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As provas no Direito Processual Penal brasileiro

Um estudo doutrinário e jurisprudencial sobre as provas no Direito Processual Penal brasileiro: função, sistemas de avaliação, prova ilícita e cadeia de custódia.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Atualizado em 7 de abril de 2021 09:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em se tratando da teoria geral da prova no processo penal pátrio, a doutrina nacional contempla a conceituação do que é prova, bem como a sua função.

Para Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 684), o termo prova pode significar, objetivamente, o "ato" ou o "meio" de demonstração da verdade sobre determinado fato e, subjetivamente, é entendido como o "resultado da ação de provar".

O desvelamento da verdade, contudo, é relativo, porque baseado em suposições, e possui como finalidade precípua influenciar o magistrado em seu processo íntimo de convicção.

Nucci frisa, ainda, que a análise do conjunto probatório é o mecanismo mais apto para se aproximar da realidade fática, sendo certo de que no processo-crime impera a "prova possível".

No mesmo sentido, Aury Lopes Júnior (2020, p. 556) ensina que a prova é um meio de reconstituição de um fato histórico juridicamente relevante, de modo a propiciar a "atividade recognoscitiva" do juiz, ou seja, a formação de seu convencimento, a ser oportunamente manifestado em decisão devidamente fundamentada, evidenciando-se, dessa forma, a função persuasiva da prova.

Ademais, esse doutrinador (2020, p. 561), ao considerar a relação intrínseca entre direito probatório e decisão judicial, tece críticas sobre as limitações do conhecimento da prova e do convencimento do julgador, destacando que a busca da verdade real (material) no processo penal é um mito fundado e herdado do sistema inquisitório, capaz de motivar arbitrariedades dos órgãos estatais.

Destarte, Lopes Júnior conclui que a verdade formal ou processual é a única busca legítima, porquanto formalista, regrada e procedimental, sendo imprescindível a "subsunção do fato à norma". Todavia, ainda assim, ela é passível de questionamentos, uma vez que o conhecimento da verdade totalizante é irreal.

Para solucionar a celeuma, ele propõe a negação da busca da verdade - e não a verdade em si - como função da prova (reconhecendo-se que no sistema acusatório ela deve ser contingencial, sem ocupar um lugar de destaque) e o fortalecimento do apreço pelo devido processo legal, em especial o contraditório.

Ante a essas considerações iniciais, nota-se que, em razão de o juiz ser o destinatário da prova, faz-se mister a análise dos seus sistemas de avaliação, a definição do que é considerada prova ilícita e suas exceções, assim como a elucubração sobre a cadeia de custódia da prova. A seguir, todos esses temas serão detidamente tratados.

DESENVOLVIMENTO

2.1 OS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA

Preleciona Nucci (2020, p. 698) que são três os sistemas de avaliação da prova: a "livre convicção", a "prova legal" e a "persuasão racional". Similarmente, Lopes Júnior (2020, p. 606), quando se refere a esses sistemas, nomeia-os, respectivamente, de "íntima convicção", "sistema legal de provas" e "livre convencimento motivado".

A livre ou íntima convicção não vincula o julgador à motivação decisória, tampouco a critérios de avaliação probatória. Em que pese esse sistema ser adotado no Tribunal do Júri brasileiro, é um modelo reprovável, porque confere aos jurados demasiada discricionariedade, dispensando-se fundamentações, o que abre margem para a ocorrência de aberrações, como decisões contrárias às provas dos autos.

Já a prova legal ou sistema legal de provas atribui certo valor preestabelecido pelo legislador às provas angariadas ao feito, hierarquizando-as. Esse sistema de tarifação de provas é criticável à medida em que o julgador é limitado pela lei, não podendo se basear pelas especificidades do caso concreto.

Como exemplo do resquício desse modelo no processo penal pátrio, cita-se o artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP), que determina a indispensabilidade de exame de corpo de delito como prova da infração que deixar vestígio, de maneira que a confissão do acusado não pode supri-la.

Por fim, a persuasão racional ou livre convencimento motivado permite que o julgador profira decisão sobre a causa mediante o seu livre convencimento, desde que sempre fundamentado, consoante mandamento constitucional disposto no artigo 93, inciso IX, e nos artigos 155, "caput", e 381, inciso III, ambos do CPP. É este o sistema adotado pelo processo penal brasileiro.

Norberto Avena (2020, p. 927-928) conclui que esse sistema não adstringe a convicção do julgador aos meios de provas positivados em lei, bem como não os hierarquiza, bastando que as provas constem dos autos, sejam produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e que a decisão seja motivada.

De se salientar que o artigo 155, "caput", do CPP, determina que é vedado ao magistrado fundamentar a sua decisão exclusivamente no uso de provas colhidas na fase investigatória, porque mitigados - ou inexistentes - o contraditório e a ampla defesa. No entanto, essa regra comporta algumas exceções: é o caso das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

2.2 A PROVA ILÍCITA E EXCEÇÕES

Embora o processo penal pátrio adote o sistema do livre convencimento motivado do juiz, a atividade probatória é limitada nos termos do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, e do artigo 157 do CPP, de onde se extrai que são inadmissíveis as provas ilícitas.

Doutrinariamente, a prova ilícita é classificada como espécie de prova ilegal (gênero), juntamente com a prova ilegítima e a prova ilícita por derivação.

Contudo, de acordo com as lições de Lopes Júnior (2020, p. 629), o legislador não realizou, no artigo 157 do CPP, a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, estando as duas em categoria idêntica. Nesse sentido, compreende-se por prova ilícita aquelas que violam regras de direito constitucional ou material no momento de sua obtenção.

