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Problemas na contagem do prazo de suspensão processual por convenção entre as partes no CPC/15

Sistemática do Código de Processo Civil de 2015 dificulta a contagem do prazo de suspensão do processo por convenção entre as partes.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Atualizado às 13:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Código de Processo Civil de 2015 não inovou ao permitir a suspensão do processo por convenção entre as partes, em seu art. 313, II. Com efeito, tal possibilidade já era dada pelo Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 265, II, e pelo Código de Processo Civil de 1939, em seu art. 197, II, que dispunham no mesmo sentido.1 Entretanto, ainda que o Código de 2015 não tenha inovado, no que tange a possibilidade de suspensão, em relação à contagem deste prazo o Código de 2015, quando combinado com a prática forense, criou um incômodo problema hermenêutico, que merece ser enfrentado.

A situação-problema que desejo enfrentar aqui surge quando, no curso da relação jurídico-processual, as partes convencionam a suspensão do processo2 por determinado lapso de tempo e levam isso para o juiz, pedindo deferimento. Até aqui, aparentemente, não há nenhum problema, porém, quando o juiz defere este pedido, o ato de deferimento terá a forma, aparente, de uma decisão e, portanto, a contagem da suspensão convencionada incorrerá na disciplina do art. 219, caput, do CPC de 2015, ainda que isso não seja a vontade das partes.3 Dando um exemplo (para ilustrar a problemática situação que surge), podemos imaginar a seguinte situação: as partes A e B peticionam, em uma segunda-feira, 1º de março, pedindo a suspensão do processo por 30 dias, a partir da data da petição (i.e., contando o próprio dia 1º). O juiz recebe a petição e na própria segunda-feira profere a seguinte decisão: "defiro. Suspenda-se o processo por 30 dias". Pela petição das partes o último dia do prazo será 30 de março e o processo voltará a transcorrer no dia 31 de março (imaginando, evidentemente, que as partes tenham desejado dizer dias corridos). Como, porém, o ato que suspendeu o processo foi uma decisão do juiz, este prazo deverá ser contado, pela disciplina do art. 219 do CPC de 2015, em dias úteis e, assim, o último dia da suspensão processual não será o dia 30 de março, mas sim o dia 2 de abril (isto, evidente, se não houver nenhum feriado no meio do caminho). Para complicar um pouco mais a contagem, o CPC de 2015 dispõe, ainda, em seu art. 265, § 3º, que a suspensão processual por convenção das partes jamais poderá exceder 6 meses (que, evidentemente, não são contados em dias úteis). Surge, assim, a questão: como se conta o prazo da suspensão processual por convenção das partes?

Várias são as possíveis respostas para isso (e algumas destas respostas são menos aceitáveis que outras). Alguém pode argumentar, em resposta a tudo que disse até aqui, que não há problema nenhum e, que, de fato, a suspensão por convenção das partes se conta em dias úteis, dado que é instituída na relação jurídico-processual por decisão, mas observa um teto de 6 meses. Há, todavia, dois importantes óbices para considerar tal resposta válida.

Primeiro. A solução é de uma absoluta falta de praticidade, uma vez que impõe às partes (e ao juiz, enquanto parte da relação jurídico-processual) que contêm os dias da suspensão processual tanto em dias úteis (em observância ao art. 219 do CPC de 2015), quanto em dias corridos (visando a observar o teto de 6 meses), o que, em última análise, serve, apenas, para tornar a sistemática processual - e, por extensão, o próprio ordenamento jurídico - desnecessariamente confusa.

Segundo. O Código de Processo Civil de 2015 (art. 4º) e a Constituição de 1988 (art. 5º, LXXVIII) garantem a razoável duração do processo e, neste diapasão, uma interpretação que dilate o curso do processo, sem apresentar qualquer justificativa para isso, além de uma questão formal capenga, não merece prosperar, uma vez que é diametralmente oposta a este princípio.4

Por óbvio que, se a resposta anterior é antijurídica (por ser contrária à razoável duração do processo), então outra, jurídica, deve existir para o problema e, ademais, deve ser encontrada. Para tanto, é necessário mostrar que, apesar da interpretação literal do Código de 2015 feita acima, na realidade, o legislador pátrio desejava, quando o Código foi redigido, que o prazo processual por convenção das partes fosse contado em dias corridos e, apenas, não soube se expressar adequadamente. Sem entrar em considerações de cunho sociológico (que não teriam lugar aqui), há três razões, disponíveis para isso.

Primeiro: a já supracitada duração razoável do processo, explicitamente garantida pelo Código de 2015 e pela Constituição. Uma vez que a contagem dos prazos processuais em dias corridos será sempre menor que a em dias úteis, este princípio já aponta no sentido de uma interpretação que entenda a contagem da suspensão processual por convenção das partes em dias corridos. Como, porém, na prática, em virtude de uma decisão, será encontrada disposição legal em sentido contrário este princípio5, per se, não resolve a questão.

