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Class Arbitration: Dos Estados Unidos ao Brasil, um introito

O artigo traz breve suma sobre as Class Arbitration nos Estados Unidos e a influência do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, porém com sua prática revelando significativas diferenças.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Atualizado às 12:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No Brasil, a arbitragem de direitos coletivos vem ganhando espaço nos debates jurídicos, o que se afirma não apenas pela "evolução" que a noção de arbitrabilidade objetiva ganhou nos últimos anos, fruto de modificações legislativas e decisões judiciais que as respaldam, mas também em razão da própria doutrina, que efetivamente iniciou referido debate.

É certo que as discussões foram fortemente influenciadas pelo direito norte-americano, notadamente pelo julgamento de dois casos, quais sejam, Green Tree vs Bazzle e Green Tree vs Lackey, cujas decisões serviram de inspiração para o estabelecimento das class arbitration1. O curioso é que nas decisões de referidos casos não se verificou pronunciamento pelo cabimento das arbitragens envolvendo direitos coletivos, afinal, o que fez a Suprema Corte norte-americana foi dizer que em razão da existência de convenção arbitral nos negócios jurídicos em discussão, caberia aos árbitros afirmarem, em primeiro lugar, se poderiam julgar demandas envolvendo o debate posto - em uma autêntica afirmação do princípio competência-competência.

Uma curiosidade sobre a questão é que a inclusão de cláusulas arbitrais nesses contratos teve como pano de fundo a estratégia de retirar do Judiciário o julgamento de eventuais class action, isso para que as empresas se protegessem contra as milionárias condenações nesses tipos de processo.

Mas o fato é, com o julgamento dos dois casos acima mencionados, criou-se a ideia de que os direitos coletivos seriam arbitráveis, ainda que não tenha sido essa a mensagem expressa contida na decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos.

O assunto acabou por ganhar novos contornos com a decisão proferida no caso Lamps Plus Inc. v. Varela, de 2019, quando a Suprema Corte, em apertada votação (5x4), afirmou que uma class arbitration somente seria permitida se houvesse cláusula compromissória expressa e direta a respeito, além de o livre e bem-informado consentimento das partes2. Apesar de avançar um pouco mais sobre o tema, especialmente por tentar estabelecer algum tipo de parâmetro para a instituição de arbitragens coletivas, o que se percebe é que, ante a abrangência e a generalidade da decisão exarada pela Suprema Corte, é possível afirmar que o desenvolvimento sobre o tema pouco avançou.

De toda forma, o que parece ter se estabelecido com o julgado é que o consentimento com a convenção de arbitragem de natureza coletiva precisa ser esclarecido e bem-informado, com a devida ciência das partes sobre o que está sendo pactuado, a revelar que a estratagema inicial para sua previsão (evitar class actions) não mais seria admitido. E ante o decidido, é possível pensar que o Judiciário norte-americano poderia obstar, inclusive ex ante,a instituição de arbitragens coletivas derivadas, por exemplo, de cláusulas patológicas.

Já na realidade brasileira, e apesar da influência norte-americana, já é possível observar a utilização de "arbitragens envolvendo direitos coletivos", porém mais em razão da natureza, dos efeitos e das consequências do objeto em debate.

O fato é corroborado pela previsão do art. 136-A, da lei das Sociedades Anônimas, que exige a inserção de convenção de arbitragem nos estatutos das empresas que negociam ações na Bolsa de Valores, afinal, e inclusive de forma involuntária, a depender da natureza do litígio, pode envolver uma coletividade de pessoas.

Veja-se que, diferentemente do direito norte-americano, o Brasil não está debatendo sobre a necessidade de convenção expressa e consentimento bem-informado para a instituição de arbitragens envolvendo direitos coletivos. No caso, basta o sujeito adquirir ações de uma empresa na Bolsa que ele, automaticamente, se vincularia às convenções arbitrais presentes no Estatuto das empresas.

A exemplificar o uso dessas arbitragens coletivas no Brasil, tem-se o caso do procedimento movido pelos acionistas minoritários da Petrobrás para reaver os prejuízos ocasionados por força dos escândalos de corrupção descobertos no desenrolar da operação "Lava-Jato", além da arbitragem que os acionistas da empresa Smiles instauraram contra a Gol Linhas Aéreas, isso em razão de um empréstimo realizado entre as empresas que comprometeu quase todo o capital da Smiles, negócio este que teria sido feito a juros supostamente abaixo do mercado.