Nucci (2020, p. 689), porém, aumenta o escopo do que são consideradas provas ilícitas, considerando não somente aquelas conseguidas mediante violações à norma material penal, como também à processual penal, devendo ambas serem desentranhadas do processo.

Esse pensamento não é seguido por Avena (2020, p. 948), que defende que as "normas legais" aludidas no artigo 157 do CPP não dizem respeito a qualquer lei infraconstitucional, mas tão somente à de conteúdo material, restringindo-se àquelas que violaram direta ou indiretamente a Constituição Federal, no tocante às garantias constitucionais.

Não obstante a regra da inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal, a doutrina e a jurisprudência pátrias aventam situações excepcionais em que ela é aceita. Como as hipóteses estão diretamente relacionadas à prova ilícita por derivação, convém conceituá-la. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 688):

Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obstante produzidos, vali­damente, em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.

À vista disso, são exceções a essa espécie de prova: a teoria da fonte independente, a teoria da descoberta inevitável e a teoria da limitação da contaminação expurgada.

Renato Brasileiro (2020, p. 690) explica que a teoria da fonte independente é aplicada quando há a demonstração, pelo órgão de persecução penal, de que a nova prova amealhada aos autos é oriunda de fonte autônoma, isto é, não possui nexo causal com a prova ilícita originária. É o que se extrai do artigo 157, §§ 1º e 2º, do CPP.

De igual modo, é do § 2º do artigo supracitado que são retiradas as bases para a teoria da descoberta inevitável. Segundo essa teoria, a demonstração concreta de que a produção probatória seria realizada independentemente da existência da prova ilícita originária valida aquela prova.

a teoria da limitação da contaminação expurgada, embora reconheça que a prova secundária está contaminada, admite-a em razão de ocorrência futura capaz de elidir o vício, como a colaboração do acusado, o lapso temporal ou circunstâncias supervenientes. Possui o seu fundamento no artigo 157, § 1º, do CPP.

Não estando abarcada por uma dessas hipóteses, a prova ilícita deverá ser declarada inadmissível e inutilizada pelo magistrado, nos termos do artigo 157, § 3º, do CPP.

2.3 O INSTITUTO DA CADEIA DE CUSTÓDIA

Diretamente relacionado ao direito à prova lícita, o instituto da cadeia de custódia foi disciplinado nos artigos 158-A a 158-F do CPP pela lei 13.964/19 ("Pacote Anticrime").

Conforme aduz Renato Brasileiro (2020, p. 716), o seu fundamento decorre do princípio da "autenticidade da prova", com o propósito de garantir ao magistrado a fiabilidade da prova em que ele norteará o seu convencimento.

O assunto não é uma novidade, esclarece Avena (2020, p. 1.044-1.045), mas sim a sua sistematização no Código de Processo Penal. Para esse doutrinador, tal instituto possui como objetivo a preservação e o rastreamento das etapas do elemento probatório, a fim de garantir a legalidade e a licitude procedimentais, sob pena da quebra da cadeia de custódia, cujo efeito seria a imprestabilidade da prova.

Em linhas gerais, o primeiro passo da cadeia de custódia é a preservação do local do crime, seguido pelo reconhecimento de elemento de prova, o isolamento do local, a documentação detalhada da cena do crime na etapa de fixação, a coleta, o acondicionamento e o transporte dos vestígios, os quais passarão pelo recebimento de pessoa devidamente identificada, que fará o processamento desses vestígios, demonstrando os resultados em laudo pericial sujeito à contraprova, justificando-se a necessidade do armazenamento do material periciado em central de custódia até o seu ulterior descarte em momento oportuno ou quando autorizado judicialmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À vista do conceito e finalidade da prova no Direito processual pátrio, assinalou-se que ela é o meio pelo qual se busca revelar circunstâncias fáticas juridicamente relevantes.

Embora seja notório para alguns doutrinadores nacionais que a extração da verdade real seja improvável - senão impossível - de ser alcançada no processo criminal, reconhece-se que a verdade formal está apta para atingir a finalidade da persecução penal, desde que cumprido rigorosamente o devido processo legal.

Nessa senda, a prova objetiva influir na convicção do julgador. Entretanto, a persuasão racional do juiz possui limites, porquanto as provas ilícitas não podem ser por ele consideradas.

Parte da doutrina classifica a prova ilícita como espécie de prova ilegal, a qual seria o gênero. Outra parcela de doutrinadores rechaça essa classificação distintiva, acoplando ambas na mesma categoria.

Não obstante as divergências doutrinárias acerca do sentido atribuído à prova ilícita, de maneira geral pode-se concluir que ela é compreendida como aquela que foi obtida mediante violação a regras de direito constitucional ou material.

Todavia, há quem indique que vale também para violação às normas processuais, ampliando o escopo, como também existe quem afirme que a norma infraconstitucional deve ser unicamente de natureza material e que viole, necessariamente, mandamentos constitucionais para se caracterizar a prova ilícita, restringindo o sentido.

Apesar disso, a doutrina e a jurisprudência nacionais admitem exceções à regra da inadmissibilidade da prova ilícita, que se baseiam em sua derivação - seja por meio de fonte independente da prova, pela descoberta inevitável ou pela expurgação da contaminação -, sem desconsiderar, porém, os procedimentos garantidores da higidez da prova elencados no instituto da cadeia de custódia, os quais estão positivados sistematicamente no CPP.

Assim, com os deslindes das regras sobre a prova no processo penal, procura-se estabelecer condições para que o magistrado, ao analisar a lide, decida da maneira mais justa possível.

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AVENA, Norberto. Processo Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso realizado em: 30 de março de 2021.

______. Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.  Acesso realizado em: 30 de março de 2021.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

Helder Fontes Figueiredo Filho

Helder Fontes Figueiredo Filho

Graduando do curso de Direito na Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP (2017-2021).

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