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A procedimentalização para a escolha da câmara arbitral pela administração pública

Análise de qual procedimento é o mais adequado quando se trata do primeiro passo para utilização do instituto da Arbitragem, isto é, a escolha da Câmara Arbitral.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Atualizado às 16:53

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A inexigibilidade de licitação apenas é autorizada a ocorrer quando se caracterizar inviável a competição podendo ser no âmbito de aquisição de produtos, contratação de profissionais do meio artístico ou para a contratação de serviços, essa modalidade presente na lei de licitações se mostra ser uma exceção frente a todas as regras estabelecidas para disciplinar as relações entre o Ente Público e um particular.

A Câmara Arbitral em suma, é uma pessoa jurídica de direito privado que estabelecerá relação com a Administração Pública por meio de um contrato de prestação de serviço, pois é ela a responsável por toda a organização da estrutura do processo arbitral, bem como pela lista de árbitros responsáveis e qualificados para a resolução de cada conflito e é ela que dispõe de um Regimento Interno próprio para respaldar todos os atos que ocorrerão durante todo o procedimento arbitral, caracterizando uma prestação de serviço de notória especialização configurando a hipótese de inexigibilidade prevista no artigo 25, inciso II da lei  8.666/93, bem como, restando cristalina a caracterização da hipótese primordial da inexigibilidade, qual seja, a impossibilidade de competição devendo ser aplicado ao caso concreto o artigo 25, caput, do mesmo diploma legal já citado. (YAMAMOTO, 2018, p. 74)

Haja vista o silêncio da lei, uma questão que se coloca é sobre a eventual necessidade ou não da realização de um procedimento licitatório sob os ditames da lei 8.666/93 para a escolha e contratação dos serviços a serem prestados por uma câmara arbitral ou diretamente pelos árbitros em caso de arbitragem ad hoc.

A inexigibilidade de licitação para a contratação da Câmara Arbitral também se mostra um método mais eficiente, pois cada procedimento arbitral envolve inúmeras variáveis que só poderão ser enfrentadas quando sobrevier a necessidade de aquele conflito ser submetido a Arbitragem, assim, seria prejudicial apenas nesse momento ocorrer a escolha da câmara por meio de licitação, visto ser um processo excessivamente burocrático e demorado, podendo descaracterizar a celeridade presente no procedimento arbitral. (GARCIA, 2016)

Avançando na compreensão do tema, não se identifica que a licitação seja o mecanismo apropriado para a contratação das Câmaras. Arbitragem pressupõe celeridade. A partida, paralisar o processo arbitral para promover o processo de licitação formal, parece contrariar a dinâmica da própria arbitragem.

Inviável, também, fixar critérios objetivos necessários para iniciar-se um processo licitatório, visto a análise do serviço prestado por uma Câmara Arbitral ser extremamente subjetiva e variável de acordo com a exposição ao caso concreto, impossível fixar critérios gerais para um serviço que deverá ser prestado, modificado, adaptado de acordo com as variáveis existentes em cada procedimento arbitral, como por exemplo, realizar o processo licitatório e um dos requisitos objetivos ser que a câmara possua árbitros qualificados em direito ambiental, não vai servir para um caso referente a direito empresarial submetido a Arbitragem, demandaria mais investimento na realização de novo processo licitatório, demandaria mais tempo para a realização da licitação e não satisfaria as partes envolvidas na Arbitragem. (GARCIA, 2016)

(.) Licitar pressupõe uma ideia central de fixar critérios que permitam estabelecer parâmetros de competição que sejam objetivamente aferíveis.

Não se identifica que isto seja possível na escolha das Câmaras Arbitrais, sendo necessário reconhecer a existência de margens de discrição administrativa que deverão ser conferidas aos gestores no processo de escolha. Recomendável que os parâmetros estejam previamente definidos nos atos normativos dos entes públicos e devidamente motivados em cada caso concreto.

Conforme Gustavo Justino de Oliveira bem lembrou em seu artigo Especificidades do processo arbitral envolvendo a Administração Pública, deverá ser em cada caso comprovado os requisitos que tornam aquela Câmara Arbitral única em sua prestação de serviço para se autorizar a aplicação de uma contratação direta por parte da Administração Pública. (OLIVEIRA, 2017)

(.) Em síntese, a Administração Pública, em processo administrativo, deverá comprovar que aquela câmara de arbitragem pode ser considerada como de notória especialização, o que significa que alguns documentos comprobatórios devem ser anexados ao processo administrativo de contratação (lista de árbitros, equipe técnica capacitada, certificações de qualidade, comprovações de capacidade estrutural, experiências anteriores, regulamento compatível com arbitragens público-privadas, dentre outros).

