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A recuperação extrajudicial em tempos de crise econômica

Vanderlei Garcia Junior

Os importantes avanços no procedimento de recuperação extrajudicial previsto na nova lei de Recuperação e Falência (lei 14.112/20) para a superação do momento de crise das empresas.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Atualizado às 10:16

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Nesses momentos excepcionais e de instabilidades socioeconômicas em que passa a nossa sociedade, importante questão surge com a necessidade de análise econômica das relações empresariais, sobretudo pela situação de crises nas empresas, causadas, especialmente, pelas invariabilidades econômico-financeiras.

Evidente que, em especial, pela pandemia causada pela covid-19, muitas empresas se viram obrigadas a sobrestar suas atividades, buscando novas formas de reformulação de seus serviços, como, por exemplo, ampliando uma atuação no mercado digital, investindo em inovações tecnológicas e instituindo entre seus funcionários o trabalho remoto (home office), talvez de uma maneira nunca antes presenciado pela nossa sociedade moderna.

Por certo, essas situações embora representem avanços na prestação dos serviços, em contrapartida, também significam investimentos e, por consequência, resultando em consideráveis aumentos das dívidas. E, com menos investimentos no mercado, as empresas se viram na necessidade de utilização de suas reservas financeiras para o cumprimento das despesas ordinárias e extraordinárias.

Entretanto, nem sempre a empresa consegue honrar pontualmente com seus compromissos, por vezes inadimplindo obrigações e buscando a renegociações de suas dívidas. Dessa forma, quando ocorre o reiterado descumprimento das obrigações, a empresa passa por um período de evidente crise, surgindo, assim, a necessidade de priorizar a sua célere recuperação e, em especial, de priorizar a continuidade da vida econômica da empresa.

Justamente nesse sentido é que a recuperação extrajudicial tem como meta, ou seja, a de promover a pronta e rápida superação da situação gerada pela crise econômico-financeira da empresa devedora. Nela, o devedor postula um tratamento especial, justificável, para remover a situação de crise momentânea que padece sua empresa. Seu objeto mediato é, certamente, a salvação da atividade empresarial em risco e seu objeto imediato, por outro lado, consiste na satisfação, ainda que atípica, dos credores, sejam os trabalhadores, o Poder Público, os fornecedores ou, também, os próprios consumidores.

A principal finalidade da reforma provocada pela lei 14.112/20 na lei de recuperação judicial e falência é, sem dúvida e como ressaltado, a de privilegiar a pronta superação do momento de crise pelo qual a empresa (excepcional e momentaneamente) estiver passando, especialmente fomentando a sua plena recuperação, inclusive, de maneira extrajudicial.

Desta forma, a novel legislação trouxe importantes questões relacionadas ao procedimento de recuperação extrajudicial, mormente no sentido de conferir maior segurança jurídica aos atos praticados, como ocorre com os acordos celebrados por credores e devedor nessa modalidade, ainda mais porque o art. 131, com a nova redação dada, afastou a possibilidade de ingresso de ações revocatórias (ou seja, ações que visem a declaração de ineficácia de atos praticados pelo falido, conforme art. 129, I, II, III e VI, da Lei 11.101/05), antes somente vedada à recuperação judicial.

Assim, certamente, foi conferida uma maior confiança para as negociações e uma certa estabilidade aos acordos estipulados durante o procedimento da recuperação extrajudicial, possibilitando, assim, preverem, dentre outras modalidades, a constituição de direitos reais de garantia, da estipulação de qualquer método de pagamento indireto das obrigações, como a dação em pagamento ou, ainda, do pagamento de dívidas vencidas por qualquer outro meio que não aquele previsto originalmente no contrato.

Outra importante inserção da novel legislação diz respeito à possibilidade de inclusão dos créditos trabalhistas e daqueles oriundos de acidente do trabalho também na recuperação extrajudicial, desde que haja a prévia negociação coletiva a respeito, com o sindicato da respectiva categoria profissional. Outrossim, também se mostra possível a modificação na remuneração dos trabalhadores, desde que, para tanto, tenha expressa previsão em convenção ou acordo coletivo, na forma do disposto no artigo 7º, VI, da Constituição Federal.

Ademais, a lei 14.112/20 estendeu a proteção legal do stay period (período de suspensão da prescrição das obrigações, das execuções ajuizadas contra o devedor e da prática de atos de constrição de bens em desfavor do devedor) à recuperação extrajudicial, determinando no § 8º, do art. 163, da legislação, a aplicação da suspensão prevista no art. 6º, desde o respectivo pedido, no entanto, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial de um terço de todos os créditos de cada espécie.

Isto porque o próprio § 7º, do mencionado artigo, estabelece que o pedido poderá ser apresentado com a comprovação da anuência de credores que representem pelo menos um terço de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos e com o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 dias, contado da data do pedido, atingir o quórum referido no caput (ou seja, de metade dos créditos de cada classe), por meio de adesão expressa, facultada a conversão do procedimento em recuperação judicial a pedido do devedor.

Ainda, visando a simplificação do procedimento, ajuizado o pedido de recuperação extrajudicial, especifica a nova legislação que o juiz determinará a publicação de edital eletrônico, convocando os credores para, querendo, impugnarem o plano de recuperação extrajudicial (conforme art. 164, com redação conferida pela lei 14.112/20), não mais necessitando a publicação do edital no diário oficial e/ou em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor, como anteriormente determinava a lei 11.101/05 em sua redação original, o que, por certo, representava um excesso de formalismo, bem como de demora desnecessitada ao procedimento de recuperação extrajudicial, que, felizmente, foi suprimida de maneira exitosa com a atual reforma. 

Finalmente, buscou-se com a nova legislação um incentivo maior à busca pela resolução extrajudicial da superação da crise pela qual estiver passando a empresa, sobretudo pela desburocratização e facilitação do procedimento da recuperação, em especial, visando a manutenção da viabilidade econômica da empresa, exercendo as suas atividades enquanto perdurarem os momentos de crise, bem como, pretendendo a atuação conjunta de credores e devedores para o melhor destino empresarial, sendo que apenas as empresas viáveis são capazes de justificar os sacrifícios que terão de ser realizados pelos credores durante a recuperação na busca pela satisfação de seus créditos.

Vanderlei Garcia Junior

Vanderlei Garcia Junior

Advogado, administrador judicial, árbitro, consultor jurídico e sócio fundador do Thamay Advocacia. Doutorando em Direito pela USP. Mestre em Direito pela Fadisp e pela Universidade de Roma.

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