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Uma abordagem do prazo mínimo de vigência de patentes

Possíveis consequências da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Atualizado às 16:57

A temática da proteção legal de invenções, através do sistema de patentes, sempre despertou uma série de discussões.  Estas passavam pela questão do monopólio concedido, sua compatibilidade com princípios da livre iniciativa e concorrência, além do prazo razoável para a sua validade. A Constituição Federal, em seu art.5º, inciso XXIX, garante a proteção temporária dos bens de propriedade intelectual, desde que condicionado ao interesse social e ao desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil.  De forma a se adequar ao Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC), foi editada a Lei da Propriedade Industrial - lei 9279/96 (LPI), que no artigo 40 fixa em 20 anos o prazo de validade de uma patente de invenção e em 15 anos o de um modelo de utilidade.  Estes prazos têm seu marco inicial na data do depósito destes pedidos.  A norma fixa um prazo mínimo de vigência de patentes.

Referido preceito está sendo inquinado como inconstitucional, perante o Supremo Tribunal Federal (STF) onde foi concedida tutela provisória, em 7/4/21, pelo Ministro Dias Toffoli (ADIn 5529-DF).  É incorreto afirmar que o citado parágrafo único importaria em um prazo indeterminado para as patentes. A lei não prorroga a patente de invenção por 10 anos e os modelos de utilidade por 7 anos, apenas garante este como o prazo de vigência mínimo destes direitos.  Assim, uma patente de invenção concedida após 11 anos de exame teria um prazo de vigência de 21 anos, contados de seu depósito, isto é um acréscimo de 1 ano.  A demora de concessão não importa na violação do princípio da função social da propriedade. 

Em sua decisão, explicita o Ministro Dias Toffoli que a proteção patentária não começa com a sua concessão. Sobre esta questão, convém verificar que um dos instrumentos, que o depositante de um pedido de patente tem para a sua exploração é o seu licenciamento.  Trata-se de uma expectativa de direito, na medida em que somente com a concessão este se completa.  Entretanto, nos termos de publicação, constante no sítio do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a remuneração da licença, durante o período de pedido de patente, é suspensa.1 Para tanto, verifica-se

Os pedidos de patentes ainda não concedidos terão a remuneração suspensa até a concessão da patente. Quando a patente for concedida, a empresa deverá solicitar ao INPI alteração do Certificado de Averbação, retroagindo a remuneração à data do início do prazo do contrato ou do aditivo no INPI.

O depositante deixa de receber remuneração neste período e esta tende a se tornar maior com a concessão da patente, como se observa no Extrato de Contrato de Licenciamento 3/18, onde a remuneração passa 0,8% para 1,5% com a concessão da patente.2

Verifica-se que no período anterior a concessão da patente, a remuneração é inferior.  Assim, sem um mínimo de vigência, cria-se um ambiente desfavorável a inovação.  O empreendedor deixará de ser remunerado de forma adequada e isso impactará, com certeza, na inserção do Brasil nos processos atuais de desenvolvimento tecnológico.  Cumpre, adicionalmente acrescentar que a hipótese de concessão de licenciamento compulsório se restringe a patentes concedidas, uma vez observada a redação dos artigos 68 e 71 da LPI. Verifica-se, que em ambos os casos os preceitos legais se referem a titular da patente, ao contrário do que ocorre no artigo 61 da LPI.  Não há licença compulsória para pedido e no caso de violação de abuso econômico3 deve esta ter sido concedida a 3 anos.

Nesse sentido, vale observar a redação dos referidos artigos da LPI:

Art. 61. O titular de patente ou o depositante poderá celebrar contrato de licença para exploração.

Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. 

A diferença dos preceitos legais é clara.  Um pedido de patente pode ser objeto de licença voluntária.  Já o licenciamento compulsório depende da concessão da patente. 

Imaginar que garantir um prazo mínimo de vigência implicaria na inexistência de fixação deste ou que esta conduta acarretaria violação de princípios de direito de concorrência, é deixar de compreender a dinâmica da inovação tecnológica.  Em um mundo cada vez mais globalizado, a informação trafega entre as nações e algumas, detendo o conhecimento, estão em condição de escolher o mercado onde estas serão implementadas.  Existe a equivocada percepção de que o sistema de patentes deixa de beneficiar o processo de desenvolvimento nacional.  A própria legislação de repressão ao abuso de poder econômico considera como legal o domínio de mercado relevante resultante do processo inovador. O estímulo a inovação tecnológica não ocorre com o enfraquecimento do sistema de patentes e com a ausência de segurança jurídica.   A legislação deve garantir o ambiente necessário de proteção oferecido ao empreendedor, para desta forma criar um meio favorável a pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Ademais, a insegurança do marco regulatório, na medida em que se questiona um preceito legal vigente desde 1997, não será benéfico para um país onde a grande maioria das patentes são originárias do exterior.  Existem critérios para a prorrogação do prazo de patentes para produtos farmacêuticos nos Estados Unidos da América (EUA), na União Europeia e no Japão.4 Na China a legislação foi alterada, com vistas a permitir o acréscimo de vigência de patentes farmacêuticas e do período de graça destas, por conta da pandemia da covid-19.5

