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A ampliação do colegiado aprimora a tutela jurisdicional?

Os desdobramentos desta problematização podem ser divididos em dois posicionamentos: aqueles que defendem a possibilidade de uma cognição plena dos novos julgadores, e os que defendem que o conhecimento dos novos membros deve ser limitado.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Atualizado às 15:11

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O art. 942 do CPC reservou aos tribunais a regulamentação, por meio dos seus respectivos regimentos internos, os termos da aplicação da técnica do julgamento ampliado. Devendo ser praticada de ofício, diante de eventual divergência entre os julgadores, a ampliação do colegiado suscita debate relacionado à possibilidade, ou não, dos novos membros julgadores se manifestarem quanto as questões de mérito que já foram objeto de unanimidade no momento da ampliação do quórum.

Os desdobramentos desta problematização podem ser divididos em dois posicionamentos: aqueles que defendem a possibilidade de uma cognição plena dos novos julgadores, e os que defendem que o conhecimento dos novos membros deve ser limitado, tão somente, à matéria da divergência.

A segunda hipótese possibilita ainda nova bifurcação, aqueles que defendem (ou não defendem) que os méritos objetos de unanimidade, que de alguma forma se relacionam com o tema da divergência, podem sim, ser conhecidos pelos novos julgadores, ante a necessária inferência e influência nas discussões em questão.

As duas hipóteses, quando aplicadas, geram procedimentos bem distintos, que de fato estão sendo aplicados de diferentes formas, uma vez que cada Tribunal regulamentou o referido procedimento de uma forma.

A defesa da cognição plena

Parcela da doutrina1 defende a necessidade de uma cognição plena. Fredie Didier Júnior e Leonardo da Cunha, consideram que a técnica incluída no novo CPC traz consigo uma relação com os extintos embargos infringentes. Participam do debate partindo da premissa que a referida técnica não tem natureza recursal, e, portanto, sendo possível afastar as eventuais discussões quanto a existência de efeito devolutivo no julgamento. Posicionam-se no sentido da não existência de restrição cognitiva por parte dos novos julgadores2. Observa-se que tal entendimento aduz que a natureza não-recursal do instituto, bem como a inexistência de efeito devolutivo, autorizaria a cognição plena da matéria, visto ser apenas um julgamento interrompido3.

Também nesta perspectiva, entendem Eduardo Cambi, Rogéria Dotti, Paulo Pinheiro, Sandro Martins e Sandro Kozikoski, que a aplicação da técnica vincula o novo quórum ao julgamento de todo recurso, sendo permitida - e necessária - a análise de toda a matéria em questão4.Tal posicionamento não somente aceita a possibilidade da cognição plena, quanto destaca um dever da cognição plena, uma vez que o julgamento foi alargado e novo quórum foi estabelecido para julgar a matéria em sua totalidade.

É possível extrair que tal entendimento, o da necessidade do conhecimento completo da matéria, bem como a manifestação sobre todos os méritos, tem sua justificativa fundada em pretenso aprimoramento da manifestação judicial.

Dão lastro e somam-se aos anteriores as manifestações de Luiz Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero, que entendem que a aplicação da técnica reflete em uma verdadeira possibilidade de ampliação e refinamento do debate, destacado a existência de uma maior pluralidade de pensamentos e manifestações5.

É válido o registro de que esta narrativa, da existência de um aprimoramento das decisões, gera direta influência nos entendimentos anteriores, apresentando uma premissa argumentativa para todos aqueles que acreditam no refinamento da manifestação e que por consequência defendem a possibilidade e necessidade da cognição plena na vigência do quórum formado pela ampliação do colegiado.

Temos que a parcela da doutrina que se manifesta em defesa da cognição plena, assim o faz com crença em um hipotético aprimoramento das manifestações dos julgadores.

A ampliação do colegiado provoca, de fato, um refinamento?

É natural o surgimento da dúvida se a ampliação do colegiado produz, de fato, um julgado aprimorado, bem como no caso de eventualmente concluirmos que o maior número de julgadores não produz melhores manifestações judiciais, questionar a defesa mais adequada.

