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O templo da aglomeração

No caso presente, o que se tem é a mais do que óbvia necessidade de preservação do bem jurídico de mais alto relevo constitucional: a vida.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Atualizado em 12 de abril de 2021 13:51

A liberdade de consciência individual é desdobramento evidente da dignidade humana, haja vista que não há como ter uma vida digna sem que se possa ter consciência livre, o que assegura autonomia para o sujeito desenvolver sua personalidade quanto a elementos religiosos, políticos, filosóficos, morais etc.

Por esse motivo, não é lícito ao Estado a realização de interferências ou imposições de ordem moral ou religiosa contra os cidadãos, sendo certo que a todos é assegurado o direito de livremente escolher aderir e professar uma religião, ou a não aderir a nenhuma, por óbvio.

O atual contexto de pandemia global - associado à necessidade de adoção de medidas de restrição às aglomerações - faz necessária uma cuidadosa análise da extensão do direito à liberdade de reunião em templos religiosos.

É certo que nenhum direito é absoluto, devendo sempre haver a compatibilização dos diferentes direitos para uma existência que vise à maior harmonia possível. No caso presente, o que se tem é a mais do que óbvia necessidade de preservação do bem jurídico de mais alto relevo constitucional: a vida. Sabe-se que há comprovação científica de que as aglomerações conduzem à propagação da pandemia viral, sendo mais do que certo que todo esforço para reduzir as aglomerações vai ao encontro da saúde pública.

Portanto, percebe-se que é falaciosa a tese de que deve ser resguardada a liberdade de reunião em templos religiosos. Isto porque, se é certo que a Constituição protege o direito ao exercício da religião, também protege a saúde pública e a vida (sem a qual sequer existe o culto religioso, é bom lembrar).

Mas não só: há que se atentar que o direito à liberdade religiosa não está sendo inviabilizado, haja vista que os encontros poderão continuar de modo virtual, como, a propósito, o próprio Supremo Tribunal Federal e seu Plenário estão a funcionar. Afirmar que o direito à crença religiosa estaria suspenso pela limitação à reunião presencial é a mesma sandice que afirmar que a jurisdição do Supremo está suspensa porque o Plenário agora não se reúne presencialmente. Trata-se de uma necessária adaptação - de todos - à circunstância em que se vive.

O direito à saúde pública há de prevalecer em relação à pretensão de reunião presencial para fins religiosos, como medida de razoabilidade e bom senso. O individualismo egoístico dos que apenas defendem sua própria liberdade de reunião não pode se sobrepor ao direito à vida dos que preferem esta à religião.

Se, como disse o Advogado-Geral da União, cristãos "estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião", é bom que se diga que há quem não esteja disposto a morrer para defender a religião - nem para defender um cargo.

Matheus Teixeira da Silva

Matheus Teixeira da Silva

Advogado, Mestre em Filosofia (PUCRS), Doutorando em Direito (Universidade Autônoma de Lisboa), Especialista em Direito do Estado (UFRGS), Processo Civl e Direito Empresarial. www.matheusteixeira.com

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