Com exceção da China, pode-se constatar que há livre concorrência nos EUA, União Europeia e Japão, sendo que esta é bem ranqueada.6  Segundo dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o Brasil não é um grande destinatário de pedidos de patentes, principalmente se comparado com o número de depósitos ocorridos no Escritório Europeu de Patentes, EUA, Japão e China, de 1997 até 20197.

Como pode ser observado dos gráficos acima, a participação brasileira no quantitativo de depósitos de pedido de patentes não é significante.  A decisão em comento, caso venha a ser confirmada, com grande probabilidade deixará de contribuir para uma maior inserção brasileira na cadeia de inovação tecnológica.

Considerando o setor de saúde, observa-se que em 2016, o mercado de produtos injetáveis genéricos nos EUA movimentou 8.05 bilhões de US, com expectativa de crescimento.8 O que se vislumbra, da experiência internacional, é na inexistência de contradição entre o prazo mínimo de vigência de patentes e princípios de livre iniciativa e concorrência, devendo o Estado, através de seus mecanismos, adotar medidas pontuais que promovam a repressão ao abuso de poder econômico.

Por derradeiro, a decisão proferida concede tutela provisória, limitando seus efeitso a patentes relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde. Na verdade, importa esta decisão na discriminação de  setores, por somente se referir a produtos farmacêuticos e equipamentos e/ou materiais da saúde viola a regra do artigo 27.1 ADPIC, o que por seu turno, importa em violar compromisso internacional assumido pelo Brasil.  Referido artigo determina:

Artigo 27

Matéria Patenteável

1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo 70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

Feitas estas considerações, não me parece haver uma violação direta da Constituição Federal, com a regra do parágrafo único do artigo 40 da LPI. Ademais, uma medida desta jaez deve ser sopesada, na medida em que pode impactar negativamente no acesso do Brasil a novas tecnologias, em especial no setor da saúde, onde o país carece de tecnologia para a produção dos mais diversos fármacos.9

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Clique aqui, acesso em 10/4/21

2 Diário Oficial da União 15/1/19, Seção: 3, página: 39

3 §1o do artigo 68 da LPI

4 Whittaker, Scott. Pharmaceutical patent term extension: an overview (clique aqui), acesso em 11/4/21clique aqui

5 Mi, Li. New amendments to the Chinse Patent Law will impact the pharmaceutical industry. clique aqui, acesso em 11/4/21

Clique aqui, acesso em 11/4/21

7 Clique aqui, acesso em 11/4/21

8 U.S. Specialty Injectable Generics Market Analysis By Therapeutic Use (Oncology, Cardiovascular, Central Nervous System, Infectious Diseases, Autoimmune Disorders), And Segment Forecasts, 2018 - 2025, clique aqui, acesso em 11/4/21

9 Castro,  Luiza Rezende. Aspectos da inovação e da propriedade industrial envolvidos nas estratégias empresariais da indústria farmacêutica brasileira. pág. 93. Clique aqui, em 11.4.21

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Castro,  Luiza Rezende. Aspectos da inovação e da propriedade industrial envolvidos nas estratégias empresariais da indústria farmacêutica brasileira. pág. 93. Clique aqui, em 11.4.21

INPI. Clique aqui,  acesso em 10/4/21

Mi, Li. New amendments to the Chinse Patent Law will impact the pharmaceutical industry. Clique aqui, acesso em 11/4/21

U.S. Specialty Injectable Generics Market Analysis By Therapeutic Use (Oncology, Cardiovascular, Central Nervous System, Infectious Diseases, Autoimmune Disorders), And Segment Forecasts, 2018 - 2025, Clique aqui, acesso em 11/4/21

Whittaker, Scott. Pharmaceutical patent term extension: an overview. Clique aqui, acesso em 11/4/21. Clique aqui

WIPO. Clique aqui, acesso em 11/4/21

Clique aqui, acesso em 11/4/21

Ricardo Luiz Sichel

Ricardo Luiz Sichel

Procurador aposentado do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Pesquisador em Direito da Propriedade Intelectual. Professor de Direito da UNIRIO e do Programa de Mestrado em Direito da UCAM. Mestre e doutor em Propriedade Intelectual pela Westfälische Wilhelms Univ, em Münster (Alemanha).

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