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Privacidade: ainda temos uma?

Será que a privacidade é reconhecido ainda como um direito? Privacidade é resguardado ainda como direito mesmo com tantos avanços tecnológicos em um sociedade hiperconectada?

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Atualizado em 6 de abril de 2021 16:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Privacidade é um direito fundamental, considerado, portanto, essencial para a vida humana no plano constitucional.

Mas o que é privacidade? E será que ela sobrevive com o uso intenso das redes sociais, que se intensificou ainda mais com a pandemia?

A privacidade, durante muito tempo esteve ligada ao resguardo pessoal, a possibilidade do detentor do direito se resguardar, em outras palavras, de preservar conteúdos de serem veiculados, conhecidos por outrem.

A primeira utilização de algo que pudesse remeter à ideia de privacidade foi realizada pelo juiz Thomas Cooley nos Estados Unidos em 1888 quando reconheceu o "direito de ser deixado só".

No entanto, a primeira vez que a palavra privacidade foi utilizada para designar um direito reside no artigo de Samuel Warren e Louis Brandeis de 1890 intitulado "The right to privacy", não ao acaso essa publicação ocorreu, vez que a filha de Samuel Warren na época senador americano havia celebrado matrimônio e muitos dos convidados levaram máquinas fotográficas e registraram aquele momento para depois revelar detalhes para imprensa, descontente com aquele acontecimento resolve escrever sobre o direito de estabelecer um resguardo. Por tal motivo, no início estava ligado a um direito do titular se resguardar dos interesses alheios.

O problema daquele episódio envolvendo os primeiros paparazzi ofereceu ao mundo uma visão do direito à privacidade, e possibilitou estabelecer barreiras entre o público e o privado.

Todavia a ruptura de assuntos destinados a vida pública e privada não se manteve durante muito tempo. Com a intensa evolução dos meios de comunicação, cada vez mais a barreira existente entre público e privado foi relativizada, em Jürgen Habermas podemos constatar que tais barreiras sofreram graves rupturas.

A sistematização alemã dos círculos concêntricos da individualidade, que separava dentro de três aspectos a vida privada, foi sendo paulatinamente superada.

No Brasil, o direito à privacidade é previsto no art. 5º, inciso X da Constituição da República Federativa do Brasil e no Código Civil em seu art. 21, além de outros dispositivos legais como o Marco Civil e a LGPD.

O direito à privacidade já não mais está ligado ao "direito de ser deixado só", nem mesmo ao "direito ao resguardo pessoal". Passou ao longo da evolução estar vinculado a autonomia informativa, reconhecendo o detentor de autonomia para compartilhar ou resguardar o que entenda ser cabível. Hoje adotado a teoria de Stefano de Rodotá, vamos além, se reconhece um direito de gestão desta autonomia. E aplicando os estudos de Zygmunt Bauman, podemos afirmar que as esferas se tornaram líquidas e fluídas, ou seja, as membranas que separam as esferas da privacidade, intimidade e sigilo são permeáveis, podem se mesclar a qualquer tempo.

E a dúvida, existe ainda uma privacidade?

Existe a privacidade na medida que o detentor deste direito decide gerir a privacidade, mas isso não impede que violações destas não aconteçam sem que muitas vezes o detentor conheça tal fato. Os algoritmos e as suas utilizações em plataformas de streaming, redes sociais, de vendas de produtos estão para provar que o conteúdo está sendo compartilhado, os dados estão sendo analisados, mas quem está ciente destes tratamentos na íntegra?

Talvez o maior impedimento para se exercer privacidade nos tempos atuais encontra-se na gestão da autonomia informativa mitigada, muitas informações tratadas em bancos de dados sobre o detentor nem são conhecidas por ele de sua existência e por isso nunca serão também por ele geridas.

A proteção de dados é uma evolução do conceito de privacidade, é um desdobramento do que se pretendia em outro momento ter o direito de resguardar, foi aos poucos evoluindo o direito para abarcar o conteúdo a partir das conexões estabelecidas com a tecnologia e por meio dela. O desafio é como estabelecer a gestão de tais conteúdos.

Thomaz Jefferson Carvalho

Thomaz Jefferson Carvalho

Doutor em Direito pela UNESA/RJ, Mestre pela Unicesumar, Pós-graduado lato sensu em Direito Eletrônico pela UNESA/RJ. Advogado na Carvalho & Rodrigues Advogados Associados e Professor Universitário.

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