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A nova lei de licitações e contratos e a antecipação dos efeitos da alteração contratual

Uma feliz inovação em meio ao formalismo da lei 14.133/21, com o potencial de trazer mais segurança jurídica em alterações contratuais.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 10:34

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 1º de abril, foi sancionada a Nova lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 14.133/2021) e com ela sugiram as primeiras análises, comentários e debates sobre as inovações trazidas pelo novo diploma.

O sentimento geral da comunidade jurídica é de que o nova lei foi muito tímida para o que se propôs, frustrando as expectativas de que seriam solucionados os defeitos mais estruturais da lei 8.666/93, sobretudo no que toca à desburocratização.

E além de ter optado por seguir o mesmo espírito formalista da lei revogada, o legislador federal aparentemente concentrou seus esforços na realização de singelos retoques na fase competitiva dos certames licitatórios, trazendo muito poucas novidades no regramento de maior relevância na prática: a fase contratual.

No entanto, a lei nova que já nasceu velha, que manteve inalterado o modelo de contratação burocrático e engessado tão criticado na lei 8.666/93 e que optou pelo viés punitivista e controlador incompatível com a eficiência que se almeja da Administração Pública, acabou por trazer uma singela novidade a ser aplaudida, especialmente pelos defensores da segurança jurídica.

Como um oásis no formalismo reinante da nova lei, foi expressamente previsto na parte final do artigo 132 um instrumento com potencial de eliminar problemas corriqueiros em contratos administrativos, em especial nas obras de engenharia: a possibilidade de antecipação dos efeitos da alteração contratual. Vejamos:

"Art. 132. A formalização do termo aditivo é condição para a execução, pelo contratado, das prestações determinadas pela Administração no curso da execução do contrato, salvo nos casos de justificada necessidade de antecipação de seus efeitos, hipótese em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês."

Trata-se de feliz remédio atento ao pragmatismo, que foca em garantir segurança jurídica diante de uma ocorrência muito corriqueira em obras de engenharia. Não raras vezes contratantes e contratados deparam-se com a necessidade de implementar alterações quantitativas ou qualitativas nos projetos, mas esbarram na necessidade da prévia formalização dessa alteração.

Ocorre que a burocracia e a lentidão usual das alterações contratuais, atrelada à impossibilidade de interromper de forma abrupta determinadas tarefas no curso de uma obra, acabava por obrigar os envolvidos na contratação de adotarem, na prática, soluções não ortodoxas, confiando quase que exclusivamente na palavra dos envolvidos.

Tornou-se prática corriqueira a realização de atividades que extrapolam o escopo contratual, dando-se início a serviços antes da formalização do aditamento, flertando com a nulidade do contrato verbal, estatuída no artigo 60, parágrafo único, da lei 8.666/93¹, correspondente ao novo artigo 95, § 2º, da lei 14.133/21.

Muitas vezes, a própria medição do serviço era postergada para momento futuro, o que expunha todos os envolvidos a uma miríade de riscos: o gestor público, de ver seus atos questionados nas esferas administrativa, cível e criminal; e o contratado, de não receber pelos serviços executados ou, caso receba, de ser solidariamente responsabilizado/penalizado.

Diante dessa realidade inafastável, órgãos jurídicos consultivos de várias esferas da Administração Pública já haviam se adaptado, inclusive com a regulamentação de procedimentos próprios para o pagamento de indenização por serviços executados sem a cobertura contratual, embora a maioria dessas regulamentações sejam permeadas de formalismos ainda mais burocráticos do que uma contratação ordinária. Na maioria das vezes, exige-se, além da justificativa do interesse público, da boa-fé do executante e da análise da compatibilidade do preço com o de mercado, que se instaure sindicância ou PAD destinado à responsabilização do culpado pela ocorrência da necessidade da alteração, como se toda e qualquer situação inesperada decorresse necessariamente da culpa de alguém.

Ora, embora para o cidadão comum a celebração de um aditivo contratual possa fazer surgir o alerta de possível irregularidade, trata-se de situação muito comum e, na maioria das vezes, justificável, dada a complexidade de determinadas obras. Em obras rodoviárias, por exemplo, é comum a descoberta, durante a execução, de circunstâncias ocultas à época da elaboração do projeto ou da celebração do contrato, sem que haja um culpado.

A intenção de tentar trazer algum sentimento de segurança jurídica para o gestor em situações como essa foi o que motivou, por exemplo, a inclusão do artigo 22, § 1º, na LINDB em 2018, impondo aos órgãos de controle e ao próprio Poder Judiciário a obrigatoriedade de que, nas decisões sobre regularidade de conduta ou validade de ato ou contrato, sejam consideradas as "circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente".

