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Os limites entre a cópia e a inspiração na moda

Os limites entre cópia e inspiração na indústria da moda devem ser analisados cuidadosamente, para evitar o plágio, proteger a propriedade intelectual e ainda, sem censurar a liberdade criativa.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Atualizado às 13:12

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Comumente, artistas, diretores criativos, estilistas se deparam com criações muitos similares ou até idênticas às suas. Por um lado as cópias atribuem aos modelos originais um valor agregado maior, geram um desejo de consumo e estimulam novas criações; por outro, a identidade única de cada marca faz com que ela se sobressaia dentre as demais e atinja bons resultados em vendas. Uma vez copiada, uma marca perde sua identidade no mercado, principalmente tratando-se de pequenos produtores que, ainda não tem expressividade suficiente para se imporem e concorrem com grandes marcas. Nesse contexto, é essencial analisar quais os limites entre a cópia e a inspiração na indústria da moda.

Há quem acredite que a cópia faz parte da moda, movimentando a economia e democratizando o mercado de luxo. De fato, algumas coleções de "Fast Fashion" apresentam peças similares às de marcas mais caras, aumentando o alcance de um modelo e tornando-o tendência. No entanto, essas coleções são efêmeras e os preços e durabilidade das peças são menores, estimulando o consumo exacerbado.

Hoje, marcas locais têm tido um alcance maior e expandido seu público, devido às redes sociais. A maioria dessas marcas ainda não tem força significativa para se impor diante de grandes marcas, que às vezes as copiam, com o objetivo de seguir tendências e aumentar a adesão do público mais jovem. E, uma vez copiada, elas podem perder sua originalidade e o valor agregado de suas peças, bem como confundir o público consumidor. Essa atitude pode ser encarada como concorrência desleal, vedada pelo artigo 195 da lei de Propriedade Intelectual (lei 9279/96) e pelo artigo 170, inciso IV, da Constituição da República/1988.

Na França, a moda é tratada como criação, como são as artes visuais, protegidas por leis de direitos autorais mais específicas. Na Itália e Alemanha, por sua vez, a produção criativa é historicamente conhecida e,  consequentemente, mais valorizada. Nos Estados Unidos, por outro lado, as criações são tidas como itens funcionais e, portanto, não são regulamentadas por leis de propriedade intelectual, são respeitadas apenas patentes de componentes técnicos, logomarcas, nomes e desenho industrial. A interpretação estadunidense se deve ao fato de que a indústria de moda do país foi sedimentada pela manufatura e não pela criação, como foi na França. A cópia de produtos estrangeiros é o embrião da moda norte-americana, até os anos 70, o país fabricava roupas copiando as principais criações que viam da Europa. A partir de 1980, apenas, a indústria da moda nos Estados Unidos passou a se basear em criações nacionais.

Nos países europeus, a moda tem maior relevância econômica. Por isso, criações desta indústria tem proteção expressa na legislação interna. Uma peça não precisa sempre de explorar novos artifícios de design, para ter direito a proteção. Isso porque é muito raro que essa peça seja definitivamente autêntica, sem parecer alguma outra já existente. Entretanto, para ter referida proteção legal essas criações precisam de representar, por meio da seleção de elementos, combinação de cores e  expressão de ideias, a presença do artista e influência pessoal. Dessa forma, é possível que até mesmo uma cópia seja protegida, desde que tenha alterações que refletem a individualidade do artista, tornando-as originais.

No Brasil, a legislação de propriedade intelectual protege, essencialmente, marcas, logos, patentes e desenhos industriais. As primeiras peças criadas no Brasil seguiam modelos europeus com algumas adaptações. Ainda, no território brasileiro, existem limites entre o que é aceitável e o que não é aceitável, como aquelas criações que justificam uma inspiração em homenagem e aquelas que tentam se passar pelo produto original, enganando o consumidor e gerando lucro.

O estilista brasileiro, Alexandre Pavão, dono de marca homônima, por exemplo, produz, desde 2019, bolsas de couro, com detalhes em correntes e cordas. Realmente, bolsas de couro, cordas ou correntes não são novas no imaginário das pessoas. Entretanto, a forma como elas são combinadas e utilizadas, remetem à identidade de sua marca. O problema foi quando, em novembro de 2020, a marca de calçados e bolsas, Schutz, criou uma coleção com peças muito similares àquelas criadas por Alexandre. Depois do desabafo do designer independente nas suas redes sociais, a multinacional marcou uma reunião com ele, para resolverem a questão amigavelmente. 

Como consequência, quando um grande nome copia um produtor menor, esse produtor sai prejudicado, uma vez que, provavelmente, a grande empresa conseguiu produzir em maior quantidade, por um custo menor e terá um alcance maior devido a amplitude do seu público consumidor. Porém, é possível que haja diálogos entre marcas independentes e grandes marcas, trocando conhecimento e informações de forma vantajosa e transparente para ambos os lados.

Ademais, é importante ressaltar que, muitos artistas se inspiram nas mesmas informações, publicações de bureau de estilo e referências e, dependendo da interpretação de cada um, podem surgir criações bastante similares. Contudo, o processo de criação de uma coleção dura entre 4 e 10 meses e, muitas vezes, as peças, paletas de cores, estampas e modelos são mantidas em sigilo, para evitar plágio e proteger a identidade da marca.

Existem algumas alternativas para proteger as criações e evitar plágio por outras empresas.

Uma delas são as colaborações, ou "collabs" entre grandes marcas de Fast Fashion e pequenos produtores ou marcas de alta costura, que se unem, para criar coleções e peças especiais. Os produtos poderão ser produzidos em maior escala e são, geralmente, bem aceitos pelo público consumidor, devido ao preço mais acessível e boa qualidade.

Outra estratégia é a fiscalização e denúncia de plágio pelas redes sociais que, com um alcance gigantesco e quase instantâneo, permite às pessoas do mundo inteiro acessarem as novidades de uma grife e comparar com modelos existentes anteriormente.

Por fim, também destaca-se a importância de contratos de exclusividade e confidencialidade entre as marcas e seus funcionários e seus fornecedores, com o objetivo de resguardar cada uma das criações e evitar que um produto seja copiado antes mesmo de começar a ser vendido nas lojas autorizadas.

Fato é que, peças de roupas, acessórios e calçados, como criações artísticas dificilmente serão feitas sem referências de algo que já existe. A maioria delas se baseia na interpretação do artista de alguma outra criação. Apenas a legislação não é abrangente o suficiente para proteger criações artísticas. Portanto, para separar cópias de inspirações, é essencial a análise detalhada de cada caso, precedentes aplicados em casos similares, os argumentos e provas trazidos por cada parte.

Helena Ávila

Helena Ávila

Colaboradora no escritório Macedo e Barreto Advocacia e Consultoria e atua nas áreas de Direito Consultivo e Propriedade Intelectual.

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