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O "bug" no site do Carrefour e o princípio da vinculação

Diante desse fato indaga-se: o fornecedor é obrigado a cumprir essa oferta aos consumidores que adquiriram esses produtos?

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Atualizado às 13:10

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Esta semana, foi noticiado pela imprensa que a página oficial do Carrefour ofereceu descontos assustadores de seus produtos na internet, sendo inclusive assunto do Trending Topics do Twitter.1

Conforme foi noticiado na imprensa, os descontos de alguns produtos chegaram a mais de 80% do preço real, por exemplo, uma máquina de lavar de R$ 2.449,00, estava custando R$ 419,00. Em outro anúncio, um aparelho de celular de R$ 1.899,10, saiu por R$ 419,00. O denominado bug (defeito, falha ou erro no código de um programa que provoca seu mau funcionamento) teria causado essa oferta de valores tão baixos nos produtos.

Durante a madrugada, várias pessoas adquiriram produtos anunciados no site da empresa, que na parte da manhã, já havia cancelado algumas compras realizadas pelos consumidores. Diante desse fato indaga-se: o fornecedor é obrigado a cumprir essa oferta aos consumidores que adquiriram esses produtos?

Para iniciar a discussão precisa-se entender que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 30 dispõe que toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. Trata-se do princípio da vinculação. Toda oferta ou publicidade suficientemente precisa obriga e integra o contrato para todos os fins.

Na prática, significa dizer que o fornecedor é obrigado a cumprir a oferta ou publicidade da forma que foi veiculada e, principalmente, pelo preço anunciado. Isso é o que está disposto no art. 35 do CDC, ao disponibilizar para o consumidor o direito potestativo de escolher entre: exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

Diante dessa breve análise, percebe-se que o princípio da vinculação obriga o fornecedor a cumprir a oferta nos moldes do que foi oferecido, independente de retratação.

Todavia, no caso em comento, tratou-se de um problema no sistema da página do fornecedor fazendo com que vários consumidores adquirissem produtos que nem estavam a fim de comprar. Diante dessa situação, o Carrefour deve cumprir todas as ofertas realizadas nesse curto período de tempo?

De início, é importante ressaltar que a oferta foi suficientemente precisa, pois o problema aconteceu exatamente quanto aos valores dos produtos. Por esse simples fato, o fornecedor não pode se eximir, já que ele assume os riscos do empreendimento. De outro norte, várias pessoas ficaram sabendo do bug e efetuaram várias compras de produtos com preços bem mais baratos.

Já existe uma tendência na jurisprudência brasileira de mitigação da aplicação do princípio da vinculação em várias hipóteses, principalmente quando o erro na publicidade é grosseiro, por exemplo, um produto cujo valor real é R$1000,00, ser anunciado por irrisórios R$ 10,00, ou quando comprovada a má-fé do consumidor em querer valer de uma situação de vantagem indevida contra o fornecedor. Nesses casos, mesmo que a oferta tenha vinculado o fornecedor, o judiciário tem amenizado seus efeitos por entender que o princípio da Boa-fé objetiva é uma via de mão dupla, e cabe gera ao consumidor também os deveres de lealdade.

Desse modo, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva determina que naquelas ofertas em que existe um erro grosseiro ou que o consumidor explicitamente esteja se aproveitando da situação para se beneficiar, o fornecedor não é obrigado a cumprir o disposto no art. 35. Mas e nesse caso do bug do Carrefour a empresa será obrigada a cumprir as ofertas que foram feitas na madrugada?

É importante se analisar numa situação dessas o contexto em que tudo ocorreu. É possível uma empresa realizar descontos de 80% nos preços dos produtos? Sim, é plenamente possível. Mas isso ocorreria de madrugada, sem qualquer advertência ou data comemorativa especial? Pouco provável. A contratação foi finalizada para todos os consumidores com aviso de confirmação? Todos esses fatores devem ser levados em consideração nesse caso.

O Procon de São Paulo já solicitou explicações da empresa sobre o ocorrido que ainda não respondeu qual será o procedimento adotado. É importante ressaltar que a má-fé dos consumidores não pode ser presumida, ela deve ser comprovada caso a caso. Se a empresa não cumprir a oferta realizada na madrugada, os consumidores que sentirem prejudicados poderão procurar o poder judiciário para exigir seus direitos. Esse é um caso bastante polêmico e que a depender da decisão tomada pela empresa, provavelmente será objeto de várias demandas judiciais, individuais e coletivas.

A nosso ver, os valores dos produtos anunciados não foram irrisórios, apesar de alguns estarem com descontos de 80%, isso, por si só, descaracterizaria a argumentação de erro grosseiro. O que caberia se analisado nas compras realizadas é exatamente a má-fé dos consumidores que efetuaram essas compras e se esses anúncios com preço muito abaixo do normal despertariam nesses consumidores a possibilidade de erro do sistema. O certo é que a empresa percebeu o erro muito rapidamente e tentou saná-lo logo na parte da manhã. Tudo isso deve ser levado em consideração pelo judiciário para que se tenha uma solução justa para ambas as partes nesse caso concreto.

É necessário ressaltar que a simples aplicação do princípio da vinculação em toda e qualquer hipótese de oferta e publicidade no mercado não é suficiente para solucionar a complexidade dos problemas de consumo da atualidade. Todos os agentes envolvidos nessa equação devem cooperar para que a solução seja a mais adequada e justa.

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1Erro no Carrefour levou a descontos irreais, como máquina de lavar a R$ 400,00. Disponível aqui. acesso em 01/04/21.

Júlio Moraes Oliveira

Júlio Moraes Oliveira

Mestre em direito pela Universidade FUMEC. Especialista em advocacia civil pela FGV. Membro do Brasilcon. Membro do IBERC. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Advogado professor.

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