Entende-se, assim, que a especialidade e a singularidade do serviço prestado pela Câmara selecionada, bem como a notoriedade da instituição arbitral, a sua reputação ilibada e o conhecimento jurídico de seus integrantes, sobrepõem-se ao aspecto meramente financeiro. Ou seja, a câmara de arbitragem não será selecionada da mesma forma que bens ou serviços comuns, pelo menor preço, pois não há parâmetros objetivos que permitam a comparação direta entre diferentes câmaras. Inviável a competição, inexigível a licitação.

Importante frisar, que tanto a lei de Arbitragem (lei 9.307/96) quanto a alteração legislativa do ano de 2015 (lei 13.129/15) não estipularam o meio pelo qual deveria ser contratada uma Câmara Arbitral para atuar em procedimentos que envolvam a Administração Pública, deixando margem para que cada Ente Público legisla-se de forma regional sobre o assunto, como por exemplo, o que foi feito pelo Estado de Minas Gerais que criou uma lei própria que disciplina sobre o instituto da Arbitragem no âmbito de sua Administração Pública (lei 19.477/11), a qual dispõe inclusive como se dará a contratação da Câmara Arbitral, optando o estado pela contratação direta através de um prévio credenciamento de todas as câmaras interessadas em trabalhar com o Ente Público. (MASTROBUONO, 2016)

A despeito dos diversos arranjos possíveis para justificar o momento de seleção da Câmara, deve-se ter em conta que, no cenário atual, o trabalho desempenhado por tais entidades é bastante semelhante. Em geral, os regulamentos e listas de árbitros pouco se diferenciam e dificultam uma escolha prévia pelo gestor público, a ser instrumentalizada na minuta contratual.

Essa característica pode ter motivado o legislador mineiro, ao prever na Lei Estadual 19.477, de 12.1.11, que o árbitro apto para julgar conflitos que envolvam o Estado de Minas Gerais deverá ser membro de Câmara Arbitral inscrita no Cadastro Geral de Fornecedores do Estado, caracterizado como um banco de fornecedores de bens e serviços comuns, os quais seriam escolhidos, em regra, pelo menor preço.

A inexigibilidade de licitação para a contratação da Câmara Arbitral, se mostra nos dias atuais, a opção mais coerente e compatível com as características inerentes ao procedimento arbitral, visto não existir nenhum dispositivo legal, atualmente, que imponha uma forma nacional de contratação dessas câmaras, ademais seria uma maneira de preservar os princípios constitucionais como o da legalidade, da publicidade, da eficiência e também resguardar os princípios vinculados a própria Arbitragem como por exemplo, um procedimento célere e de autonomia das partes. Porém, para tornar essa modalidade totalmente alinhada com os princípios decorrentes de ambas as instituições é necessário que se tenha em mente a necessidade de realização de alguns ajustes, não podendo a discricionariedade e a motivação da qual a Administração Pública utilizará para selecionar por meio de contratação direta uma Câmara Arbitral ser apenas decorrente da vontade do Ente Público, devendo proporcionar espaço para a participação do particular nessa escolha, em prol da autonomia das partes e da preservação do princípio constitucional da impessoalidade, por intermédio do chamado credenciamento.

O credenciamento é o ato de registro em uma lista de todas as câmaras que preencham os requisitos mínimos, como, por exemplo, apresentem os documentos necessários para a habilitação, bem como aceitem a remuneração prefixada, estabelecidos em lei própria e que estejam interessadas em firmar contrato de prestação de serviço com a Administração Pública. (LOPES, 2016, p. 28-29)

Para um bom funcionamento do credenciamento nesse caso, a Administração deverá fixar critérios claros em dois momentos: o primeiro para a realização do cadastro e o segundo para a efetiva escolha do credenciado. Dessa forma, deverão existir critérios genéricos para o credenciamento de modo a não engessar e restringir excessivamente as opções, mas, tendo sempre em mente um corte de qualidade.

O credenciamento não é uma hipótese presente no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, mas pode aliar-se a possibilidade de inexigibilidade de licitação com o intuito de tornar mais transparente e impessoal o ato de escolha da Câmara Arbitral, visto ser uma possibilidade de restringir a discricionariedade que detém o Ente Público em uma contratação direta quando envolver a Arbitragem e efetivar a participação do particular nessa escolha.

