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Os desafios da sucessão nas empresas familiares produtoras de café

Mais de 70% das empresas familiares não sobrevivem à passagem para a segunda geração. O planejamento sucessório visa facilitar essa transição e prevenir problemas na divisão de bens e deveres.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Atualizado às 11:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Estima-se que 30% das empresas familiares não chegam à segunda geração e 5% à terceira (PRADO, 2011). Esses números são ainda mais preocupantes quando se percebe que o agronegócio, mais especificadamente a produção de café, é composta de 30% à 35% de produção familiar, segundo o IBGE.

Trata-se de tema delicado, uma vez que parte da força econômica do Brasil é oriunda do agronegócio e o café é um dos produtos mais exportados do país. Isso significa que a fragilidades das empresas familiares pode refletir diretamente na economia do país.

Os produtos básicos, dentre eles o café, foi um dos poucos setores que não sofreu grandes impactos pela pandemia do covid-19. Entretanto, apesar de ser uma potência para nossa economia, quando colocado uma lupa sobre a estrutura dos produtores de café fica evidenciado a dificuldade da continuidade da produção entre as gerações.

O planejamento sucessório é apontado como um fator que age, diretamente, no índice de "mortalidade" dessas empresas, facilitando a sobrevivência dos negócios familiares a cada passagem de geração  (PRADO, 2011).

Desenvolvimento histórico da produção rural cafeeiro no Brasil

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo e o segundo maior consumidor do produto (ABIC, 2020).

A influência do café ganhou proporções enormes, o que marcou, inclusive, um período político importante do país, denominado Café com Leite, devido a grande produção de café no estado de São Paulo e de leite em Minas Gerais.

Em Minas Gerais, o café entrou em 1707, na região conhecida como "Zona da Mata", a qual sofreu influência e desenvolvimento do ouro (CCCMG, 2018).

A Zona da Mata se manteve como a região mais rica do estado, até o século XX, em razão do café (CCCMG, 2018). Atualmente, o estado é o principal produtor de café, sendo a cafeicultura cultivada em mais de 463 municípios, o que representa 55% do estado (REVISTA CAFEICULTURA, 2019).

Todavia, até a década de 1970, os estados do Paraná e São Paulo eram os que ofereciam maior volume de café no Brasil (SIMÕES; e PELEGRINI, 2010).

Atualmente,' Minas Gerais é o maior produtor de café, responsável por 50% de toda produção (RURAL PECUÁRIA, 2020), além disso, é também o que mais produz cafés especiais do país (RURAL PECUÁRIA, 2020).

No Espirito Santo, por sua vez, o café chegou apenas em meados do século XIX, pelo norte do estado, sendo Linhares a primeira cidade que desenvolveu a cultura de produção na região.

Atualmente, o estado é o maior produtor de café Conilon e o segundo maior produtor de café do Brasil. Mesmo sendo um estado relativamente pequeno em território, consegue manter-se nas primeiras posições na produção do grão.

Por todo o período de cultivo e comercialização do grão no estado, foi a produção familiar que protagonizou a cultura e o desenvolvimento do café, a qual resistiu por várias gerações de produtores até o cenário atual.

Segundo o INCAPER - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural - o café é produzido em 40 mil propriedades rurais em 63 municípios. No total são 78 mil famílias que cultivam o grão no estado (INCAPER, 2020). Afirma ainda que o tamanho médio das lavouras é de 08 hectares, ou seja, o tamanho da produção do café ocorre em terras com tamanho médio de 80m2, tamanho modesto em escaladas de plantio.

A agricultura familiar, mais precisamente a do café, deve ser vista como um negócio e uma empresa familiar por aqueles que trabalham no seu desenvolvimento, assim como pelo Estado brasileiro, que tem interesse em mantê-las funcionando e produzindo em seu favor, através da produção de riqueza e geração de emprego.

Mesmo diante da força econômica que o cultivo de café representa para o Brasil, percebe-se uma fragilidade no que se refere à manutenção da produção familiar, principalmente quando a geração mais nova não se interessa em manter os negócios da família.

O problema se agrava quando os patriarcas falecem e os sucessores reivindicam sua quota parte da herança, que engloba a porção de terra na qual a produção de café é desenvolvida. Assim, o cultivo do grão pode se tornar inviável a depender da destinação pretendida por cada herdeiro.

De acordo com o SEBRAE (2019) - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - é de extrema importância, para as empresas familiares, planejar antecipadamente a sucessão, a qual deve ser iniciada enquanto o fundador estiver atuando nos negócios da família.

