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O papel da mediação em tempos de crise

O método tradicional de resolução de conflitos com o ajuizamento de demanda, contraditório, produção de provas, sentença e recursos deve ser o último caminho para a solução de disputas relacionadas ao momento atual em que vivemos.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Atualizado às 17:29

Os mais variados e possíveis cenários de crise são sempre motivo de preocupação e planejamento. As empresas concentram-se em números, metas, contratos, reputação, estoques, vendas, riscos tangíveis e intangíveis, acidentes naturais e tecnológicos, ações criminosas e proteção de dados. Os indivíduos impactados pela instabilidade econômica, em menor ou maior grau, preocupam-se com empregos, investimentos, dívidas e tantos outros compromissos assumidos.

Do poder público demanda-se resposta imediata aos indivíduos e às empresas para minimizar (e, por vezes, dirimir) os conflitos e garantir o bem-estar social. É isso que se vê desde o início do ano de 2020. Os efeitos da pungente crise mundial desencadeada pela pandemia de covid-19 são imensuráveis e têm atingido todos os setores da sociedade.

Nesse contexto de tantas incertezas, é importante refletir sobre a movimentação do já atribulado Poder Judiciário para a resolução de conflitos resultantes da crise que vivenciamos. A recessão econômica enfrentada pelas empresas e a perda de renda dos cidadãos são diretamente proporcionais ao aumento do número de novos litígios de toda ordem: familiares, consumeristas, trabalhistas, contratuais, societários, falimentares, de recuperação judicial etc.

Os conflitos demandam resposta rápida das instituições para permitir a circulação de recursos e, com isso, que as empresas retomem o curso dos negócios e os cidadãos possam honrar seus compromissos. Estão em jogo não apenas a destinação de infindáveis recursos (das partes e do Poder Judiciário) a causas ao longo de anos, mas também o desgaste dos envolvidos, a credibilidade da empresa, a viabilidade do negócio e, em última análise, a geração de empregos.

O método tradicional de resolução de conflitos com o ajuizamento de demanda, contraditório, produção de provas, sentença e recursos deve ser o último caminho para a solução de disputas relacionadas ao momento atual em que vivemos.

Sem o intuito de apontar os métodos alternativos de resolução de conflitos como remédio para as patologias do Poder Judiciário, quero demonstrar a importância e as vantagens de se alcançar boas soluções com a mediação, especialmente em tempos de crise. Na ausência de precedentes que se apliquem à situação que vivemos (nada se encontra nos tribunais que sirva de norte à solução de disputas judiciais relacionadas à pandemia), não é possível prever a probabilidade de êxito de tal ou qual medida judicial.

A imprevisibilidade do desfecho das medidas judiciais, aliada à necessidade de célere circulação de recursos, aumenta consideravelmente as vantagens de usar a mediação como forma de solução de litígios.

Um dos mais relevantes fatores associados à efetividade da mediação é a autocomposição das partes sem interferência direta e parcial do mediador. Elas podem contar com profissional especializado na controvérsia, elevando o nível das discussões e contribuindo para o diálogo. Chegar ao acordo é o objetivo comum das partes, o que contribui para a satisfação mútua e propicia maiores chances de adimplemento do acordo. Não é preciso apontar quem estava certo ou errado, quem perdeu ou quem ganhou, o importante é conciliar os interesses e permitir que ambas as partes possam prosseguir com suas atividades.

O tempo é outro fator extremamente relevante a se ponderar na utilização da mediação na tentativa de resolução do conflito. Quando a natureza da causa é falência ou recuperação judicial, o tempo para desfecho é dobrado ou triplicado.

As consequências do volume exacerbado de demandas e deficiências estruturais do Poder Judiciário são desastrosas quando considerado o fator tempo para a resolução do conflito. Muitas vezes, o provimento judicial pode não mais se adequar aos interesses e à realidade fática das empresas quando é pronunciado, com consequências práticas inestimáveis. Nesse cenário de crise, não é ousado afirmar que muitas empresas podem não sobreviver ao tempo das demandas.

Embora possa haver resistência cultural, é preciso analisar atentamente todas as vantagens que o procedimento de mediação oferece e pode vir a oferecer às empresas e aos negócios, incluindo aspectos estruturais que aparentemente não compõem o conflito em evidência, mas que constituem uma visão mais ampla e contemporânea do acesso à Justiça.

O atual cenário de crise requer do Poder Judiciário, mais do que nunca, o enfoque na adoção de medidas preventivas para evitar a distribuição de muitos processos para rediscussão de contratos e pleitos de aplicação das excludentes de responsabilidade por força maior ou caso fortuito, por exemplo. Na essência, a efetiva recuperação econômica das empresas e dos negócios é condição para a recuperação econômica do país e a pacificação social. Nesse cenário, a mediação constitui ferramenta essencial e indiscutivelmente prática para o alcance desses objetivos, contribuindo para a gestão de crises como a atual e de outras de tão diversa natureza.

Ao final, toda crise traz à tona mudanças estruturais forçadas, que, a despeito das dificuldades, certamente contribuem para evolução cultural da sociedade e das instituições.

Fernanda Aguiar de Oliveira

Fernanda Aguiar de Oliveira

Advogada. Professora. Sócia da Amesco Arbitragem & Mediação como Soluções de Conflitos. Especialista em MESCs, Direito e Processo do Trabalho, Família e Penal. Membro da Comissão de Ética da OAB Tatuapé.

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