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As constantes interferências entre os poderes e o não cumprimento do que está disposto na Constituição

Atualmente, estamos presenciando diversos atritos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, onde um poder quer interferir na atuação do outro. A Constituição Federal de 88 deixa claro, em seu artigo 2º, que todos os poderes da União devem ser independentes e autônomos entre si.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Atualizado em 26 de abril de 2021 09:02

Diante dos vários princípios existentes em um Estado Democrático de Direito, a separação dos poderes é um dos que mais se destacam para o sucesso de um governo democrático. A teoria da separação de poderes foi inicialmente criada por Aristóteles em sua obra "A Política", onde ele definiu três órgãos como sendo responsáveis por todas as decisões do Estado, classificando esses poderes como Deliberativo, Executivo e Judiciário. Contudo, existe um consenso doutrinário atribuindo à Montesquieu como sendo o criador da tripartição de poderes. Em sua obra "O Espírito das Leis", além dos poderes Executivo e Legislativo, ele incluiu o Judiciário entre os poderes fundamentais de um Estado. As teorias de separação dos poderes começaram a surgir em meados do século XVII como uma forma de contrapor o Poder Absolutista, que predominou na Europa durante os séculos XVI e XVIII, onde todo o poder era concentrado nas mãos de uma única pessoa.

O Brasil adotou a Federação como forma de Estado e a República como forma de governo, surgindo assim o nome República Federativa do Brasil, formado pela União, estados e municípios, sendo adotado o sistema presidencialista de governo. A Constituição Federal de 88, em seu artigo segundo, dividiu os poderes da União em Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo todos independentes e harmônicos entre si. Cada poder possui atribuição própria, que são específicas e determinadas a cada esfera do poder, a quem cabe exercê-las com exclusividade.

No âmbito federal, o Congresso Nacional exerce o Poder Legislativo, composto pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. Na esfera estadual, este poder é exercido pelas assembléias legislativas e no campo municipal pelas câmaras de vereadores. Cabe ao Poder Legislativo, que é um órgão colegiado, elaborar leis e fiscalizar os orçamentos e gastos do Poder Executivo.

Com relação ao Poder Executivo, este tem a função de administrar, implantando programas e projetos sociais, econômicos e institucionais, nomeando seus assessores e estabelecer um bom relacionamento com outros países. No âmbito federal, o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e seus ministros, no campo estadual, pelo Governador e seus secretários de estado, e no municipal, pelo Prefeito e seus secretários.

Finalmente, o Poder Judiciário possui a função de apreciar os atos dos poderes Executivo e Legislativo, bem com defender os direitos de cada cidadão, garantindo uma justiça justa e resolvendo os prováveis conflitos que surgirem na sociedade. O Poder Judiciário é formado pelos fóruns existentes em cada comarca, tribunais estaduais, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal e mais alta corte do país.

Existem situações, legitimadas constitucionalmente, em que um poder precisa exercer funções que são próprias de outro poder. Porém, essas interferências não podem ocorrer com frequência, tendo um grande risco de um poder ser soberano e tomar todas as decisões do país, atuando e estabelecendo funções que são específicas dos outros poderes.

Recentemente, o noticiário tem divulgado essas interferências. Nos últimos anos, o Poder Judiciário tem tomado decisões que não são de sua competência, atuando em funções que são específicas dos poderes Executivo e Legislativo, argumentando que tais decisões seriam para estabelecer a ordem no país e proteger a Constituição.

Como exemplo das interferências do Poder Judiciário, é possível citar o caso da prisão após condenação em segundo grau jurisdicional. No ano de 2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal, durante julgamento de um habeas corpus, entendeu que condenados em segunda instância já poderiam iniciar o cumprimento da pena, mesmo antes da sentença penal condenatória transitada em julgado. Três anos depois, durante o julgamento de outro habeas corpus, o plenário alterou a jurisprudência e manteve o entendimento de que o condenado só poderia iniciar o cumprimento de sua pena após o processo transitar em julgado. Ora, se cabe ao Poder Legislativo a elaboração de leis, apenas este poder teria a competência de modificar o Código de Processo Penal ou criar emendas constitucionais, firmando ser possível ou não o cumprimento da pena após condenação em segundo grau jurisdicional, através dos trâmites de elaboração e modificação da legislação que estão regulamentadas no regimento interno de cada casa legislativa.

Em abril do corrente ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, ordenou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia do coronavírus.  As CPIs estão previstas no § 3º do artigo 58 da Constituição e tem seu regramento detalhado na lei 1.579, de 1952, sendo uma forma usada pelo Parlamento de exercer sua atividade fiscalizadora. Segundo consta na legislação, uma CPI só pode ser criada a requerimento de senadores, de deputados ou em conjunto, quando são formadas as CPIs mistas, não havendo determinações legais de que uma comissão possa ser instalada após ordenação do STF. Assim sendo, mais uma vez ficou caracterizado que a mais alta corte do Brasil interferiu no Poder Legislativo ao ordenar que fosse instalado referida comissão.

Outro exemplo de interferência, também ocorrido recentemente, durante a pandemia do covid-19, foi quando o plenário do STF, por unanimidade, decidiu que não caberia ao Poder Executivo federal a prerrogativa de estabelecer as medidas de combate à pandemia, estabelecendo que cada estado e município teria a autonomia para tomar suas próprias decisões. Com essa decisão, a Medida Provisória 926/2020, onde o Poder Executivo federal e o Ministério da Saúde havia estabelecido regras para combate à pandemia, foi derrubada e os estado e municípios passaram a elaborar suas próprias medidas epidemiológicas.

Esses são apenas alguns exemplos do Poder Judiciário querendo legislar e estabelecer medidas que são de prerrogativas do Executivo. Dentre as várias decisões que são tomadas diariamente pelo judiciário, surge o questionamento se realmente há uma autonomia entre os poderes. Ante o que foi exposto e mediante todo o cenário atual e as constantes interferências do judiciário, fica público e notório que um poder está tendo maior autonomia sobre os demais. Resta agora que os demais poderes imponham limites sobre este "super poder", para que seja restabelecido aquilo que está previsto na Constituição e, futuramente, volte a haver uma harmonia e independência entre todos os poderes.

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CAMARA MUNICIPAL. Entenda a divisão de poderes no Brasil. Camara Municipal de Novo Hamburgo. Disponível clicando aqui. Acesso em 20 abr. 21.

COUCEIRO, J. C. S. Princípio da Separação de Poderes em corrente tripartite. Revista Âmbito Jurídico, São Paulo/SP, 01 nov. 2011. Disponível clicando aqui. Acesso em 19 abr. 21.

MAGALHÃES, J. L. Q. A teoria da separação de poderes. Revista Jus.com.br, nov. 2004. Disponível clicando aqui. Acesso em 19 abr. 21.

SENADO FEDERAL. O que é e como funciona uma CPI. Agência Senado, Brasília/DF, 15 abr. 2021. Disponível clicando aqui. Acesso em 21 abr. 21.

Matheus da Silva Covas

Matheus da Silva Covas

Graduado em Biomedicina pela Universidade Paulista (UNIP-Ribeirão Preto). Graduando em Direito (FACESB-São Joaquim da Barra). Especialista em Ciências Forenses e Criminal Profiling (IPEBJ-Rib. Preto).

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