No entanto, na prática, a mera existência de um parâmetro interpretativo da futura análise de um órgão de controle acaba por não ser suficiente para trazer o desejável sentimento de segurança ao gestor, não combatendo o fenômeno que os administrativistas contemporâneos têm denominado de "apagão das canetas".

Mais do que um princípio genérico, sujeito à abstração do juiz ou dos órgãos de controle, a previsão legal expressa de uma ferramenta prática a ser adotada no caso concreto tem o potencial de trazer efetiva segurança para a atuação de gestores no momento da autorização da realização de serviços antes do aditivo contratual, tutelando a desejada eficiência.

Já pelo lado dos contratados pela administração, além da segurança jurídica de que sua atuação não será objeto de questionamentos, a ferramenta traz também a segurança financeira, garantindo-lhe a possibilidade de exigir o adimplemento de um serviço cuja ordem foi formalizada por escrito, e não apenas baseada em uma ordem verbal de legalidade questionável.

A fragilidade na qual se vê o contratado diante de um pedido meramente verbal é tamanha, que além de passar a depender da boa vontade do gestor público, ainda fica sujeito ao risco eventual troca do agente público com o poder de autorizar os pagamentos, o que adiciona uma nova camada de risco e insegurança.

Negativas de pagamento por serviços decorrentes de ordens verbais já foram analisadas pelo C. Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar o REsp 1.111.083 chegou a decidir que "se o Poder Público, embora obrigado a contratar formalmente, opta por não fazê-lo, não pode valer-se de disposição legal que prestigia a nulidade do contrato verbal, porque isso configuraria uma tentativa de se valer da própria torpeza, comportamento vedado pelo ordenamento jurídico por conta do prestígio da boa-fé objetiva (orientadora também da Administração Pública)" ².

Todavia, embora o direito à indenização seja explorado pela jurisprudência, ele apenas protege o contratado no momento posterior, quando já foi frustrada a sua tentativa de ser remunerado administrativamente, quando dependerá da produção de prova da ordem ou autorização verbal por parte do gestor do contrato.

Com a nova previsão legal, a proteção surge em momento anterior. Diante do surgimento da necessidade de se realizar serviços não incluídos no escopo do objeto contratual originário, o contratado ganha uma garantia formal de que será remunerado, inclusive até certo poder de barganha argumentativo: ora, se o serviço de fato é necessário e se é do interesse público a sua realização com posterior formalização, que se proceda à expedição da ordem expressa e escrita de antecipação dos efeitos da alteração contratual, sem que paire sobre essa solução prática qualquer verniz de irregularidade nem a aparência de que a solução foi adotada na surdina.

A nomenclatura desse novo remédio (antecipação dos efeitos da alteração contratual) já havia sido consagrada na melhor doutrina administrativista que mantinha os olhos voltados para o pragmatismo, especialmente na obra de Joel Menezes Niebuhr:

"A antecipação dos efeitos da alteração contratual é medida legítima e encontra amparo na legalidade, desde que fundamentada nos princípios jus administrativos, especialmente no princípio da proporcionalidade, evidenciando-se a necessidade da imediata execução da alteração contratual sob pena de perecimento dos interesses públicos e a impossibilidade de cumprir ao tempo as formalidades legais pertinentes ao termo aditivo."³

Vale acrescentar que o artigo 132 aqui tratado estabelece o prazo de até 1 (um) mês, contado da expedição da ordem de antecipação, para que seja formalizado o aditivo contratual, período que, na maioria das vezes, bastará para que seja regularizada a situação, sem que isso interrompa o regular prosseguimento do cronograma dos serviços.

O que a lei também poderia ter tratado de forma expressa, mas restou silente, são os efeitos do descumprimento desse prazo de 1 (um) mês para a celebração do aditivo, o que, em uma análise razoável e consentânea com a finalidade do dispositivo, não poderá trazer prejuízos ao contratado que executa os serviços após ordem escrita da Administração.

Resta-nos aguardar a posição dos Tribunais Pátrios e das Cortes de Contas diante desse silêncio, com a esperança de que a inovação não seja transfigurada pelo formalismo, privilegiando-se o princípio da proteção à confiança legítima, segundo o qual deve ser tutelado o sentimento de confiança do particular na atuação legítima e regular da Administração Pública conforme a ordem jurídica.

___________

1. Art. 60. (...) Parágrafo único.  É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta lei, feitas em regime de adiantamento

2. STJ; REsp 1111083/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/13, DJe 06/12/13.

3. NIEBUHR, J. de M. Licitação pública e contrato administrativo. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 998.

Pedro Cota Passos

Pedro Cota Passos

Advogado especialista em Direito Administrativo, associado do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados.

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