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Planejamento sucessório e pandemia

Com a pandemia à espreita, o brasileiro está sendo forçado a fazer algo que culturalmente não tem o hábito de fazer, refletir sobre sua finitude e planejar a sua sucessão.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Atualizado às 13:56

Assim, em meio à crise pandêmica que nos assola, vem a lume importante reflexão: devo planejar minha sucessão em vida? Caso sim, quais ferramentas e vantagens o direito pátrio dispõe para planejar a sucessão patrimonial em vida, principalmente quando o tempo urge?

Em primeiro lugar, importante desmistificar a ideia de que o planejamento sucessório se destina tão-somente a quem possui grandes patrimônios.

Bens móveis (carro, dinheiro, joias, objetos de valor variados), imóveis (casa, apartamento, terreno), investimentos diversos (previdência privada, renda fixa ou variável) ou bens incorpóreos, intelectuais ou digitais (participação societária, marca, patente e até mesmo páginas/domínios na internet, perfil em rede social, canal no YouTube, etc.). Tudo isso é patrimônio e, portanto, pode ser objeto de planejamento sucessório.

Entretanto, a falta de cultura de planejamento do brasileiro, acaba por empurrar o problema para o amanhã, ou seja, para a sucessão post mortem (inventário judicial ou extrajudicial), ficando o problema a cargo dos herdeiros, os quais, na grande maioria das vezes, não tem o entendimento necessário para lidar com a questão, resultando, assim em conflitos intermináveis no ceio familiares, os quais poderiam facilmente ser resolvidos se a sucessão fosse definida em vida.

Soma-se a isso a ineficiência do estado e da legislação sucessória, que acaba por resultar em processos judiciais custoso, demorados, conflituosos e, portanto, limitadores da tão prestigiada autonomia privada.

Pensando a partir de tal horizonte, temos os mecanismos tradicionais de planejamento sucessório, como por exemplo a doação com cláusula de usufruto e inalienabilidade, que reduz o percentual do imposto cobrado sobre o valor dos bens (ITCMD), delimita em vida a cota parte de cada herdeiro, evita a venda do bem e, caso assim queira o doador, pode reservar a renda/frutos do bem para si ou para um beneficiário específico.

Outro exemplo é o testamento público (feito em cartório extrajudicial - art. 1.864, do CC); testamento cerrado (onde a vontade do testador se mantém em sigilo até o dia de sua morte); o testamento particular (redigido de próprio punho pelo testador ou mecanicamente, sem rasuras e com a assinatura de três testemunhas e que dependerá de confirmação judicial - art. 1876, do CC); e, por fim, o testamento emergencial ou hológrafo (modalidade de testamento particular, também firmado de próprio punho pelo testador em circunstâncias excepcionais1 declaradas na cédula - art. 1.879, do CC).

Quanto ao testamento público e sua solenidade vale destacar o provimento 100/20 do CNJ2 que autorizou a realização de atos notariais por meios virtuais através do sistema e-Notariado, permitindo, assim, a verificação da livre manifestação da vontade das partes em relação ao ato notarial lavrado eletronicamente.

Segundo notícia publicada pelo Colégio Notarial do Brasil - Seção São Paulo, a procura por testamentos junto aos cartórios extrajudiciais teve aumento de 134% na comparação entre abril e julho de 20203, havendo destaque para alguns estados:

"Alguns estados destacam-se no crescimento do número de testamentos concretizados, em comparação entre os meses de abril e julho deste ano, como Amazonas (1.000%), Ceará (933%), Roraima (400%), Distrito Federal (339%), Maranhão (300%), Mato Grosso (300%), Sergipe (260%), Pernambuco (225%), Espírito Santo (175%), Minas Gerais (170%), Alagoas (167%) e Santa Catarina (108%).

Já outras unidades da Federação, como Tocantins (150%), Roraima (100%), Paraíba (45%), Goiás (31%), Espírito Santo (22%), Paraná (17%), Mato Grosso do Sul (7%) e Pernambuco (6%), também mostram um crescimento acima da média, ultrapassando, inclusive, os números de julho de 2019."

Por fim, temos a holding familiar, onde é criada uma pessoa jurídica específica para administração dos bens. Tal modalidade traz diversos benefícios, tais como a demarcação do que é ativo da empresa e o que é ativo familiar; partilha dos bens através de cotas a cada herdeiros; delimitação em vida das responsabilidades de cada herdeiro dentro da empresa, como por exemplo a definição de quem ocupará o cargo de administrador dos bens em caso de morte do patriarca/matriarca ou a quem incumbirá o cargo de direção/CEO da empresa familiar; a possibilidade de imunidade tributária do ITBI (artigo 156, §2º, I, da CF), entre outros, como a possibilidade de previsão cláusula de usufruto, inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversibilidade, o que acabar por manter o negócio familiar vivo por muito mais tempo.

 Em todos os casos é importante que o interessado se valha de profissional capacitado para tanto, de modo que juntos possam diagnosticar quais as melhores estratégias, ações e prevenções necessárias a realização dos pilares do planejamento sucessório: expandir a autonomia do titular do patrimônio; rápida passagem dos bens aos herdeiros; mitigar possíveis conflitos familiares em torno da herança; e, por fim, a reduzir os custos.

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1 Segundo o doutrinador Zeno Veloso caracteriza-se situações excepcionais aquelas "que dão a ideia de urgência, imprevisibilidade, de fato graves, podem ser as mais diversas: o testador está no meio de uma enchente, de um incêndio, num lugar isolado, sem comunicação, perdido; está no hospital, numa CTI, e sente a proximidade da morte". Veloso, Zeno. Testamento: noções gerais; formas ordinárias. In: Revista do Advogado, 112, ano XXXI, junho de 2011, p. 195

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Davi Olegário Portocarrero Naveira

Davi Olegário Portocarrero Naveira

Advogado.

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