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Imposto rosa: Preço de ser mulher

O Imposto Rosa afeta a vida diária das mulheres, que gastam cerca de 10% a mais nos produtos que lhe são destinados quando em comparação aos destinados a homens.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Atualizado às 10:34

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O "Imposto Rosa" ou "Taxa Rosa", apesar de receber este nome, não é precisamente um tributo em si, mas sim um fenômeno de sobrepreço para produtos "femininos", quando em comparação com os mesmos produtos "masculinos".

Muito além das flores e chocolates que ganham o posto de produtos mais consumidos no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Imposto Rosa afeta a vida diária das mulheres, que gastam cerca de 10% a mais nos produtos que lhe são destinados quando em comparação aos destinados a homens.

A expressão "Imposto Rosa" foi cunhada no estudo From Cradle to Cane: The Cost of Being a Female Consumer¹ do ano de 2015, realizado pelo City Department of Consumer Affairs (DCA), departamento vinculado ao órgão consumerista da cidade de Nova York nos Estados Unidos. Conforme a pesquisa, o termo "Imposto" (originalmente Tax) refere-se figurativamente ao preço maior que as mulheres têm de pagar por seus produtos, como se de fato o preço daqueles fosse calculado com a incidência de um tributo que não alcança os bens para o público masculino. A escolha de "Rosa" (originalmente Pink) por sua vez, possui ligação direta com o fato que a maioria dos produtos destinados às consumidoras são vendidos na cor rosa: escovas de dente, desodorantes, lâminas de depilação e até mesmo sabonetes.

Semelhante ao estudo americano From Cradle to Cane, no ano 2017 foi realizada no Brasil a pesquisa Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo pelo grupo de Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor (MPCC) da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) na cidade de São Paulo. Conforme apresentação realizada em 8 de março no ano de 2017² o grupo chegou à conclusão que os produtos "rosa" possuem um sobrepreço de 12,3% quando comparados aos produtos comuns. E a diferença de preços não se restringe a bens materiais, estando também presente em serviços: cortes de cabelo e depilação, e até mesmo serviços de transporte exclusivamente femininos chegam a ser 27% mais caros.

É importante destacar que o fenômeno do Imposto Rosa não reside na obrigação das mulheres de pagar a mais pelos mesmos produtos e serviços, mas na observação de que produtos apresentados como desenvolvidos ou pensados para mulheres são mais caros do que aqueles desenvolvidos para homens. Ademais, o público feminino que desconhece esse sobrepreço é facilmente influenciado a comprar os produtos que se valem dessa prática. Quando um produto possui em seu rótulo "para homens", tem-se a sensação automática de que aquela fórmula não será benéfica para as especificidades femininas - que são por vezes irreais, tendo em vista que o Imposto Rosa afeta bens universais, como pastas de dente.

Mas, por que o Imposto Rosa existe? Apesar de não haver uma causa específica e concreta, o fenômeno se baseia em duas premissas básicas: o estereótipo que mulheres consomem mais do que homens, e que a venda de produtos especialmente para o público feminino traduz uma ideia de inclusão.

No primeiro argumento, deve-se refletir sobre como as mulheres são vistas como as mais consumistas, as que mais gastam com produtos para beleza e moda. De fato, a premissa não deixa de ser verdadeira, afinal as mulheres (em regra) consomem muito mais produtos supérfluos que os homens. Mas a questão pede uma análise ainda mais profunda: o consumo "exagerado" de maquiagens e roupas reflete as dificuldades femininas em alcançar um padrão muito alto que não existe para os homens. Estar maquiada, bem vestida, especialmente nas últimas tendências do mundo da moda, com os cabelos cortados e a pele jovial - quase sempre devido a serviços estéticos - são alguns dos requisitos da mulher bem sucedida. O segundo ponto por sua vez também é verdadeiro.

Em um mundo construído por homens para homens, a inclusão de produtos "femininos" pelas marcas alude ao ideal de uma participação igualitária no mercado. As mulheres se sentem bem em consumir produtos feitos especificamente para elas.

O fenômeno ainda está igualmente presente nos produtos destinados apenas a mulheres. Tem-se a título de exemplo a tributação (desta vez em seu sentido literal) de absorventes femininos. Segundo o Impostômetro³, índice mantido pela Associação Comercial de São Paulo, no estado de São Paulo o absorvente no ano de 2020 tinha tributação média de 34,48%, cálculo que inclui PIS, COFINS e ICMS. Em comparação a outros bens, os absorventes, conforme o princípio da seletividade e para os fins de tributação do ICMS, são mais supérfluos que joias, perfumes e cosméticos.

A solução para o Imposto Rosa, contudo, é mais complexa do que aparenta. Isso porque além dos poucos estudos realizados na área, é difícil estabelecer um parâmetro objetivo que verifique se um produto é de fato mais caro apenas por ser destinado a mulheres, ou se as mudanças na embalagem e em suas cores realmente despendem mais recursos em sua produção e pesquisa.

Assim sendo, o próprio posicionamento da consumidora é a maneira mais efetiva de esvaziar essa prática do sobrepreço. Em um país onde mulheres recebem menos que seus colegas homens, e paralelamente pagam a mais em seus produtos, é necessário estar atenta a algumas práticas que podem beneficiar as finanças femininas: a comparação de preços, o raciocínio se a separação dos produtos por gênero traz algum benefício real, ou a simples compra de produtos "neutros" são alguns destes instrumentos. O consumo deve refletir os ideais da modernidade, os mesmos que devem ser lembrados não somente no mês de março, mas todos os dias: mulheres merecem igualdade.

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1NYC Consumer and Worker Protection. A Study of Gender Pricing in New York CityNew York Government, New York, 18 de dezembro de 2015. Disponível aqui. Acesso em: 19 de março de 2021.

2. Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor. Taxa Rosa e a Construção do Gênero Feminino no Consumo, São Paulo, 9 de março de 2017. Disponível aqui. Acesso em: 19 de março de 2021.

3. CNN Brasil. As mulheres gastam mais do que os homens ou apenas pagam mais caro?. São Paulo, 3 de dezembro de 2020. Disponível aqui. Acesso em: 19 de março de 2021.

Flávia Santanna Benites

Flávia Santanna Benites

Sócia no escritório Ernesto Borges Advogados.

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