não parece adequado afirmar-se que os juros moratórios decorrentes do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função revestem-se da condição de lucros cessantes, pois é irrazoável presumir-se que a vítima aplicaria toda a sua remuneração em outro instrumento que lhe gerasse renda, também não nos parece que os juros de mora possam ser enquadrados integralmente como lucros cessantes nas suas outras hipóteses de incidência.

Note-se que, para o STF, a única hipótese possível de incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios consistiria na caracterização desses juros como recomposição por lucros cessantes, exclusivamente. No caso de os juros moratórios possuírem natureza híbrida - danos emergentes e lucros cessantes - eles não se enquadrariam na materialidade do imposto de renda, por não representarem, integralmente, acréscimo patrimonial.

A partir dessa decisão, submetida ao rito da repercussão geral e, portanto, vinculante aos juízes e tribunais, espera-se a pacificação do entendimento e a correta cobrança do imposto de renda, não mais incidindo sobre os juros moratórios.

Por fim, cumpre ainda salientar que a decisão permite a quem recolheu o imposto de renda sobre juros moratórios indevidamente buscar a sua restituição, pleiteando-a judicialmente.

Samuel Hickmann

Samuel Hickmann

Especialista em Direito Tributário pelo IBET/RS - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; LLM em Direito dos Negócios pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Conselheiro da FESDT - Fundação Escola Superior de Direito Tributário; Membro Julgador do Conselho Municipal de Tributos de Campo Bom/RS. Sócio do escritório Hickmann Advogados Associados.

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