A postura crítica aqui assumida, bem como o questionamento que norteiam a presente problematização e a redação destas linhas é: Que postura devemos adotar se a premissa do refinamento, ocasionado pela ampliação do quórum, estiver equivocada?

Tal questão não passa despercebida pela Relatora do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Quanto ao hipotético aprimoramento, a professora Teresa Arruda Alvim, destaca que a premissa não encontra lastro na realidade fática6. A idealização de uma manifestação dos julgadores, que reflita uma completa independência olímpica, é utópica e não tem vínculo na práxis. Acolhemos o entendimento da professora, que reputa necessária uma interdisciplinaridade com outras áreas do saber e com referência no mundo real.

Ainda, a professora destaca a existência da investigação e realizada pelo pesquisador João Violin, que questiona justamente a segurança jurídica nas manifestações colegiadas7. A pesquisa se debruça justamente nos vícios psicológicos e cognitivos existentes nas manifestações em/de grupo.

João Violin lança mão de investigação realizada na Universidade de Chicago que analisou mais de 500 julgamentos colegiados, e concluí que tais decisões são mais imprevisíveis. O professor e pesquisador Jordão Violin destaca a existência de fenômenos de polarização de grupo e de aversão ao dissenso. Aduz ainda, que a manifestação de tais desvios psicológicos-cognitivos não existem em decisões monocráticas. Em resumo, a ideia de que quanto mais é melhor, neste caso, é um equívoco.

Durante uma manifestação colegiada, é constatados fenômenos psicológicos como o comportamento de manada, a polarização das manifestações e aversão ao dissenso, tais vícios são inerentes a pessoa humana, não estando, os julgadores, por mais bem intencionados que sejam, imunes a tais fenômenos psicossociais.

Portanto, temos então contato com conhecimento, externo às ciências jurídicas, que possibilita desconfiar da tese do aprimoramento da tutela judicial, tese esta que norteiam aqueles que defendem a cognição plena na ampliação do colegiado.

O reconhecimento dos vícios psicossociais presentes nas manifestações colegiadas, não é somente suficiente para desacreditar da tese de que a ampliação do quórum produz uma decisão mais refinada, quanto nos possibilita questionar quanto à existência de um decréscimo na qualidade das manifestações judiciais. Vale dizer, a cognição plena, defendida em virtude um aprimoramento, pode estar tendo um efeito contrário ao esperado.

Superada a questão do hipotético aprimoramento do julgado provocada pela ampliação do colegiado e adentrando em questões técnicas, teremos posicionamentos doutrinários que defendem justamente a necessidade de uma limitação da atividade cognitiva dos novos julgadores.

O posicionamento contrário à cognição plena

O professor e desembargador José Maria Câmara Júnior, recorre a ratio legis para destacar que a técnica em questão foi implementada no intento, tão somente, de possibilitar a inversão de um resultado não unânime, devendo, portanto, ser limitada à matéria divergente que motivou a ampliação do colegiado8.

Vale dizer, não há do que se falar em pretenso aprimoramento da tutela jurisdicional, a existência da norma nunca foi motivada por uma busca do refinamento das manifestações dos desembargadores.

Em outras palavras, o artigo 942 existe apenas para garantir que a parte interessada - e eventualmente beneficiada pela divergência -, possa ter garantida a possibilidade de reversão do resultado não unânime, uma vez que o recurso dos embargos infringentes deixou de existir.

Também em uma análise formal, o professor José Rogério Tucci, problematiza a questão à luz do princípio do juiz natural, indicando que compete aos novos julgadores apenas a matéria da divergência. Tal defesa é realizada considerando que aparecimento da divergência é o que lhes dá a competência para análise do mérito.

O professor faz ainda a ressalva de que de fato o julgamento ampliado permite que os julgadores originários possam rever seus próprios votos, entretanto, apenas quanto ao tema da matéria de divergência e objeto de apreciação do novo quórum instaurado pela ampliação do colegiado9.

A professora e relatora do anteprojeto do novo CPC, Teresa Arruda Alvim, é enfática, e refere-se ao art. 942 como polêmico, e endossa o posicionamento defendido pelo professor José Rogério Tucci, ao afirmar que a possibilidade da revisão dos votos anteriores é limitada exclusivamente na questão que ensejou a ampliação do colegiado10.

