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A sentença do metrô e a LGPD

O objetivo de coletar essas imagens era para utilizá-las em medidas comerciais e publicitárias, o que é vedado sem que ocorra o consentimento expresso, especialmente por se tratar de dados pessoais sensíveis.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Atualizado às 12:13

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Quem estuda ou trabalha com proteção de dados certamente se deparou com a notícia da sentença prolatada no último dia 07, no TJSP, na Ação Civil Pública de 1090663-42.2018.8.26.0100 em trâmite na 37ª Vara Cível do Foro Central Cível de São Paulo. 

A alegação da parte autora (IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) era de que a Concessionária da Linha da Metrô coletava e armazenava dados pessoais sensíveis (biométricos), por meio do reconhecimento facial das pessoas que circulavam diariamente na linha em questão, sem qualquer autorização ou consentimento prévio. O objetivo de coletar essas imagens era para utilizá-las em medidas comerciais e publicitárias, o que é vedado sem que ocorra o consentimento expresso, especialmente por se tratar de dados pessoais sensíveis

A ré - Concessionaria da Linha 4 do Metrô de São Paulo S.a. (Via Quatro) - foi condenada ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de danos morais coletivos (valor que será destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos FDD).

Antes de mais nada, vale ressaltar que a sentença não transitou em julgado, contudo, independente da fase processual, certamente tal decisão é de suma importância no que diz respeito a relevância da Lei Geral de Proteção de Dados.

Destaco alguns pontos que considero importantes, ainda que a decisão em questão tenha sido preferida em esfera cível, ou seja, tem caráter indenizatório.

Em certo ponto da sentença, a juíza deixa claro que os fatos ocorreram antes da vigência da lei, mas que por se tratar de efeitos futuros o tratamento de dados está submetido à sua regência, nesse sentido:

"Apesar da lei 13.709/2018 (lei Geral de Proteção de Dados LGPD) ser posterior ao início da captação das imagens objeto dos autos, a questão concernente à obrigação de fazer e de não fazer pleiteada pela autora e do tratamento dos dados captados, com efeitos futuros, está submetida à sua regência."

Outro ponto que convém mencionar é que não houve comprovação de que os dados biométricos eram de fato coletados e armazenados. Tal prova poderia ter sido realizada por meio de prova pericial, o que não ocorreu no caso telado. E justamente por esse motivo (a ré poderia muito bem ter postulado a prova pericial já que era um direito seu) o juízo considerou os fatos incontroversos, julgando parcialmente procedente a demanda.

Mas Mônica, se foram procedentes, porque motivo a demanda foi parcialmente procedente? Aí entra a velha história do quantum indenizatório do dano moral - dificuldade em quantificar a subjetividade - que inclusive foi o tema da minha monografia de Graduação. O pedido inicial foi de indenização não inferior a R$ 100.000.000,00, contudo, o juízo considerou tal valor excessivo e elevado, ainda que a situação em questão tenha violado expressamente o Código de Defesa do Consumidor, a lei Geral de Proteção de Dados e o Estatuto da Criança e do Adolescente, e por esse motivo limitou a indenização a R$ 100.000,00.

Valor alto?! Baixo?! Baixo se comparado às multas da ANPD que estão chegando (agosto está quase aí), mas com certeza bem mais alto do que as indenizações de R$ 4, R$ 5 e R$ 10 mil que estávamos vendo nos últimos meses quando o assunto se tratava de LGPD e compartilhamento de dados.

Por fim e não menos importante a sentença foi bastante feliz quando fez uma ressalva expressa sobre a possibilidade de coleta de imagens para fins de segurança, conforme trecho abaixo destacado:

"A situação exposta no caso concreto é muito diferente da captação de imagens por sistemas de segurança com objetivo de melhoria na prestação do serviço, segurança dos usuários ou manutenção da ordem, o que seria não só aceitável, mas necessário diante da obrigação da fornecedora de serviço público zelar pela segurança de seus usuários dentro de suas dependências. É evidente que a captação da imagem ora discutida é utilizada para fins publicitários e consequente cunho comercial, já que, em linhas gerais, se busca detectar as principais características dos indivíduos que circulam em determinados locais e horários, bem como emoções e reações apresentadas à publicidade veiculada no equipamento."

Essa ressalva é muito necessária para que a população não pense equivocadamente que toda e qualquer coleta de dados necessite do consentimento, já que é uma das 10 bases legais previstas no rol do art. 7º da LGPD.

Sem mais delongas, que essas indenizações e demandas possam fazer com que realmente os controladores de dados pessoais repensem seu modus operandi e entendam que a LGPD não é uma lei passageira, bem como que não existe implementação para "cumprir tabela"; A proteção e respeito à privacidade e ao titular de dados pressupõe uma VERDADEIRA conscientização, mas principalmente uma MUDANÇA de mindset e de cultura. 

Mônica T. Medeiros Lopes Scariot

Mônica T. Medeiros Lopes Scariot

Advogada do escritório Lopes e Pauletto Associados, e é Especialista em Direito Civil, Negocial e Imobiliário pela LFG/Anhanguera e Pós-graduanda em Advocacia em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI.

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