Assim, é necessário que haja separação entre o conceito de família, empresa e propriedade (SEBRAE, 2019), ou seja, deve-se diferenciar as relações com cada um desses segmentos, para que os negócios da família prosperem.

Para tanto, é preciso que haja organização patrimonial dos negócios, esclarecendo para cada sucessor qual será seu papel quando assumirem os negócios da família, ou ainda saberem o que fazer em caso de não interesse em seguir com a produção de café.

Vê-se, então, a necessidade em se realizar o planejamento sucessório para a manutenção dessas produções de café ao longo das gerações.

Tratar da sucessão em vida sempre foi uma dificuldade, pois comumente é um assunto postergado (MADALENO, Rolf, p. 189, 2014), sendo encarado, não raras vezes, após anos do falecimento.

Apesar da cultura de não planejar a sucessão, todos os bens acumulados em vida, de valor material ou sentimental, serão transmitidos aos sucessores com a morte do titular (MADALENO, Rolf, p. 189, 2014).

O planejamento sucessório, se apresenta como instrumento preventivo, capaz de minimizar a insegurança em relação ao destino dos bens após a morte, uma vez que reúne em si dois acontecimentos inevitáveis, quais sejam: morte e pagamento de imposto (ARAÚJO, 2018 p. 09).

Além disso, é importante instrumento que, mais do que organizar a sucessão, visa impor responsabilidade aos herdeiros na preservação do patrimônio deixado pelo sucedido (OLIVEIRA, 2009).

Assim, o planejamento da sucessão tem o escopo de preservar a autonomia da vontade do titular do patrimônio (ARAÚJO, 2018 p. 09), podendo também incluir e considerar a vontade dos herdeiros que irão administrar os bens deixados. Diante disso, trata-se de conjunto de atos e negócios jurídicos entre pessoas que mantem alguma relação familiar ou sucessória (HIRONAKA; TARTUCE, 2019. p. 88).

Ademais, visa reduzir a carga tributária que incide sobre a sucessão (ARAÚJO, 2018 p. 09), bem como se preza a diminuir futuros embates entre os sucessores, gastos com inventários longos, redução de honorários, economia de tempo, etc. (OLIVEIRA, 2009).

O planejamento sucessório, por sua vez, pode ser realizado através de vários instrumentos, tais como: testamento; doação; partilha em vida; seguro de vida; Holding Familiar ou patrimonial; plano de previdência privada, dentre outros.

O planejamento sucessório, então, apresenta-se como uma alternativa, quase que indispensável, para a manutenção dessas empresas, que mesmo pequenas, são responsáveis por grande vulto econômico e financeiro no estado.

Todavia, apesar dos fatos trazidos, a agricultura familiar tende a manter um caixa único para controlar as despesas dos negócios e da família (AHLERT, 2010, p. 51), ou seja, não há separação entre despesas profissionais e pessoais.

Percebe-se, então, que os próprios produtores não enxergam o cultivo do café como sendo um negócio empresarial, isto é, não encaram o plantio do café de maneira profissionalizada, mas tão somente como forma de sobreviverem.

Em razão dessa centralização do controle dos negócios da familiar, discutir o planejamento sucessório é assunto delicado, uma vez que envolve a questão da morte e, junto com ela, a transferência de poder (AHLERT, 2010, p. 51).

O cultivo de café como negócio empresarial

A pessoa que desenvolve atividade rural já é considerada como empresária (DINIZ, G., 2018) pelo artigo 971 do Código Civil (BRASIL, 2002), in verbis:

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Pela interpretação dada ao dispositivo supramencionado é de que a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis é facultativa (DINIZ, G., 2018), ou seja, o simples fato de desenvolver o agronegócio já faz com que o produtor seja visto, juridicamente, como empresário.

Tanto é verdade, que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a recuperação judicial de produtor rural pessoa física, desde que comprovada o exercício da atividade por pelo menos 2 anos.

Esse entendimento só corrobora com o fato de que os produtores já são vistos como empresas pelo Direito, reforçando sua importante relevância na economia brasileira.

Todavia, essa visão profissional, de empresa, não é percebida pelos próprios produtores rurais (ROSA, 2017), o que faz com que deixem de tratar dos negócios de maneira mais profissional.

O desconhecimento da necessidade de profissionalização dos negócios, afeta diretamente o desenvolvimento e o planejamento das questões que envolvem a produção, desde sua gestão, até seus resultados (ROSA, 2017).