Por fim, o desembargador e professor Paulo Afonso Brum Vaz, lança mão da Teoria dos Capítulos da Sentença11 para destacar que existe uma impossibilidade na cognição plena na ampliação do colegiado, ante a autonomia dos capítulos12.

Entende o professor que o colegiado ampliado é formado apenas para discutir a matéria fática sobre a qual houve dissidência. Afasta também a problematização quanto a devolutividade, pois entende ser pacífico o fato da técnica não se tratar de recurso.

Defende que o mérito que já encontrou unanimidade não deve ter a possibilidade de inversão do resultado, indicando que a única condição para essa rediscussão ocorra seja diante da existência de uma relação direta com o mérito objeto de divergência e apregoa que a teoria da divisibilidade e dos capítulos da sentença deve prevalecer pois é reconhecida por toda doutrina13.

De todo o exposto, reconhecemos que durante a incidência da técnica da ampliação do colegiado, a cognição plena esteja em conflito com a Teoria dos Capítulos da Sentença. Entendemos que a parcela da doutrina que defende a cognição plena, não adentrou nesta discussão por acreditar que a pluralidade de julgadores produziria um necessário aprimoramento e refinamento da prestação jurisdicional.

Tal premissa motivou as manifestações favoráveis à tese da cognição plena na ampliação do colegiado, no entanto, temos que tal perspectiva ignora a essência humana e os naturais desvios e vícios cognitivos existentes em manifestações de grupo.

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1 Quanto esse posicionamento, ver Fredie Didier Júnior e Leonardo da Cunha, Eduardo Cambi, Rogéria Dotti, Paulo Pinheiro, Sandro Martins e Sandro Kozikoski, Luiz Marinoni, Sérgio Arenhart e Daniel Mitidiero.

2 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 96.

3 DIDIER, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, págs. 97-98.

4 CAMBI, Eduardo; DOTTI, Rogéria; PINHEIRO, Paulo Eduardo d'Arce, MARTINS, Sandro Gilbert; KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Curso de Processo Civil completo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 1403.

5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 886.

6 ALVIM, Teresa Arruda. Ampliar a colegialidade: a que custo? Res Severa Verum Gaudium, Porto Alegre, 2017, p. 19.

7 VIOLIN, Jordão. Onde está a segurança jurídica? Colegialidade, polarização de grupo e integridade nos tribunais. Revista dos Tribunais online. Vol. 268/2017, p. 407-433, jun. 2017. DTR 2017/1347.

8 ALVIM, Teresa Arruda. Ampliar a colegialidade: a que custo? Res Severa Verum Gaudium, Porto Alegre, 2017, p. 19.

9 CÂMARA JÚNIOR, José Maria. Técnica de colegialidade do art. 942 do CPC. In: DANTAS, Bruno; CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz; BUENO, Cassio Scarpinella; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência após o primeiro ano de vigência do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 92

10 TUCCI, José Rogério Cruz e. Paradoxo da corte. Limites da devolução da matéria objeto da divergência no julgamento estendido. Revista Consultor Jurídico, 31 de janeiro de 2017.

11 ALVIM, Teresa Arruda. Ampliação da colegialidade: o polêmico Art. 942 do CPC de 2015. In: (Coords.) MARANHÃO, Clayton; BARBUGIANI, Luiz Henrique Sormani; KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Ampliação da colegialidade técnica de julgamento do artigo 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes, 2017. p.48.

12 Para compreensão da Teoria dos Capítulos da Sentença, ver: DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Um aprofundamento ainda maior é possível recorrendo aos doutrinadores italianos, em especial Giuseppe Chiovenda, pelo conceito das unidades autônomas e independentes, bem como Enrico Liebman, pelo alargamento do conceito da unidade e divisibilidade dos capítulos.

13 VAZ, Paulo Afonso. Limites e possibilidades do âmbito cognitivo e decisório na técnica do julgamento não unânime (colegiado ampliado) do art. 942 do CPC/2015. Direito Hoje, Emagis, 2020.

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DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

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Vitor Miranda Capacle

Vitor Miranda Capacle

Graduando em Direito na Universidade Federal do Paraná. Colaborador do escritório Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD.

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