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A ilegalidade de decisões automatizadas em processos seletivos e a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os litígios

O cerce da questão é que as decisões baseadas em algoritmos são limitadas a capacidade decisória, cujos critérios utilizados são baseados em mecanismos de aprendizagem, oriundo de uma grande base de dados (big data), aliados a aparentes verdades matemáticas, que podem ser inexatas, incompletas ou até mesmo falsas.

terça-feira, 30 de março de 2021

Atualizado em 6 de abril de 2021 11:10

Processos seletivos de grandes corporações são feitos, em muitas oportunidades, por meio de captação de um grande volume de currículos por empresas terceirizadas, contratadas para esta finalidade. Certamente pelo grande número de candidatos, estas empresas utilizam de tecnologia de algoritmos para filtrar perfis dos candidatos, mediante informações inseridas nos currículos, ou seja, informações inseridas pelos titulares dos dados. Inicia-se assim, a escolha mediante critérios estabelecidos por máquinas, com utilização de algoritmos, e não por avaliações humanas, sendo que este tipo de filtragem, num primeiro momento, justificável por parte das corporações face a otimização dada aos processos e, talvez a assertividade que economiza tempo e custos do negócio.

O cerce da questão é que as decisões baseadas em algoritmos são limitadas a capacidade decisória, cujos critérios utilizados são baseados em mecanismos de aprendizagem, oriundo de uma grande base de dados (big data), aliados a aparentes verdades matemáticas, que podem ser inexatas, incompletas ou até mesmo falsas. Ou seja, a IA (inteligência artificial) utilizadas em processos seletivos para triar currículos, se não alimentadas periodicamente com novas informações distintas para compor sua base dados, podem levar a decisões com critérios discriminatórios e segregatícios, que agravam as injustiças, conforme estudo feito pela Matemática CATHY O'NEIL, com formação em Harvard e Massachussetts Institute of Technology1.

Importante ressaltar que não somos contrários a tecnologia e as inovações inseridas na sociedade moderna. Pelo contrário, entendemos que a inovação veio ficar e para aprimorar as relações humanas trazendo facilidades no mundo empresarial e convívio social, sendo irreversível o uso de tecnologias para quaisquer atividades profissionais cotidianas.

Seguindo nesta linha, empresas terceirizadas contratadas para cuidar de processos seletivos, são as denominadas controladoras de dados, conforme previsto no art. 5º, inciso I da lei 13.709/2018 (LGPD), pois a elas competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais, contidos nos currículos enviados pelos candidatos. Todavia, o legislador da LGPD trouxe uma inovação no rol dos fundamentos ao incluir, conforme previsto no inciso II do art. 2º da lei 13.709/2018, a chamada "autodeterminação informativa", que é justamente o direito do indivíduo de escolher como irá disponibilizar seus dados pessoais, até porque, quando se fala sobre a proteção de dados, é importante contrabalancear a proteção dos direitos do sujeito, no sentido da privacidade informacional e o tratamento legítimo dos seus dados, seja pelo Estado ou por terceiros do setor privados. Em outra palavras, CARLOS BRUNO FERREIRA DA SILVA esclarece que a proteção de dados se estenderia e se multiplicaria para assegurar o controle de dados pelos próprios titulares, mesmo quando já em domínio de terceiros2, conceito este, que dá controle pessoal sobre o trânsito dos dados relativo ao próprio titular, sendo uma externalização da liberalidade do indivíduo.

Mais do que isso, o direito à explicação dos critérios e os procedimentos utilizados pelo controlador para alcançar a decisão automatizada, decorrem da própria autodeterminação informacional do cidadão, que deve possuir o controle de seus dados pessoais, bem como dos princípios da LGPD que estabelecem a clareza e o acesso às informações pelo titular dos dados3.

Além do princípio da "autodeterminação informativa", que dá poderes ao titular dos dados, notadamente para quem e porque seus dados foram compartilhados, há um princípio previsto na norma que vai revolucionar a forma como headhunters conduzem seus processos de contratação. Conforme previsto no art. 20 §1º o titular dos dados, ou seja, o candidato a vaga de emprego, terá direito de ter informações claras, adequadas e precisas a respeito dos procedimentos e dos critérios utilizados para a decisão automatizada que o eliminou da vaga pretendida.

Isto significa que qualquer candidato que for eliminado de um processo seletivo, e que recebe o retorno com um e-mail padronizado sem qualquer explicação plausível, sobre os critérios da sua eliminação, poderá solicitar do controlador dos dados, no caso, da empresa que fez tratamento dos dados contidos no currículo, e conduziu processo de recrutamento e seleção, informação claras, precisas, inequívocas e minuciosas acerca dos motivos de sua eliminação do processo seletivo, e porquê seus dados foram compartilhados com a corporação contratante, presumindo-se que o referido compartilhamento é feito por necessidade. Poderá o candidato também, solicitar o feedback diretamente da empresa que terceirizou o processo seletivo, vez que esta enquadra-se no conceito de operadora dos dados de todos os candidatos, ou seja, realiza o tratamento em nome do controlador, conforme previsão do art. 5º, inciso VII da LGPD.