Segundo. Ocorre que não se trata, aqui, de uma verdadeira decisão6, i.e., de uma decisão em sentido material. O juiz não decide, dentro de seu poder discricionário, por quanto tempo a suspensão vigorará; o conteúdo material do ato, com efeito, chega para o juiz já definido, pendente apenas de sua aprovação; se houver alguma análise do ato, esta será meramente formal (a suspensão por convenção entre as partes é possível in casu? Sim ou não? Por quê?), mas não sobre o mérito (quantos dias de suspensão são adequados). Em suma, não há decisão. Aliás, dizer que o juiz decidiu a suspensão do processo por convenção das partes seria uma - flagrante - contradição em termos.

Terceiro. O Código indica, ao menos em dois momentos, que a contagem da suspensão processual por convenção das partes deve ser feita em dias corridos ou (outra possibilidade evidentemente possível) deixada ao livre arbítrio das partes: 1. Quando institui o teto de 6 meses para a suspensão processual por convenção das partes. Se a intenção do legislador pátrio fosse que a contagem deste prazo se desse em dias úteis, então, neste caso, teria sido mais adequado e oportuno que o teto da contagem do prazo também fosse estabelecido em dias úteis (e não em meses, como foi feito). No mínimo, evitar-se-ia assim uma desnecessária confusão; e 2. O art. 219, caput, - verdadeiro causador de todo o problema - dispõe que os prazos estabelecidos em lei ou por decisão judicial em dias se contam em dias úteis, mas nada diz sobre os prazos convencionados pelas partes. Ou seja, se não fosse a decisão do juiz, posterior a convenção suspendendo o processo, as partes poderiam acordar tanto que a suspensão seja contada em dias úteis, quanto em dias corridos, observando, única e exclusivamente, o teto legal de 6 meses (que, por óbvio, não são contados em dias úteis).

Ou seja, além de uma questão formal e de prática (petição, seguida de "decisão") não há nenhum motivo para impor uma contagem do prazo de suspensão do processo por convenção das partes em dias úteis. A interpretação sistemática do Código, aliada aos seus princípios, aos direitos fundamentais previstos na Constituição e a uma análise (bastante simples, é verdade) sobre a verdadeira natureza da "decisão", permitem uma mais oportuna interpretação no sentido de liberdade da convenção das partes, no que tange a contagem da suspensão do prazo por convenção entre elas. Sem que isto, por óbvio, implique em uma obrigatoriedade da contagem desta suspensão em dias corridos (as partes podem convencionar em sentido diverso).

Rodrigo Marchetti Ribeiro - é graduando em Direito pela Universidade de São Paulo, com dupla-titulação pela Université Lumière Lyon 2. Foi bolsista do CNPq. Atualmente é estagiário plantonista do Departamento Jurídico XI de Agosto. 

__________

1. É digno de menção que nos 3 casos até mesmo inciso escolhido pelo legislador foi o mesmo.

2. Sobre o assunto da suspensão, ver BUENO, Cassio Scarpinella, Novo Código de Processo Civil anotado, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 339-342; CÂMARA, Alexandre Freitas in: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.), Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 973-974, v. 1; THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 524-527; THEODORO JÚNIOR, Humberto, Código de Processo Civil anotado, 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 381-387; MEDINA, José Miguel Garcia, Novo Código de Processo Civil comentado, 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 548.

3. O art. 219 do CPC dispõe que: "Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais." [grifos meus]

4. Sobre o princípio da razoável duração do processo, ver THEODORO JÚNIOR, Curso de direito processual civil, p. 65-66; CÂMARA, Alexandre Freitas, O novo processo civil brasileiro, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 17; SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 294; DINAMARCO, Cândido R.; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho, Teoria geral do novo processo civil, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 55-57; ASSIS, Araken de, Processo civil brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 481-492; BUENO, Cassio Scarpinella, Manual de direito processual civil, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 54. Sobre as dificuldades que a duração do processo impõe, ver também CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan, Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 20.

5. Refiro-me, evidentemente, ao art. 219 do CPC de 2015.

6. Sobre decisão, ver MEDINA, Novo Código de Processo Civil comentado, p. 365-379; THEODORO JÚNIOR, Código de Processo Civil anotado, p. 249-251; DINAMARCO; LOPES, Teoria geral do novo processo civil, p. 184-187; SANTOS, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 281-282; THEODORO JÚNIOR, Curso de direito processual civil, p. 498-509; CÂMARA, O novo processo civil brasileiro, p. 133-135; BUENO, Manual de direito processual civil, p. 212-214.

Rodrigo Marchetti Ribeiro

Rodrigo Marchetti Ribeiro

Graduando em Direito pela Universidade de São Paulo, com dupla-graduação pela Université Lumière Lyon II. Foi bolsista do CNPQ. Atualmente é estagiário plantonista do DJ XI de Agosto.

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