O planejamento sucessório é diretamente afetado por essa visão "não profissional", pois alguns entendem que a profissionalização dos negócios, no geral, é trocar todos os familiares por pessoas que não pertencem à família  (BOTTINO, 2011), as quais irão decidir os rumos da empresa, ou seja, tem-se o medo de perder a característica de uma empresa familiar através da profissionalização.

De fato, esse tipo de profissionalização é uma opção, mas também pode tratar-se, tão somente de capacitação, da própria família para adotarem melhores politicas de administração dos negócios  (BOTTINO, 2011).

O planejamento sucessório se encaixa, justamente na necessidade de responsabilizar os herdeiros pela preservação do patrimônio que será deixado pelo sucedido, visando, assim, diminuir futuros conflitos. (BOTTINO, 2009).

Dito isto, a importância do planejamento sucessório ganha evidência, pois os produtores rurais precisam encarar seu negócio como empresa familiar que são, com esforços dos membros da família para o desenvolvimento da atividade (SILVA; ALBUQUERQUE, 2020) , isto é, devem profissionalizar a produção de café, incluindo seus sucessores na administração e os responsabilizando pela perpetuação dos negócios.

Ficou evidenciada neste texto a importância da participação dos sucessores no processo de planejamento sucessório, uma vez que gera sentimento de responsabilidade para com os negócios da família, bem como experiência prática na sua gestão.

Por fim, é preciso reforçar que um bom planejamento sucessório deve analisar as peculiaridades e os objetivos de cada família, considerando cada caso concreto, para só então escolher o instrumento que melhor se adeque na situação.

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ABIC. O Café Brasileiro na Atualidade. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 11 de Jun. 2020.

AHLERT, Lucildo e CHEMIN, Beatris Francisca. A Sucessão Patrimonial na Agricultura Familiar. Disponível aqui. Acesso em: 23 jul. 2020.

ARAÚJO, Dayane de Almeida. Planejamento Tributário Aplicado aos Instrumentos Sucessórios. São Paulo. Almedina, 2018.

BRASIL. Casa Civil. Código Civil de 2002. 2002. Disponível aqui. Acesso em: 11 de Jun. 2020.

BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível aqui. Acesso em: 11 de Jun. 2020.

BOTTINO, Carla. Profissionalização nas empresas familiares. 2009. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

CCCMG. História do Café em Minas Gerais. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 11 de Jun. 2020.

DINIZ, Gustavo Saad. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes de Novaes e TARTUCE, Fláveio. Planejamento Sucessório: conceito, mecanismos e limitações. Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil. Belo Horizonte, v. 21. 2019.

INCAPER. Cafeicultura - Café Conilon. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 11Jun. 2020.

IBGC Pesquisa. Governança em Empresas Familiares: evidências brasileiras. São Paulo. 2019.

MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório. 2014. Disponível aqui. Acesso em: 11Jun. 2020.

OLIVEIRA, Jane Resina F. De. Importância do Planejamento Sucessório. 2009. Disponível aqui. Acesso em: 11Jun. 2020.

PRADO, Roberta Nioac. Empresas Familiares - Governança Corporativa, Governança Familiar, Governança Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

REVISTA CAFEICULTURA. Conheça a importância do café para Minas Gerais presente em 463 municípios (55% do estado). 2019. Disponível aqui. Acesso em: 11 de Jun. 2020.

ROSA, Leonardo. Benefícios da profissionalização de um empreendimento rural. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

RURAL PECUÁRIA. Minas Gerais segue no topo como maior estado produtor de café do Brasil. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

RURAL PECUÁRIA. Brasil: Mapa representativo das Regiões produtoras de Café. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

SEBRAE. Negócios familiares: entenda como eles funcionam. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

SIMÕES, Juliana Carvalho e PELEGRINI, Djalma Ferreira. Diagnóstico da cafeicultura mineira - regiões tradicionais: Sul/Sudoeste de Minas, Zona da Mata, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Governo de Minas: EPAMIG. Minas Gerais. 2010.

SILVA, Ronaldo Alves da, e ALBUQUERQUE, Alessandra Lignani de Miranda Starling e Albuquerque. A importância do planejamento sucessório na empresa familiar: o papel das holding companies. 2020. Disponível aqui. Acesso em: 11 Jun. 2020.

Laís Schayder

Laís Schayder

Advogada do Schayder Advocacia, especialista em Direito das Famílias e Sucessório.

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