Para que o credenciamento exerça um papel democrático na escolha da Câmara Arbitral a melhor forma de aplicação deste instituto seria a Administração Pública fixar os critérios básicos para possibilitar o credenciamento e diante do caso concreto e consequentemente da apresentação da lista de Câmaras Arbitrais cadastradas caberia ao particular a escolha definitiva da câmara que seria responsável pela organização estrutural do procedimento arbitral. (OLIVEIRA, 2017)

É possível, por fim, a utilização do credenciamento por parte da Administração Pública. Após o cumprimento dos requisitos básicos e proporcionais, fixados pela Administração, todas as instituições arbitrais poderiam realizar o credenciamento perante o Poder Público. Nesse caso, a escolha da instituição arbitral credenciada seria realizada, em cada caso, pelo particular interessado na resolução da disputa.

No mesmo sentido é o pensamento de Gustavo Justino de Oliveira em seu artigo Especificidades do processo arbitral envolvendo a Administração Pública. (OLIVEIRA, 2017).

O credenciamento prévio juntamente à Administração Pública das instituições arbitrais interessadas, no formato disposto pela Lei Federal 13.019/2014, possibilita a realização de parcerias com diversas câmaras de arbitragem concomitantemente. Assim, caso inexista previsão específica relativa à câmara de arbitragem no contrato objeto da controvérsia, o particular terá a discricionariedade para escolher dentre as instituições arbitrais credenciadas, materializando - com a sua escolha - o termo de colaboração da câmara com a Administração Pública. Este sistema plenamente aplicável ao sistema de parcerias, caso aplicado de maneira transparente e objetiva, tem a capacidade de agregar maior paridade e consensualidade às arbitragens público-privadas.

Para proporcionar a participação de ambas as partes envolvidas no procedimento arbitral e tornar mais democrática a escolha das Câmaras Arbitrais é viável a utilização do instituto do credenciamento, mediante a formulação de requisitos de habilitação básicos pela Administração Pública, e a escolha final, após a divulgação da lista contendo todas as câmaras interessadas, ser de competência do particular. (WEBER, 2016, p. 447)

O mecanismo de escolha das câmaras de arbitragem, caso a Administração Pública não opte pela arbitragem ad hoc,166 deverá seguir critérios previamente estipulados pelo poder público, definidos em ato normativo específico do ente federativo interessado, e deve, a nosso sentir, obedecer ao sistema de credenciamento, tendo em vista a existência de uma pluralidade de câmaras de arbitragem igualmente qualificadas e com a devida expertise para administrar procedimentos arbitrais dos quais seja parte a Administração Pública.

Assim mostra-se mais assertivo e mais coerente em relação aos pilares que sustentam a Arbitragem e a preservação dos princípios constitucionais a contratação direta mediante a aliança entre a inexigibilidade de licitação e o credenciamento das Câmaras Arbitrais.

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GARCIA, Flávio Amaral. A escolha dos árbitros e das Câmaras Arbitrais: licitar ou não?, 2016. Disponível clicando aqui. Acesso em 26/5/20.

LOPES, Debora Fiszman Igrejas. Arbitragem e Administração Pública: A escolha da Câmara Arbitral nas arbitragens com a Administração Pública Direta, 2016. Disponível clicando aqui

MASTROBUONO, Cristina Margarete; JUNQUEIRA, André Rodrigues. A escolha da câmara de arbitragem pela Administração Pública. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 48/2016, p. 115-130, Jan-Mar/16.

OLIVEIRA, Gustavo Justino. Especificidades do Processo Arbitral envolvendo a Administração Pública, 2017. Disponível clicando aqui. Acesso em: 2/4/20.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A arbitragem nos contratos da Administração Pública e a Lei nº 13.129/2015: Novos desafios, 2017. Disponível clicando aqui. Acesso em: 13/4/20.

WEBER, Ana Carolina .[et al.]; coordenação Melo, Leonardo de Campos; Beneduzzi, Renato Rezende. A reforma da arbitragem, Rio de Janeiro, 2016; p. 446. Disponível clicando aqui. Acesso em: 17/10/20.

YAMAMOTO, Ricardo. Arbitragem e Administração Pública: Uma análise das cláusulas compromissórias em contratos administrativos, 2018. Disponível em: clicando aqui. Acesso em: 16/4/20.

Roseane Andressa Bastians de Carvalho

Roseane Andressa Bastians de Carvalho

Graduada em Direito pela FADERGS. Pós-graduanda em Investigação Forense e Perícia Criminal pela Uniasselvi (EAD).

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