A nosso ver, isto beneficia candidato e empresa, pois torna todas as etapas do processo seletivo mais humanizado, bem como atende dois princípios basilares previsto na própria LGPD; o da transparência: (garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento) e o do livre acesso (garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais). Mas, se controlador e operador se negaram a prestar informações dos reais motivos da exclusão de um candidato a vaga de emprego? De quem será a competência de dirimir eventuais litígios no âmbito do Poder Judiciário?

Em recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal datada de 20 de março de 2020, nos autos do RE 960429, por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é da Justiça Comum (federal ou estadual) a competência para processar e julgar as demandas ajuizadas por candidatos e empregados públicos na fase pré-contratual4. Ocorre que no caso em tela, a celeuma dos autos tratou de modular os critérios para a seleção e a admissão de pessoal nos quadros de empresas públicas, com entendimento de que a competência para tanto é da Justiça Comum, para julgar ações contra concurso público realizado por empresas estatais.

Entretanto, o ministro EDSON FACHIN divergiu ao fundamento de que, no caso em tela, se discute a manutenção do candidato ao cargo público, cuja expectativa é regida por normas da CLT, portanto, competência seria da Justiça do Trabalho. Neste sentido, o artigo 114, inciso IX da Constituição Federal determina que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, texto este incluído pela EC 45 que passou a tratar relações entre trabalhadores e empregadores e não empregado e empregador, ou seja, destinou a Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar demandas que envolvem responsabilidade pré-contratual.

A LGPD, desta forma, estabelece previsão de responsabilização civil ao controlador dos dados, de forma individual e coletiva, quando suas decisões causarem danos patrimoniais ou morais, aos titulares. Não somente a LGPD, mas no ordenamento jurídico já existem mecanismos de reparação desta ordem, notadamente na própria CLT que inovou ao especificar, bem como quantificar a reparação pecuniária para os danos extrapatrimoniais ocasionados pelo empregador (leia-se no presente caso controlador), pelo disposto no art. 223-G e incisos e parágrafos da CLT, texto incluído com a lei 13.467/2017.

Importante ressaltar que doutrina e jurisprudência travam uma batalha jurídica acerca da matéria, eis que não há posição consolidada. De toda forma, é preciso se ter em mente que num processo seletivo, ambas as partes devem agir com boa-fé, eis que, há de fato, uma relação futura de potencial emprego, principalmente controlador e operador que, ao serem indagados por titulares dos dados sobre os motivos da reprovação no processo seletivo, devem prestar os esclarecimentos de forma clara, minuciosa e inequívoca, sob pena serem responsabilizados solidariamente civil (art. 927 Código Civil c/c art. 223-G da CLT), criminal (lei 7.437/85 c/c lei 7.716/89), e administrativamente (art. 20, §2º da LGPD).

Portanto, decisões automatizadas em processos seletivos de recrutamento e seleção para empregos, com envio de comunicado padronizado sem qualquer menção acerca das informações claras, adequadas e precisa, sobre os procedimentos e os critérios utilizados para a decisão automatizada que eliminou o candidato da vaga pretendida, são absolutamente ilegais e a competência no âmbito do Poder Judiciário para dirimir eventuais litígios, é da Justiça do Trabalho.

Cabe agora, o maior desafio para as empresas de headhunters inovarem e/ou aperfeiçoarem a forma de como serão feitos os feedbacks negativos aos milhares de candidatos a vagas de empregos, se requeridos pelos titulares dos dados, exposição clara dos motivos da sua eliminação, sob pena de responsabilização solidária na esfera administrativa, cível e penal, conforme legislação vigente.

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1 Disponível aqui. Acesso em 21/2/2021.
2 FERREIRA DA SILVA, Carlos Bruno. Proteção de dados e cooperação transacional. Teoria e prática na Alemanha, Espanha e Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editora, 2014. p.64.
3 Disponível aqui. Acesso em: 21/2/2021.
4 Disponível aqui. Acesso em 20/2/2021.

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BARROS, Juliano Carlos. Algoritmos das redes sociais promovem preconceito e desigualdade, diz matemática de Harvard. BBC News, 24/12/2017. Acesso em: 21/2/2021;
BIONI. Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. 2. Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 263;
BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília/DF 14 de agosto de 2018, publicado no DOU de 15.8.2018;
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 960429. Recorrente: COMPANHIA DE AGUAS E ESGOTOS DO RIO GRANDE DO NORTE. Recorrido: FRANCISCO JOSEVALDO DA SILVA. Relator: Min. Gilmar Mendes, 05 de março de 2020. Acesso em 21/2/2021;
CONSTITUIÇÃO (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988;
FRAZÃO, Ana. O direito à explicação e à oposição diante de decisões totalmente automatizadas. In: Jota, 5 de dezembro de 2018. Acesso em: 21/2/2021;
MALDONADO, Nóbrega Viviane. BLUM, Opice Renato. LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados comentada 2. ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

 
Leopoldo Rocha Ferreira da Silva

Leopoldo Rocha Ferreira da Silva

Advogado e Historiador. Assessor da Presidência do CRCMG. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados na EBRADI. DPO com certificação da Exin®; ISFS - Informantion Security Management Foundation based on ISO/IEC 27001; GDPR - Privacy & Data Protection Foundation (PDPF) e PDPP - Privacy & Data Protection Practitioner.

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