Como salientado, as arbitragens de direitos coletivos estão sendo utilizadas no Brasil mais por uma consequência prática em decorrência de texto de lei, sem haver maiores debates sobre seus fundamentos, como o necessário consentimento livre e desimpedido da parte em participar de arbitragem - corolário da autonomia da vontade, ponto base de todo e qualquer procedimento arbitral. Trata-se, inclusive, de um debate que pode aportar no Judiciário, a qualquer momento, até porque já houve inclusive projeto de lei visando a alterar, justamente, o art. 136-A da lei das Sociedades Anônimas (caso do PL 7.436-A/173).

E acrescendo-se ao exposto anteriormente, a arbitrabilidade de direitos coletivos no Brasil merece especial atenção por outro motivo. É que na legislação brasileira há uma clássica e vetusta definição tripartite de direitos coletivos: direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos. Seguindo essa divisão, os dois primeiros seriam efetivos direitos coletivos, em razão da transindividualidade e indivisibilidade do objeto, a torná-los indisponíveis (portanto, não arbitráveis), sendo que apenas o terceiro deles, por caracterizar-se, segundo a melhor doutrina, como "um tratamento coletivo de direitos individuais",4 é que poderia ensejar a resolução de conflitos via arbitragem em razão da mais propensa disponibilidade do objeto.

A despeito da indisponibilidade, ou não arbitrabilidade, dos direitos difusos e coletivos stricto sensu, é possível defender que parte patrimonial destes direitos seria arbitrável, como no caso da quantificação de eventual dano ambiental reconhecido - ou seja, o an debeatur ficaria por conta do Judiciário, ao passo que o seu quantum poderia ser definido por meio da arbitragem, ou mesmo da própria forma de cumprimento das obrigações5.

Em suma, é possível afirmar que no Brasil existe uma maior abertura à arbitrabilidade daquelas questões envolvendo direitos individuais homogêneos, e desde que relacionadas a questões econômico-financeiras, como nos dois exemplos de arbitragens já instauradas no Brasil. Já o debate sobre a arbitrabilidade de direitos de difusos ou coletivos stricto sensu, isso em razão do interesse público / indisponibilidade que os precede, conjugado com a limitação da lei de arbitragem que só permite a arbitrabilidade de direitos disponíveis, parece haver uma maior dificuldade em admitir a resolução destes tipos de conflito via juízo privado, a não ser destacando aspectos patrimoniais que possam envolvê-los.

De tudo o que se expôs, apesar da influência norte-americana na evolução dos debates sobre a arbitragem de direitos coletivos no Brasil, o seu desenvolvimento e concretização mais se deve a questões de ordem prática, e em decorrência de uma previsão legal não diretamente concebida para esse objetivo, sendo certo, ainda, que o importante debate a respeito do consentimento expresso, prévio e bem-informado dos futuros litigantes da arbitragem coletiva ainda não foi objeto de pauta, diferentemente do que se observou no direito norte-americano, notadamente no caso Lamps Plus Inc. v. Varela.

 


1. FARIA, Marcela Kohlbach de. A Possibilidade da Instituição da Arbitragem em Demandas Coletivas - PL 5.139/09. Análise da Experiência Norte-Americana. In Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 34/2012, jul. - set. 2012, p. 233-251.

2. Loree JR., Philip J.. Scotus Introduces a New Federal Arbitration Act Presumption Against Consent to Class Arbitration. v. 37, 6. Alternatives to the High Cost of Litigation, 2019, p. 83-89.

3. Tratava-se de projeto de lei que buscava a inclusão de novos parágrafos ao citado artigo para permitir que as controvérsias entre os acionistas minoritários fossem levadas ao Judiciário caso a companhia não pudesse arcar com os custos do procedimento. O projeto, todavia, acabou arquivado sob os genéricos argumentos que tal previsão enfraqueceria a utilização da arbitragem e que poderia criar insegurança jurídica, além do fato de custos excessivos é questão subjetiva. Nada diz o arquivamento sobre o consentimento livre e bem-informado. Para acessar o texto do projeto de lei, ver https://www.camara.leg.br/proposicoesweb/fichadetramitacao?idproposicao=2129920.

4. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 195-196.

5. No mesmo sentido. GONÇALVES, Eduardo Damião. O Papel da Arbitragem na Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. In Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares. Coord. LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista. São Paulo: Atlas, 2007, p. 158. Em sentido semelhante, MARIANI, Romulo Greff. Arbitragens Coletivas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2015.

Matheus Pedreira Vaz

Matheus Pedreira Vaz

Pós-graduando em Direito Processual Civil pela UERJ, membro do Comitê de Jovens Arbitralistas/CMBA Advogado no PCPC Advogados.

Humberto Santarosa de Oliveira

Humberto Santarosa de Oliveira

Mestre e Doutorando em Direito Processual pela UERJ. Advogado e Professor.

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